Kabalah

· Sabedoria

ÍNDICE

INTRODUÇÃO
COMO LER O LIVRO
1 – PERCEBER O CRIADOR
1.1 – JANELA PARA O CORAÇÃO
1.2 – FÉ ACIMA DA RAZÃO
2 – O CAMINHO ESPIRITUAL
2.1 – A PROVIDÊNCIA DO CRIADOR
2.2 – TOMAR CONSCIENCIA DO DOMÍNIO DO CRIADOR
3 – A MESA DA SALA DE JANTAR
PRIMEIRO ATO
SEGUNDO ATO
3.1 – Análise
4 – ANULANDO NOSSOS INTERESSES PESSOAIS
4.1 – O método para se livrar da escravidão do egoísmo encontra-se na Cabala
4.2 – Deixe que a Cabala seja seu guia
5 – O PROPÓSITO DE ESTUDAR A CABALA
5.1 – Qual a diferença entre estudar a Cabala e os outros sistemas?
6 – O PROGRESSO ESPIRITUAL
6.1 – Fé: crer na unicidade do Criador
7 – NOSSAS PERCEPÇÕES
8 – A ESTRUTURA DA ESPIRITUALIDADE
8.1 – FALSOS PRAZERES
9 – UMA SÚPLICA DE AJUDA
9.1 – EM MEMÓRIA DO CABALISTA RABINO BARUCH ASHLAG
10 – COMBATER O DESEJO DE AUTOGRATIFICAÇÃO
11 – MOVIMENTO E DESENVOLVIMENTO INTERNOS
(…) continuação
11.1 – AVANÇANDO PARA O PRAZER ALTRUÍSTA
(…) continuação
(…) continuação
12 – ERRADICANDO O EGOÍSMO
(…) continuação
12.1 – A BUSCA DO CRIADOR
13 – O CAMINHO DA CABALA
13.1 – O DESEJO DE RECEBER PRAZER
14 – REVELAÇÃO E OCULTAÇÃO
14.1 – TRANSFORMANDO O EGOÍSMO EM ALTRUÍSMO
15 – CORREÇÃO ESPIRITUAL GRADUAL
16-QUALIDADES INTERNAS E ASPECTOS EXTERNOS
16.1 – NÍVEIS ESPIRITUAIS
16.2 – QUATRO PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS
16.2.1 – PERSPECTIVA RELIGIOSA
16.2.2 – PERSPECTIVA DUALISTA
16.2.3 – PERSPECTIVA DO NÃO CRENTE
16.2.4 – PERSPECTIVA MODERNA
17-FUNDIR-SE COM O CRIADOR
(…) continuação
17.1 – AS QUATRO ETAPAS ESPIRITUAIS
17.2 – FASES DA REVELAÇÃO
18 – O MAGO ONIPOTENTE QUE NÃO CONSEGUIA FICAR SOZINHO
18.1 – CONCLUSÃO
19 – NÍVEIS ESPIRITUAIS
(…) continuação
20 – O RETORNO AO CRIADOR
20.1 – O CAMINHO DA CABALA
21 – CORRIGINDO O EGOISMO
21.1 – O ANSEIO POR QUALIDADES ESPIRITUAIS
(…) continuação
22 – DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL
(…) continuação
(…) continuação
23 – TRABALHO ESPIRITUAL
(…) continuação
24 – FÉ
25 – O PROCESSO DE SE ACOPLAR AO CRIADOR
26 – O CONHECIMENTO DO MUNDO ESPIRITUAL
26.1 – CAPTANDO NÍVEIS ESPIRITUAIS SUPERIORES

MICHAEL LAITMAN
CABALA

ALCANÇANDO MUNDOS SUPERIORES

UM GUIA PARA A DESCOBERTA ESPIRITUAL

TRADUÇÃO SANDRA MARTHA DOLINSKY

Nota ao leitor: A palavra “kabbalah, em hebraico, deriva do verbo “lekabbel” (receber). Considera-se apropriado utilizar o vocáculo cabalá por julgar-se que este som articulado é o que mais se assemelha a sua origem semântica, tal como indica o respeitado lingüista argentino Lázaro Schallman, em sua obra Diccionario de Hebraísmos y Voces Afines, publicado por Editorial Israel de Buenos Aires, na qual diz: “ Academia Espanhola torna indevidamente proparoxítona esta palavra (cabala), que em hebraico é oxítona”.

Está além da compreensão humana entender a essência de qualidade espirituais como o altruísmo e o amor totais.

E assim é pela simples razão de que os seres humanos não conseguem compreender como é que tais sentimentos existem.

É como se cada um precisasse de um incentivo, para realizar qualquer ato.

Sem algum tipo de benefício pessoal, as pessoas não estão preparadas para fazer um grande esforço.

É por isso que uma qualidade como o altruísmo somente pode nos ser dada pelos mundos superiores, e apenas aqueles que a experimentaram podem entendê-la

Dr. Michael Laitman

INTRODUÇÃO

Se escutares com teu coração uma famosa pergunta, tenho certeza de que todas as tuas dúvidas sobre dever estudar a Cabala desparecerão sem deixar rastro.

Essa pergunta amarga e jsuta, todos os que nascem nesta Terra se fazem: qual é o propósito da vida?

Rabino Yehuda Ashlag

Introdução ao Talmud Esser Sefirot

                Entre todos os textos e anotações que foram utilizados por meu rabino, Baruch Shalom Halevi Ashlag, havia um caderno em particular que ele sempre levava consigo. Este continha todas as transcrições de suas conversas com seu pai, o rabino yehuda Leib Halevi Ashlag, cabaistas e rabino de Jerusalém, autor de 21 volumes do comentário sobre o Zohar (“O livro do Esplendor”), de seis volumes de comentários sobre os textos do cabalista Ari e de muitas outras obras sobre a Cabala.

                Em setembro de 1991, no ano novo judaico, não se sentindo bem, meu rabino me ligou tarde da noite para que eu fosse a seu leito de enfermo. Deu-me seu caderno e disse-me: “Tome e estude-o”. Na manhã seguinte faleceu em meus braços, deixando-me, e a muitos outros de seus discípulos, sem um guia neste mundo.

                Ele costuma dizer: “Quero ensinar-lhe a se dirigir ao Criado, em vez de se dirigir a mim, porque Ele é a única força, a única fonte de tudo o que existe, o único que realmente pode auxilia-lo e quem espera suas súplicas de ajuda. Somente o Criador pode oferecer-lhe o apoio na busca da fórmula para se libertar do cativeiro deste mundo, a ajuda para elevar-se acima dele, a ajuda na descoberta de seu ser e na determinação do propósito de sua vida. O Criador é quem lhe envia todas essas aspirações, com o objetivo de obrigá-lo a se dirigir a Ele”.

                Neste livro, tento transmitir alguns conceitos de suas anotações – do modo como os percebi. É impossível relatar por completo o que está escrito lá, mas apenas o que se interpreta depois de sua leitura, devido ao fato de cada um de nós estar limitado pelas qualidades de sua própria alma. Portanto, a interpretação reflete as percepções da alma de cada um no processo de interação com a luz suprema.

Tomara que os pensamentos do rabino Yehuda Ashlag penetrem este mundo, por meio das palavras de seu filho mais velho, meu rabino, tomara que ajudem a todos nós a nos unirmos ao Criador no transcurso de nossa vidas aqui, neste mundo!

Rabino Dr. Michael Laitman

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COMO LER O LIVRO

                A necessidade deste livro tornou-se envidente para mim, devido às perguntas de meus alunos em várias conferências que realizo, às perguntas dos ouvintes dos meus programas de rádio e às muitas cartas que continuam chegando de todas as partes do mundo.

                A dificuldade de explicar, e ensinar, a Cabala reside no fato de que o mundo espiritual não tem nenhum equivalente no nosso. Mesmo quando o objeto de nossos estudos está claro, nossa compreensão dele é apenas temporária. O que aprendemos é captado por meio do componente espiritual de nossa capacidade de entender, a qual se renova constantemente a partir do Divino.

                Portanto, um tema que entendemos de início pode, depois de algum tempo, parecer confuso. Dependendo de nosso estado de ânimo e de nosso estado espiritual, o texto pode parecer repleto de um profundo significado ou completamente sem sentido.

                Não se desespere se o que foi tão claro ontem se tornar muito confuso hoje. Não se rena, se o texto parecer vago, estranho ou ilógico. Não estudamos a Cabala com o propósito de adquirir conhecimentos teóricos, mas para que ela nos ajude a ver e a perceber o que está oculto de nós.

                Depois de ter contemplado e adquirido a força espiritual, começamos a ver e a perceber; em seguida, nossa capacidade de alcançar as luzes e os níveis espirituais resultantes nos trará o verdadeiro conhecimento.

                Enquanto não pudermos compreender a luz superior e perceber o que isso significa para nós, não entenderemos como o universo foi construído e como funciona, pois não existe analogias para esses conceitos em nosso mundo.

                Este texto pode ajudar a facilitar nossos primeiros passos para a percepção das forças espirituais.  Em etapas posteriores, somente seremos capazes de progredir com a ajuda de um mestre.

                Este livro não deve ser lido de uma maneira comum. Temos que nos concentrar em um parágrafo, pensar nele e tentar compreender os exemplos que refletem os temas discutidos, pra, depois, aplicá-lo à nossa experiência pessoal.

                Devemos ler e pensar, paciente e repetidamente, cada frase, enquanto tentamos penetrar os sentimentos do autor. Também temos que ler detidamente, procurando extrair os matizes do escrito e, se necessário, retornar ao começo de cada oração.

                Este método pode ajudar a nos aprofundar no material de estudo – conforme nosso próprios sentimentos -, ou a perceber que carecemos desses sentimentos em relação ao assunto. A ausência de tais sentimentos constitui um pré-requisito crucial para que avancemos espiritualmente.

                Este texto não foi escrito para um leitura rápida. Apesar de abordar um único tema – “como nos relacionarmos com o Criador” -, ele é enfocado de diversas maneiras, o que permite que cada um de nós encontre a frase ou a palavra específica que nos conduzirá ao se âmago.

                Embora as ações e os desejos do egoísmo estejam descritos em terceira pessoa, até que possamos separar nossa consciência pessoal de nossos desejos, devemos considerar as aspirações e os desejos do egoísmo como próprios. A palavra corpo, no texto, não se refere ao ser físico, mas ao egoísmo, isto é, ao desejo de receber.

                Para obter o maior proveito deste material, recomendo a leitura dos mesmos parágrafos em diversos horários e em diferentes estados de ânimo. Ao fazê-lo, o leitor poderá familiarizar-se melhor com suas reações e atitudes em relação ao próprio texto em diferentes ocasiões.

                Discordar do material é sempre positivo, como o é estar de acordo com ele. O aspecto mais importante da leitura é a reação que gerar em cada um. Um sentimento de desacordo indica que se atingiu a etapa preliminar da compreensão (“ahoraim”, a parte posterior), que constitui uma preparação para a etapa seguinte, a da percepção (“panim”, face).

                É justamente por meio desta leitura, lenta e signficativa, que poderemos desenvolver sentimentos, ou recipientes (“kelim”). Este são necessários para recebermos as sensações espirituais. Uma vez os vasos, ou recipientes, estando em seu lugar, a luz superior poderá os penetrar. Antes disso, ela simplesmente existe ao nosso redor, circundando nossas almas, embora não a possamos perceber.

                Este texto não foi escrito para aumentar conhecimento. A intenção também não é que seja memorizado. De fato, nunca devemos nos pôr à prova sobre o material de estudo. É ainda melhor, se nos esquecermos por completo do conteúdo, de modo que a segunda leitura pareça fresca e completamente desconhecida. Esquecer o material significa que as sensações anteriores foram captadas e que agora diminuíram, mas deixaram espaço a ser preenchido por novas sensações, ainda não experimentadas.

                O processo de desenvolvimento de novos órgão sensoriais é constantemente renovado e acumulado na esfera espiritual não percebida de nossas almas. O aspecto mais importante de nossa leitura é a maneira como nos sentimos em relação ao material enquanto o lemos, e não depois. Tendo sido esses sentimentos experimentados, eles se revelam dentro do coração e da mente, e se manifestam, quando forem necessários no processo de desenvolvimento da alma.

                Em vez de nos apressarmos para concluir a leitura, é recomendável que nos concentremos nas partes do texto que mais nos atraem. Somente então ele poderá nos ajudar e nos guiar em nossa busca pela ascensão espiritual pessoal.

                O objetivo é nos ajudar a criar em nós mesmos o interesse pelos mistérios da vida, tais como: porque nascemos neste mundo? Como, daqui, podemos entrar nos mundo espirituais? Poderemos entender o propósito da Criação? É possível perceber o Criador, a eternidde e a imortalidade? Como podemos começar a crescer espiritualmente?

                “Se escutares com teu coração uma famosa pergunta, tenho certeza de que todas as tuas dúvidas sobre dever estudar a Cabala desaparecerão sem deixar rastro. Essa pergunta amarga e justa, todos os que nascem nesta Terra se fazem: qual é o propósito da vida?”, disse o rabino Yehuda Ashlag.

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1 – PERCEBER O CRIADOR

                Gerações vêm e vão, mas cada uma delas e cada indivíduo se fazem a mesma pergunta acerca do propósito da vida. Isso acontece em especial em especial nos tempos de guerra, de sofrimento global, e durante períodos de desgraça pelos quais cada um de nós passa em algum momento da vida.

                Qual é o propósito da vida que tanto valorizamos? E a ausência de sofrimento, não deveria ela ser considerada felicidade?

                No Talmud, em “Eticas dos Pais”, está escrito: “Contra tua vontade nasces, contra tua vontade vives e contra tua vontade morrerás”. Cada  geração teve sua parcela de desgraça. Alguns de nós vivemos durante os tempos da Depressão, de guerras e de turbulências de pós-guerras. Mas vejo minha geração cheia de problemas e sofrimento, incapaz de se assentar e incapaz de se encontrar.

                Nessa atmosfera, a pergunta relativa ao significado de nossa vida ressalta com especial clareza. Às vezes, parece que a vida é mais difícil que a própria morte: portanto, não é de surpreender que em “Éticas dos Pais” se afirme: “Contra tua vontade vives”.

                A natureza nos criou, e somos forçados a existir com as qualidades que nos foram impostas. É como se fôssemos tão somente seres semi-inteligentes: inteligentes apenas na medida em que estamos conscientes de que nossas ações são determinadas por nossas características e qualidades inerentes, e às quais não nos podemos opor. Se estamos à mercê da natureza, então é impossível predizer para onde essa força indômita e irracional vai nos levar

                Nossa natureza é responsável por gerar constantemente conflitos entre indivíduos e nações inteiras, que, como animais selvagens, se envolvem em uma luta feroz de instintos. Porém, no inconsciente, não podemos aceitar esse tipo de comparação entre os homens, nós, e os animais primitivos.

                Mas se a força divina que nos criou realmente existe, então, por que não a percebemos? Por que se oculta de nós? Se soubéssemos o que nos exige, com certeza não teríamos cometido erros em nossas vidas, e pelos quais somos castigados com sofrimento! Quão mais fácil seria a vida se o Criador não se houvesse ocultado dos seres humanos, se fosse claramente percebido e visto por todos e cada um de nós!

                Não teríamos, então, nenhuma dúvida de Sua existência. Poderíamos observar os efeitos de Sua Providência sobre o mundo que nos cerca, conheceríamos a causa e o propósito de nossa criação. Veríamos claramente as conseqüências de nossos atos e Sua resposta a eles. Poderíamos discutir todos os nossos problemas em um diálogo com Ele; pedir Sua ajuda; buscar Sua proteção e conselhos; mostrar-lhe nossas aflições e pedir-lhe que nos explique por que nos trata dessa maneira.

                Por fim, Lhe pediríamos conselhos sobre o futuro; e estaríamos em contato com Ele constantemente, corrigindo a nós mesmos de acordo com Suas recomendações. E, ao final, Ele estaria satisfeito e nós também.

                Assim como uma criatura está consciente de quem é sua mãe desde o momento de seu nascimento, do mesmo modo estaríamos conscientes do Criador. Aprenderíamos a maneira correta de viver pela observação de Suas reações a nossos atos e até mesmo a nossas intenções. Perceberíamos o Criador ta próximo quanto uma mãe, pois o veríamos como a fonte de nosso nascimento, como nosso progenitor e como a causa de nossa existência e de toda a existência futura.

                Se assim fosse, não teríamos nenhuma necessidade de governos, escolas ou educadores. A existência de todas as nações seria essencialmente centrada em uma maravilhosa e simples coexistência para uma causa comum e evidente a todos: nossa unificação espiritual com o abertamente visível e percebido Criador.

                Os atos de todos seriam guiados por claras leis espirituais chamadas mandamentos. Todos as obedeceriam, pois seria óbvio que não o fazer significaria infligir danos a si mesmos, o equivalente a saltar em uma fogueira ou de um precipício.

                Se pudéssemos perceber claramente o Criador e Sua providência, não haveria nenhuma dificuldade para realizar as mais duras tarefas, visto que o benefício pessoal dela derivado seria evidente. Equivaleria a entregar todos os nossos pertences a um estranho, sem pensar duas vezes no presente ou no futuro. Além do mais, isso não seria absolutamente nenhum problema, pois o conhecimento do divino domínio nos permitiria ver as vantagens de agir desinteressadamente. Saberíamos que estamos nas mãos do benévolo e eterno Criador.

                Apenas imaginem quão natural seria (e também quão antinatural e impossível é, no atual estado de divina ocultação) nos entregarmos completamente ao Criador, render-lhe todos os nossos pensamentos e desejos, sem reservas, e sermos o que ele quiser que sejamos.

                Não teríamos a menor preocupação por nós mesmos, e estaríamos completamente livres de pensamentos pessoas. De fato, deixaríamos de estar conscientes de nós mesmos e transferiríamos todos os nossos sentimentos para Ele, tentando nos aproximar d’Ele e vivendo conforme Seus pensamentos e Sua vontade.

                Disso tudo, deve ficar claro que o único elemento faltante em nosso mundo é nossa percepção do Criador.

                A conquista de tal percepção deveria ser nosso único propósito neste mundo. É o único objetivo pelo qual não devemos poupar esforços, pois somente a percepção do Criador permite ao indivíduo receber ajuda, salvando-o das calamidade desta vida e da morte espiritual, concedendo-lhe a imortalidade espiritual, sem que haja a necessidade de retornar a este mundo.

                O método de busca de nossa percepção do Criador é conhecido como Cabala. Nossa percepção do Criador é chamada . Porém, de maneira equivocada, com freqüência acreditamos que a fé implica tatear na escuridão, sem ver, nem perceber o Criador.

                Na realidade, a fé significa exatamente o contrário. Segundo a Cabala, a luz do Criador que cumula a pessoa, a luz da conexão com o Criador, a luz que dá a sensação de unificação com ele (“Ohr Hassadim”), é conhecida como a luz da fé, ou simplesmente fé.

                A fé, a luz do Criador, nos dá a sensação de estarmos ligados ao eterno, nos dá uma compreensão do Criador, uma sensação de comunicação completa com Ele, assim como uma sensação de segurança absoluta, imortalidade, grandeza e força. Torna-se evidente que a libertação de nossa existência temporal e de nossos sofrimento – causado pela inútil perseguição de prazeres transitórios – depende somente de alcançar a fé, o que é equivalente a perceber o Criador.

                Em geral, a única causa de nossos infortúnios e da natureza desvalorizada em temporal de nossas vidas é nosso fracasso em perceber o Criador. A Cabala nos impulsiona para Ele, ensinando-nos: “Experimenta, e verás que o Criador é bondoso”.

                O objetivo deste texto é guiá-lo pelas etapas iniciais do caminho da percepção do Criador.

        1.1 – JANELA PARA O CORAÇÃO

             É evidente que, desde a criação do mundo, a humanidade tem sofrido tormentos e dor de tal magnitude que, com freqüência, têm sido piores que a própria morte. Quem, então, senão o Criador, é a origem de todo os sofrimentos?

                No decorrer da história, quantos indivíduos estiveram disposto a sofrer e a suportar dor, para alcançar a sabedoria superior e conquistar a elevação espiritual? Quantos deles se submeteram voluntariamente às agonias insuportável pelo bem de encontrar pelo menos uma gota de percepção e entendimento espirituais da força superior, em favor da unificação com o Criador e para Seu servidor?

                Apesar de tudo, a maioria dos homens continuou vivendo suas vidas, sem nunca ter recebido resposta alguma, e sem nenhuma conquista visível. Foram-se deste mundo sem nada, assim como vieram para ele.

                Por que o Criador ignorou suas orações? Por que Ele se afastou deles e fez vista grossa a seus sofrimentos?

                Todos esses seres humanos percebera, inconscientemente, que há um propósito sublime no Universo e em cada acontecimento que ocorre, que se chama gota de unificação do individuo com o Criador.

                De fato, apesar de estarem imersos no egoísmo e em seus tormentos insuportáveis, quando experimentaram a rejeição do Criador, imediatamente sentiram que uma janela que até então estivera fechada para a Verdade se abria em seus corações. Até esse momento, estes haviam sido incapazes de sentir algo além de sua própria dor e desejo.

                Essa janela revelou que eram considerados dignos de experimentar e de sentir a tão sonhada gota de unificação, penetrando em cada coração por meio de suas paredes quebradas. Assim, toda as suas qualidades foram transformadas no sentido contrário, para se assemelharem às qualidades do Criador.

                Só então os homens perceberam que a unidade com Ele poderia ser alcançada na profundidade de seu sofrimento. Só então foram capazes de perceber o estado de ser uno com o Criador, posto que sua presença estava ali, assim como a gota de unificação com Ele. No momento de experimentar essa compreensão, ela se tornou evidente e cumulou as feridas dessas pessoas.

                Justamente por meio de tais feridas de percepção e de conhecimento, e devido às terríveis contradições que atormentavam as almas dessas pessoas, o próprio Criador preencheu-as com uma ilimitada felicidade, maravilhosa, a ponto de nada mais perfeito poder ser imaginado. Tudo isso foi dado somente para fazê-las sentir que sua agonia e seu sofrimento valeram a pena. Isso era necessário, para que experimentassem a perfeição suprema.

                Tendo chegado a esse estado, cada célula de seus corpos os convenceu de que qualquer um em nosso mundo estaria disposto a passar tormentos inimagináveis, a fim de sentir, embora fosse uma vez na vida, a felicidade de estar unido ao Criador.

                Por que, então, o Criador guarda silêncio mediante as súplicas de alívio dos seres humanos?

                Isso pode ser explicado pelo fato de que as pessoas estão muito mais preocupadas com seu próprio progresso do que com a glória ao Criador. Portanto, suas lágrimas estão vazias, e elas se vão deste mundo como chegaram, sem nada. O destino final de cada animal é a extinção, e as pessoas que não perceberam o Criador são como os animais. Por outro lado, se uma pessoa se preocupa em glorificá-lo, Ele se lhe revelará.

                As gotas de unificação – isto é, o propósito da Criação – fluem para o interior dos corações de quem se dedica à glorificação e ao amor pelo Criador. Penetram quem, em vez de se queixar da injustiça do Divino Domínio, tem absoluta certeza – no fundo de seu coração – de que tudo o que o Criador fez é pelo seu bem.

                O mundo espiritual não pode ser dividido em partes separadas; podemos compreender o todo apenas de maneira gradual, até que o compreendamos por completo.

                Portanto, o êxito de nossos esforços espirituais depende da pureza de nossos anseios. A luz espiritual flui somente dentro das partes de nossos corações que foram purificadas do egoísmo. Quando olhamos objetivamente a natureza de nossa existência e tudo o que nos rodeia, podemos apreciar com mais detalhes a maravilha da Criação.

                De acordo com os cabalistas, que se comunicam diretamente com o Criador, Sua existência tem importantes conseqüências para nós. Se de fato o Criador existe, e se Ele gera todas as circunstâncias que afetam nossas vidas, então não existe nada mais lógico que tentar manter o mais estreito contato possível com Ele.

                Porém, se tentássemos arduamente e conseguíssemos manter esse contato, sentir-nos-íamos como que suspensos no ar, sem nenhum suporte, visto que o Criador está oculto de nossa percepção. Sem ver, nem sentir, nem ouvir ou sequer receber alguma entrada sensorial, ver-nos-íamos envolvidos em um esforço unidirecional, gritando no espaço vazio.

                Então, por que o Criador nos fez de tal forma, impossível percebê-lo? E, mais ainda, por que se oculta de nós? Por que, até mesmo quando suplicamos, Ele não aparece para responder, preferindo, pelo contrário, nos afetar, ocultando-se de nós por trás da natureza e de nosso entorno?

                Se Seu desejo fosse nos corrigir, isto é, corrigir Seus próprios “erros” na Criação, Ele já o teria feito há muito tempo, direta ou indiretamente, Se Ele se revelasse, todos o teríamos visto e apreciado no grau permitido por nossos sentidos e inteligência, com os quais Ele nos criou. Com certeza, então, poderíamos saber o que fazer e como agir neste mundo, que foi supostamente criado para nós.

                Além disso, paradoxalmente, assim que nos esforçamos por alcançar o Criador, percebê-lo, para nos aproximarmos d’Ele, sentimos que nosso anseio por Ele se desvanece e desaparece. Mas, se o Criador dirige todas as nossas sensações, por que então priva desse anseio quem tem o desejo de percebê-lo? E não só isso, por que também põe todo tipo de obstáculo possível em nosso caminho?

                Às vezes, é provável que até sintamos que o orgulho e a arrogância dos quais dizem que devemos nos desfazer são infinitamente mais característicos do Criador! Afinal de contas, se o Criador é compassivo, especialmente para com os que o buscam, por que não recebemos nenhuma resposta a nossas lágrimas e súplicas?

                Se pudéssemos trocar algo em nossas vidas, significaria que ele nos teria dado o livre arbítrio para fazê-lo. Mas Ele não nos dotou de suficiente conhecimento para evitar o sofrimento que acompanha nossa existência e desenvolvimento espiritual.

                Por outro lado, se não há livre arbítrio, o que pode ser mais difícil que nos fazer sofrer de maneira insensata por anos no mundo cruel que Ele criou? Certamente, tais agravos são infinitos. E se o Criador é a causa de nossa condição, então temos muito motivo para criticá-lo e culpá-lo, o que fazemos quando experimentamos dor e sofrimento.

                O Criador vê tudo o que ocorre em nossos corações.

                Quando estamos descontentes com algo, o sentimento de insatisfação pode ser interpretado culpando o Criador, mesmo se a culpa não for diretamente dirigida a Ele, ou até mesmo se não acreditarmos em Sua existência.

                Cada um de nós esta certo ao sustentar qualquer crença, seja ela qual for, na condição em que se encontrar. Isso se deve ao foto de que apoiamos somente o que sentimos como verdade nesse momento, assim como também o que analisamos com nossas próprias mentes.

                Porém, aqueles que têm uma vasta experiência de vida sabem de que maneira podem mudar drasticamente seus pontos de vista ao longo dos anos. Não se pode dizer que antes a pessoa estava errada, mas que então esta certa; é importante perceber que é possível que se  comprove que um ponto de vista de hoje seja equivocado amanhã. Portanto, as conclusões derivadas de qualquer situação são corretas para tal situação especificamente; e mais, pode ser que sejam diretamente contrárias às conclusões obtidas em outras circunstâncias.

                 Da mesma maneira, não podemos avaliar ou julgar outros mundos, ou suas leis, baseando-nos em nosso próprio critério atual: o de nosso mundo. Não possuímos inteligência ou percepção sobrenatural, e erramos constantemente, mesmo dentro dos limites de nosso próprio mundo.

                Somente quem possui os requisitos e qualidades sobrenaturais pode formular juízos corretos referentes ao que existe acima e além do natural. Aquele que possui ambas as qualidades, as sobrenaturais e as nossas, pode descrever mais de perto o sobrenatural. Tal pessoa só pode ser um cabalista: pessoa do nosso mundo, criada com as mesmas qualidades de cada um de nós, mas também dotada de outras qualidades pelo Alto, as quais lhe permitem descrever o que ocorre nos demais mundos.

                 Essas é a razão pela qual o Criador permitiu que certos cabalistas revelassem seu conhecimento a um vasto número de pessoas na sociedade, para que as possam ajudar a se comunicar com Ele. Em uma linguagem compreensível para nós, os cabaistas explicam que a estrutura e a função do raciocínio no espiritual, nos mundos divinos, estão baseados em leis diferentes e opostas, em sua natureza, às nossas.

1.2 – FÉ ACIMA DA RAZÃO

                Não existe um limite que separe nosso mundo do divino, do mundo espiritual. Mas, devido ao fato de o mundo espiritual, de acordo com suas características, ser um antimundo, ele está situado tão longe de nossa percepção que, a partir do momento em que chegamos a ele, esquecemos completamente tudo acerca de nossa anticondição passada.

             Naturalmente, a única maneira de os seres humanos perceberem esse antimundo é adquirindo sua essência, seu raciocínio e suas qualidades. Como deveríamos alterar nossa natureza presente, a fim de adquirir uma completamente contrária?

                A lei básica do mundo espiritual resume-se em duas palavras: altruísmo absoluto.

                Como podemos adquirir essa qualidade? Os cabalistas surgerem que experimentemos uma transformação dentro de nós mesmos. Somente por meio desse ato interno poderemos perceber o mundo espiritual e começar a viver em ambos os mundos simultaneamente.

                Esse ato é chamado de fé acima da razão. O mundo espiritual é altruísta. Cada desejo e cada ação que existem nesse reino não são ditados pela razão humana ou pelo egoísmo, mas sim pela fé; isto é, pela percepção do Criador.

                Se o bom senso fosse uma ferramenta vital para nossas ações, então pareceria que não somos capazes de nos libertar completamente de nosso próprio intelecto. Porém, dado que este não revela como escapar das circunstâncias que o Criador colocou diante de nós de uma forma oculta, não nos ajudará a resolver nossos problemas. Pelo contrário, permanecemos flutuando sem apoio e sem respostas lógicas para o que nos acontece.

                Em nosso mundo, somos guiados apenas por nossos próprios raciocínios. Em tudo o que fazemos, a razão – o cálculo “razoável” puramente egoísta – é a base de todos os nosso desejos e ações. Nossa razão calcula a quantidade de prazer que esperamos experimentar e a compara com a quantidade de dor requerida para conquistar esse prazer. Então, subtraímos um do outro para calcular o custo e depois decidir se lutamos pelo prazer ou escolhemos a tranqüilidade. Tal abordagem “razoável” do nosso entorno é chamada fé dentro da razão. Nesse caso, nossa razão determina quanta fé utilizamos.

                Com freqüência, agimos sem nenhum cálculo do benefício ou custo do esforço, como no caso do fanatismo ou do comportamento condicionado. Tais atos “cegos” são chamados atos de fé abaixo da razão, visto que são determinados por decisões posteriores, tomadas cegamente por outros, em vez de responder à nossa razão ou ao nosso cálculo próprios.

                Nossas ações também podem ser ditadas por nossa formação, a qual se tornou uma segunda natureza a tal ponto que devemos fazer um esforço para não agir mecanicamente, pela força do hábito.

                Para fazer a transição de viver de acordo com as leis de nosso mundo a viver conforme as leis do mundo espiritual devemos atender certas condições.

                Em primeiro lugar, temos que destacar por completo os argumentos da razão e renunciar ao uso de nosso intelecto para determinar nossas ações. E, como se estivéssemos suspensos no ar, devemos tentar nos aferrar ao Criador com ambas as mãos, permitindo-lhe, e somente a Ele, determinar nossas ações. Em sentido figurado, devemos substituir nossa própria mente pela do Criador, e agir de maneira contrária a nossa própria mente pela do Criador, e agir de maneira contrária a nossa própria razão. Devemos colocar a Vontade Dele acima da nossa. Quando formos capazes disso, nosso comportamento representará a fé acima da razão.

                Em segundo lugar, tendo completado essa etapa, poderemos perceber ambos os mundos: o nosso e o espiritual. Como conseqüências, descobriremos que ambos os mundos funcionam conforme a mesma lei espiritual da fé acima da razão.

                A vontade de suprimir nossa própria razão e de sermos guiados apenas pelo desejo de nos entregarmos ao Criador forma o recipiente espiritual no qual recebemos todo nosso entendimento espiritual. A capacidade desse recipiente, isto é, a capacidade de nossa razão espiritual é determinada pela quantidade de razão terrena egoísta que estamos tentando suprimir.

                Com o propósito de aumentar a capacidade de nossos recipientes espirituais, o Criador põe obstáculos paulatinamente maiores em nosso caminho espiritual fortalecendo nossos desejos egoístas, assim como nossas dúvidas relativas ao Domínio do Criador. Estes, por outro lado, permitem-nos superar gradualmente os obstáculos e desenvolver desejos altruístas mais fortes. Desta maneira, o Criador oferece-nos a oportunidade de aumentar a capacidade de nossos vasos ou recipientes espirituais.

                Se pudéssemos mentalmente pegar o Criador com ambas as mãos (isto é, ignorar o enfoque crítico da razão humana e regozijarmo-nos com o fato de tal oportunidade ter-se apresentado), e se pudéssemos enfrentar essa condição, mesmo que por um instante, veríamos quão maravilhoso é o estado espiritual. Tal estado pode ser alcançado somente quando conquistamos a Verdade eterna.

                Essa Verdade não será alterada amanhã, como foi o caso de todas as crenças anteriores, porque estamos unidos ao Criador e podemos ver todos os acontecimentos pelo prisma da Verdade eterna.

                O progresso somente é possível ao longo de três linhas simultâneas e paralelas. A linha direita é a da fé; a esquerda e a do conhecimento e da compreensão. Estas duas linhas nunca divergem, visto que são opostas uma da outra. Portanto, a única maneira de balanceá-las é por meio de uma linha central, que consiste em ambas as linhas, direita e esquerda, ao mesmo tempo. Essa linha central tem conota o comportamento espiritual, em que a razão é utilizada de acordo com o grau de fé de cada um.

                Todos os objetivos espirituais, seguindo a ordem da qual emergiram do Criador, estão distribuídos em camadas que circundam a Ele e forma de espiral. Tudo no Universo, dividido em camadas ao redor do Criador, existe somente em relação às criações, e tudo é produto do ser original criado, chamado “Malhut”. Isto é, todos os mundos e todos os seres criador, com exceção do Criador, são uma única entidade de “Malhut”, que significa a raiz ou a fonte original de todos os seres. Eventualmente, “Malhut” é fragmentado em muitas pequenas partes.

                O total dos componentes de “Malhut” é conhecido como “Shekinah”. A luz do Criador, Sua Presença e o recheio Divino da “Shekinah” são conhecidos como “Shohen”. O tempo requerido para preencher totalmente todas as partes de “Shekinah” chama-se tempo da correção. Durante esse período, os seres criados implementam correções internas em suas respectivas partes de “Malhut”. Cada ser corrige a parte da qual foi criado, isto é, corrige sua própria alma.

                Até o momento em que o Criador possa fundir-se por completo com os seres criados, revelando-se inteiramente a eles, ou, em outras palavras, até que o “Shohen” possas prencher a “Shekinah”, a condição da “Shekinah” (a raiz das almas) é conhecida como o Exílio da Shekinah do Criador (“Galut Hashekinah”). Nessa situação, não há perfeição nos Mundos Superiores.

                Também em nosso mundo, o mais baixo e todos, cada ser deve perceber totalmente o Criador. Mas a maior parte do tempo estamos ocupados em satisfazer nossos triviais desejos pessoais, característicos deste mundo, além de seguir cegamente o que o corpo demanda.

                Há uma condição da alma chamada Shekinah no pó, ou seja, quando os prazeres espirituais puros são considerados supérfluos e absurdos. Também é descrita como o Sofrimento da Shekinah. Todo sofrimento humano provém do fato de estarmos obrigados pelo Alto a rejeitar completamente todo o bom senso e a proceder cegamente, colocando a fé acima da razão.

                Assim, quanto mais razão e conhecimento tivermos, e quanto mais fortes e inteligentes formos, mais difícil nos será seguir o caminho da fé.

                 Por conseguinte, ao tentar rejeitar nosso bom senso, aumentamos nosso sofrimento.

                Que tenha escolhido o caminho do desenvolvimento espiritual, tal como foi descrito anteriormente, não pode estar de acordo com o Criador. Em nossos corações, condenamos a necessidade de tal caminho; portando, temos dificuldade de justificar os métodos do Criador. Porém, não podemos manter essa condição por um período prolongado, a menos que o Criador decida nos ajudar, e nos revele o quadro completo da Criação.

                Quando sentirmos que estamos em um estado espiritual elevado, e que todos os nossos desejos estão concentrados somente no Criador, estaremos prontos para submergir nos textos apropriados da Cabala, e estaremos aptos a tentar compreender seu significado interno. Embora sintamos que não entendemos nada, apesar de nosso empenho, devemos continuar recorrendo ao estudo da Cabala mais e mais vezes, e não nos desesperarmos, se não conseguirmos compreender o assunto.

                De que maneira podemos nos beneficiar com esses esforços? De fato, nossos esforços em compreender os mistérios da Cabala são equivalentes a nossas orações, nas quais pedimos ao Criador que se nos revele. Esse anseio de vínculo é fortalecido quando procuramos entender os conceitos da Cabala.

                A força de nossas súplicas é determinada pela força de nosso anseio. Em geral quando investimos esforço para conseguir algo, nosso desejo de alcançá-lo aumenta. A força de nosso desejo pode ser julgada por quanto sofrimento sentimos diante da ausência do objeto desejado. O sofrimento, não expresso em palavras, mas sentido somente no coração, é em si mesmo uma súplica.

                Com base nisso, podemos reconhecer que somente depois de árduos e infrutíferos esforços para conseguir o que desejamos poderemos rezar de maneira tão sincera que o receberemos.

                Se, durante as tentativas realizadas de submergir nos textos, nossos corações ainda não estiverem completamente livres de pensamentos extrínsecos, então nossas mentes não serão capazes de se dedicarem exclusivamente ao estudo, posto que a mente obedece ao coração.

                Para que o Criador aceite nossas orações, elas devem vir do mais profundo de nossos corações. Isto é, todos os nossos desejos devem estar concentrados nessa oração. Por essa razão, devemos mergulhar no texto centenas de vezes, mesmo sem o entender. O propósito é alcançar o verdadeiro desejo de cada um: ser ouvido pelo Criador.

                Um desejo verdadeiro não deixa espaço para nenhum outro. Enquanto estudarmos a Cabala, examinaremos as ações do Criador e, deste modo, poderemos avançar em direção a Ele. Então, gradualmente, chegaremos a ser dignos de compreender o que estudamos.

                A fé, ou consciência do Criador, deve ser tal que nos permite sentir que estamos diante da presença do Rei do Universo. Então, sem dúvida, ficaremos saciados com os sentimentos necessários de amor e medo.

                Até atingirmos esse grau de fé, devemos constantemente lutar por isso. Somente a fé nos permitirá gozar de uma vida espiritual e evitar que mergulhemos nas profundidades do egoísmo, tornando-nos uma vez mais buscadores de prazer.

                Nossa necessidade de perceber o Criador deve ser cultivada até estar permanentemente entrincheirada e nosso ser. Deve assemelhar-se a uma atração permanente a um ser amado, sem o qual a vida parece insuportável.

                Tudo o que cerca os seres humanos entorpece deliberadamente a necessidade do conhecimento divino, visto que sentir prazer com qualquer coisa externa reduz imediatamente a dor do vazio espiritual. Portanto, enquanto gozamos dos prazeres deste mundo, é fundamental que não lhes permitamos fazer com que desapareça nossas necessidade de perceber o Criador, visto que esses prazeres nos arrebatam as sensações espirituais.

                O desejo de perceber o Criador é uma característica própria dos seres humanos. Porém, esta não é o caso de todos os seres humanos. Esse desejo provém da necessidade de entender o que somos, de compreender a nós mesmos, nossos propósito no mundo e nossa origem. É a busca de respostas sobre nós mesmos que nos impulsiona a buscar a fonte da vida.

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2 – O CAMINHO ESPIRITUAL

Há duas linhas que revelam a influência do Criador sobre suas criações. A linha direita representa a Sua Providência pessoal sobre cada um de nós, independente de nossas ações. A linha esquerda representa a Providência sobre cada um de nós, dependendo de nossas ações; representa o castigo pelas más ações e a recompensa pelas boas.

Quando escolhemos certo tempo para avançar ao longo da linha direita, devemos dizer a nós mesmos que tudo o que ocorre no mundo acontece apenas por que o Criador assim o deseja. Tudo transcorre de acordo com Seu plano e nada depende de nós. Sob esse ponto de vista, não temos culpa nem méritos. Nossas ações são determinadas pelos ideais que recebemos do exterior.

Portanto, devemos agradecer ao Criador por tudo o que recebemos d’Ele. E mais; o fato de perceber que o Criado conduz para a eternidade pode desenvolver sentimentos de amor para com Ele.

Podemos avançar com uma apropriada combinação das linhas da direita e da esquerda, exatamente no meio das duas. Isto é, somente podemos avançar ao longo da linha que se encontra justamente na metade do caminho entre elas.

De qualquer maneira, mesmo se começarmos a avançar pelo ponto de partida correto, se não soubermos com precisão como verificar e corrigir constantemente nosso curso, com certeza nos desviaremos do caminho correto. E mais; se fizermos o mais leve desvio em qualquer ponto ao longo do trajeto, então nosso erro aumentará a cada passo, enquanto continuarmos avançando. Como conseqüência, afastar-nos-emos mais e mais de nossa meta estabelecida.

Antes de nossas almas descerem a este mundo, elas eram parte do Criador – um elemento diminuto d’Ele. Esse elemento é conhecido como raiz da alma. O Criador põe a alma dentro do corpo, para que esta possa elevar os desejos deste ao ascender e se fundir de novo com o Criador. Em outras palavras, a alma é colocada no corpo, quando a pessoa nasce, chega a este mundo, a fim de se sobrepor aos desejos deste. Ao superar tais desejos, a alma ascende ao mesmo nível espiritual do qual descendeu, experimentando prazeres muito maiores dos que tinha em seu estado inicial, quando era parte do Criador. Nesse ponto, um elemento diminuto transforma-se em um corpo espiritual completo, e é 620 vezes maior do que foi o elemento original antes de descender a este mundo.

Dessa maneira, em seu estado completo, o corpo espiritual da alma consiste em 620 partes ou órgãos. Cada parte é considerada uma lei espiritual ou um ato espiritual (“Mitzvá”). A luz do Criador ou o próprio Criador (que são a mesma coisa), que preenche cada parte da alma, é chamada “Torah”.

Ascender a um novo nível espiritual significa “cumprir uma leia espiritual”.

Como resultado dessa elevação, criam-se novas aspirações altruístas, e a alma recebe a “Torah”, a luz do Criador.

O verdadeiro caminho para atingir essa meta segue ao longo da linha média, que implica combinar três conceitos em um: o ser humano, o caminho a seguir e o Criador. De fato, existem esses três objetos no mundo: o ser humano, que se esforça para retornar ao Criador, o caminho que ele precisa seguir com o propósito de alcançar o Criador e o próprio Criado, a meta pela qual o ser humano se esforça.

Assim como foi dito muitas vezes, não há nada que exista verdadeiramente, exceto o Criador, e nós não somos nada além de Suas criações, dotados do senso de nossa própria existência. Chegamos a reconhecer e a perceber isso claramente no transcurso de nossa ascensão espiritual.

Todas as nossas percepções, ou melhor, aquelas que vemos como nossas próprias, não são mais que respostas aos atos divinos que Ele produziu em nós. No final, nossos sentimentos são somente os que Ele quer que sintamos.

Enquanto não tivermos alcançado uma compreensão completa dessa verdade, veremos não um, mas três conceitos separados: o indivíduo, o caminho para o Criador e o próprio Criador. Porém, uma vez tendo alcançado a etapa final do desenvolvimento espiritual, uma vez tendo ascendido ao mesmo nível do qual descenderam nossas almas – somente então com todos os nossos desejos corrigidos -, poderemos receber por completo o Criador dentro de nosso corpo espiritual.

Daí, receberemos toda a luz do Criador e o próprio Criador. Dessa maneira, os três objetos que uma vez existiram separados em nossa percepção – nós mesmos, nosso caminho espiritual e o Criador – fundem-se, para tornar-se uma única entidade: o corpo espiritual pleno de Luz.

Portanto, para nos assegurarmos de que procedemos corretamente, devemos realizar revisões regulares, enquanto avançamos pela via espiritual. Isso garantirá que nos esforcemos, desde o começo, pelos três objetos com o mesmo desejo poderoso, independente do fato de os percebermos separados.

Desde o princípio, devemos trabalhar para fundi-los em um; no final do caminho, isso será aparente. Na verdade, neste momento são aparentes, embora sejam incapazes de vê-los como tais, devido a nossas próprias imperfeições.

Se nos esforçarmos por um dos três objetos mais que pelos outros, imediatamente nos desviamos do caminho verdadeiro. A forma mais simples de comprovar se ainda estamos no caminho real é determinar se nos esforçamos por compreender as características do Criador com o propósito de ser uno com Ele.

“Se não estou para mim, então quem estará para mim? E se estou apenas preocupado comigo, então o que sou?” Essas afirmações contraditórias refletem as atitudes conflituosas que enfrentaremos quando considerarmos nossos esforços para atingir uma meta pessoal estabelecida. Por um lado, devemos acreditar que não há ninguém a quem pedir ajuda, além de nós mesmos, e devemos agir com a certeza de que nossas boas obras serão recompensadas, enquanto nossas más ações serão castigadas.

Nós, como indivíduos, devemos acreditar que nossas próprias ações têm conseqüências diretas e que construímos nosso próprio futuro. Por outro lado, devemos dizer a nós mesmos: “Quem sou eu para poder derrotar minha própria natureza por mim mesmo? Também não há mais ninguém que possa me ajudar”.

2.1 – A PROVIDÊNCIA DO CRIADOR

Se tudo acontece de acordo com o plano do Criador, então para que servem nossos esforços? Como resultado de nosso próprio trabalho, baseado no principio de castigo e recompensa, adquirimos do Alto a compreensão do Domínio do Criador. Depois, elevamo-nos a um nível de consciência do qual vemos claramente que é o Criador quem governa tudo e que tudo está predeterminado.

Porém, primeiro devemos alcançar essa etapa, e, até que o façamos, não podemos determinar que tudo está nas mãos do Criador. Além disso, enquanto não atingirmos essa etapa, não poderemos viver ou agir conforme Suas leis, porque não é essa a forma como compreendemos o funcionamento do mundo. Portanto, poderemos agir apenas de acordo com as leis das quais temos conhecimento.

Somente quando tenhamos investido esforços baseados no princípio “do castigo e da recompensa”, seremos dignos da confiança absoluta do Criador. Somente, então, teremos o direito de ver o panorama verdadeiro do mundo, assim como a maneira pela qual este funciona. E, ao chegarmos a essa etapa e percebermo que tudo depende do Criador, ansiaremos por Ele.

Uma pessoa não pode expulsar os pensamentos e desejos egoístas de seu próprio coração e deixá-lo vazio. Somente ao preencher o coração com desejos espirituais altruístas no lugar dos egoístas é que poderemos substituir as aspirações passadas pelas opostas e, desta maneira, poderemos aniquilar o egoísmo.

Aqueles que amam o Criador têm certeza de sentir aversão pelo egoísmo, já que sabem, por experiência pessoal, quanto prejuízo o ego pode causar.

Porém, pode ser que não tenhamos os meios necessário para nos livrarmos do ego e eventualmente percebamos que está além de nossas possibilidades expulsar o egoísmo, posto que quem nos conferiu tal qualidade foi o Criador.

Apesar de não podermos nos desfazer do egoísmo por nossos próprios esforços, quanto mais cedo percebermos que ele é nosso inimigo e nosso exterminador espiritual, mais forte será nosso ódio por ele. Eventualmente, esse ódio fará com que o Criador nos ajude a superar o inimigo; deste modo, até mesmo nosso egoísmo servirá ao propósito da elevação espiritual.

Diz o Talmud: “Criei o mundo somente para os completamente justos e para os completamente pecadores”. É compreensível que o mundo tenha sido criado para os absolutamente justos, mas por que o mundo não foi criado também para aqueles que não são nem absolutamente justos nem pecadores absolutos?

Inadivertidamente, percebemos a Providência de acordo com o modo como nos afeta. É “boa” e “gentil” se nos agrada; e “dura”, se nos causa sofrimento. Isto é, consideramos o Criador bom ou mau, dependendo de como percebemos nosso mundo.

Por conseguinte, nós, os seres humanos, percebemos a Providência do Criador sobre o mundo somente de duas maneira: ou a percebemos, e vemos a vida como algo maravilhoso; ou negamos a Providência do Criador sobre o mundo, e assumimos que este é governado por “forças da natureza”.

Apesar de possivelmente percebermos que o último cenário é improvável, nossas emoções, em vez de nossa razão, determinarão nossa atitude para com o mundo. Portanto, quando observamos a disparidade entre nossas emoções e nossa razão, começamos a nos considerar pecadores.

Quando compreendermos que o Criador deseja nos conferir somente benefícios e o bem, perceberemos que isso só será possível se nos aproximarmos d’Ele. E, assim, quando nos sentirmos distanciados do Criador, perceberemos isso como “mau” e, então, nos consideraremos pecadores.

Mas, se sentirmos que somos tão malvados, a ponto de implorarmos ao Criador que nos salve, pedindo-lhe que se revele para nos dar o poder de fugir da prisão de nosso egoísmo para o mundo espiritual, então Ele nos ajudará imediatamente. É por essa forma de condição humana que este mundo e os mundos superiores foram criados. Quando atingirmos o nível de pecadores absolutos, poderemos rogar ao Criador e, eventualmente, subir ao nível dos absolutamente justos.

Assim, só poderemos ser dignos de perceber a grandeza do Criador depois de nos termos libertado de toda a presunção e de termos reconhecido a impotência e a baixeza de nossos desejos pessoais.

Quanto mais importância atribuirmos à proximidade com o Criador, mais O perceberemos e melhor poderemos discernir Seus diversos matizes e manifestações em nossa vida diária. Essa profunda e comovente veneração por ele gerará sentimentos em nossos corações, e, como resultado, a alegria fluirá internamente.

Podemos ver que não somos melhores que os que nos cercam, e, porém, também podemos ver que, diferente de nós, outros não ganharam a atenção especial do Criador. Mais ainda, outros nem sequer têm consciência de que existe a possibilidade de se comunicar com o Criador; também não lhes interessa percebê-lo e entender o significado da vida e do progresso espiritual.

Por outro lado, não fica claro para nós como é que somos merecedores de uma relação tão especial com o Criador, que nos oferece, embora apenas ocasionalmente, a oportunidade de nos preocupar-nos com o propósito da vida e de nosso vínculo com Ele. Se nesse ponto pudermos apreciar a atitude especial do Criador para conosco, então poderemos experimentar gratidão e alegria ilimitadas.

Quanto mais pudermos apreciar o sucesso individual, mais profundamente agradeceremos ao Criador.

Quanto mais matizes de sentimentos experimentarmos em cada ponto e instante particular de contato com o Criador, melhor apreciaremos a grandeza do mundo espiritual que nos for revelada, assim como a grandeza e o poder do Criador onipotente. Isso traz como resultado o fortalecimento da confiança com a qual podemos antecipar nossa futura unificação com Ele.

Ao contemplar a vasta diferença entre as características do Criador e a de Seus seres criados, é fácil chegar à conclusão de que ambos podem vir a ser compatíveis somente se os seres criados alterarem sua natureza absolutamente egoísta. Isso é possível apenas se as pessoas se anularem, como se não existissem; portanto, não há nada que as separe do Criador.

Somente se sentirmos que, sem termos uma vida espiritual, estamos mortos (como quando a vida deixa o corpo), e somente se sentirmos um ardente desejo de uma vida espiritual, poderemos receber a possibilidade de entrar nessa vida espiritual e respirar o ar espiritual.

2.2 – TOMAR CONSCIENCIA DO DOMÍNIO DO CRIADOR

Como podemos nos elevar a um nível espiritual no qual tenhamos erradicado por completo o interesse próprio e a preocupação por nós mesmos? Como nosso desejo de nos dedicarmos, com devoção, ao Criador pode se tornar nossa única meta na vida, tanto que, sem alcançá-la, sintamos como se estivéssemos mortos?

A elevação a esse nível ocorre gradualmente, e se processa na forma de retroalimentação. Quanto mais esforço fizermos, em nossa busca de um caminho espiritual, tanto para estudar quanto para emular os objetos espirituais, mais convencidos estaremos de nossa absoluta inépcia para atingir essa meta por nós mesmos.

Quanto mais estudarmos os textos importantes para nosso desenvolvimento espiritual, mais confuso e desorganizado nos parecerá o material. Quanto mais nos esforçarmos em melhorar tratar nossos instrutores e semelhantes – se estivermos relamente avançando espiritualmente -, mais claro se tornará que todas as nossas ações são ditadas pelo egoísmo. Tais resultados seguem o princípio: Force-o, até que diga “eu concordo”. Poderemos nos livrar do egoísmo apenas se captarmos que ele causa a morte, ao impedir que percebamos a verdadeira vida eterna, plena de deleite.

Desenvolver ódio pelo egoísmo eventualmente nos conduzirá a nossa libertação dele.

O mais importante é nosso desejo de nos entregarmos por completo ao Criador, tomarmos consciência de Sua grandeza. (Entregar-se ao Criador significa separar-se do “Eu”.)

A essa altura, devemos decidir qual é a meta que mais vale a pena atingir: a conquista dos valores transitórios ou dos eternos. Nada do que criamos permanece para sempre; tudo é transitório. Somente as estruturas espirituais, tais como os pensamentos, os atos e os sentimentos altruístas são eternos.

Portanto, ao nos esforçarmos em imitar o Criador em seus pensamentos, desejos e esforços, de fato estamos edificando a estrutura de nossa própria eternidade. Porém, dedicarmo-nos ao Criador somente é possível, quando tomamos consciência da Sua grandeza.

Em nosso mundo, é a mesma coisa: se consideramos que alguém é grandioso, sentimos-nos felizes por estar a serviço de tal pessoa. Podemos, também, sentir que quem recebe um presente nosso nos fez um favor ao aceitá-lo, e não o contrário.

Estes exemplos demonstram que a intenção de uma ação pode mudar a forma externa de um ato mecânico – dar ou receber – para o seu contrário. Portanto, quanto mais digno de enaltecimento considerarmos o Criador, com maior disposição entregaremos a Ele todos os nosso pensamentos, desejos e esforços. Mas, ao fazê-lo, na realidade sentiremos que estamos recebendo d’Ele, em vez de dar. Sentiremos que recebemos u ma oportunidade para oferecer um serviço, uma oportunidade que é conferida apenas a poucos merecedores em cada geração. Isso pode ficar mais claro com o exemplo oferecido no seguinte pequeno texto:

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3 – A MESA DA SALA DE JANTAR

PRIMEIRO ATO

Narrador: Em uma casa brilhantemente iluminada, com quartos espaçosos, um home de aparência agradável está ocupado na cozinha. Está preparando uma refeição para seu tão esperado hóspede. Enquanto manipula as panelas e frigideiras, traz a sua memória os manjares com os quais seu hóspede tanto se deleita. A feliz expectativa do anfitrião é mais que evidente. Cheio de graça e com os movimentos de um bailarino, põe na mesa cinco diferentes pratos. Junto à mesa, há duas cadeiras estofadas.

Batem, então na porta. O hóspede entra. O rosto do anfitrião ilumina-se ao vê-lo, e o convida a sentar-se à mesa para jantar. O hóspede toma assento; ao anfitrião fita-o com carinho. O hóspede olha as delícias colocadas diante dele, e as cheira a uma distância educada. É evidente que gosta do que vê, mas expressa sua admiração com tato e recato, demonstrando que sabe que a comida é para ele.

Anfitrião: Sente-se, por favor. Fiz estas coisas especialmente para você, pois sei quanto lhe agradam. Ambos sabemos quão familiarizado estou com seus gostos e hábitos de alimentação. Sei que está com fome e sei o quanto é capaz de comer, por isso preparei tudo exatamente como você gosta, na quantidade exata, sem deixar uma migalha sequer.

Narrador: Se sobrasse comida depois de o hóspede estar saciado, o anfitrião e o convidado ficariam inconformados. O anfitrião ficaria insatisfeito, pois isso significaria que ele desejava dar ao seu hóspede mais do que este desejava receber. Por sua vez, o hóspede ficaria decepcionado por não poder satisfazer o desejo do anfitrião de consumir toda a comida oferecida. O hóspede também lamentaria o fato de estar saciado se ainda restassem manjares, se não pudesse gozar de nem mais um deles. Isso significaria que lhe faltara o desejo suficiente de desfrutar todo o prazer oferecido.

Hóspede: (Solenemente) De fato, você preparou exatamente o que eu queria ver na mesa e comer durante o jantar. Até mesmo a quantidade é justamente a correta. Isto é tudo o que sempre quis da vida: desfrutar tudo isso. Para mim, seria o máximo prazer divino.

Anfitrião: Bem, então pegue tudo, e desfrute. Será, para mim, um prazer.

Narrador: O hóspede começar a comer.

Hóspede: (Obviamente desfrutando, com a sua boca cheia; não obstante, parece um pouco preocupado) A que se deve o fato de que, quanto mais como, menos desfruto a comida? O prazer que sinto tira a fome e, portanto, meu gozo é cada vez menor. Quanto mais perto estou de ter a sensação de saciedade, menos desfruto a comida.

E, ao receber todo o alimento, não me resta mais que a memória do prazer, não o prazer em si. O qual estava lá somente enquanto eu tinha fome. No momento em que esta se desvaneceu, ocorreu o mesmo com o gozo. Recebi o que tanto desejava e, porém, fiquei sem prazer, nem alegria. Não quero mais nada, não há nada que me provoque alegria.

Anfitrião: (Um pouco ressentido) Fiz todo o possível para lhe dar prazer. Não é minha culpa que a simples recepção do prazer acabe com a sensação de deleite, j´q que o desejo foi embora. De qualquer forma, agora você já está cheio de tudo o que lhe preparei.

Hóspede: (Defende-se) Ao receber tudo o que você me preparou, nem sequer consigo lhe agradecer, porque deixei de gozar da abundante comida que você me deu. O principal é que sinto que você me deu algo, ao passo que eu não lhe dei nada em troca. Portanto, você me fez sentir vergonha, ao manifestar, inadvertidamente, que você é o que outorga e eu sou o que recebe.

Anfitrião: Não demonstrei que você era o receptor, e eu o outorgante. Mas o simples fato de você ter recebido algo de mim, sem ser recíproco, deu-lhe a sensação de estar recebendo algo de mim, apesar do fato de a benevolência fazer parte de minha natureza. A única coisa que quero é que aceite minha comida. Isso, não posso mudar. Veja bem: eu crio peixe. A eles, não importa quem lhes fornece a comida e os alimenta… Também cuido de bom, meu gato. Ele também não se importa, nem sequer um pouco, com as mãos pelas quais lhe chega o alimento. Mas Rex, meu cachorro, importa-se sim, e não pegaria o alimento de qualquer um.

Narrador: As pessoas são constituídas de tal modo, que há os que recebem sem sentir que alguém lhes está dando, e somente tomam. Alguns até mesmo roubam sem remorso! Mas, quando as pessoas desenvolvem o senso de si mesmas, saber quando lhes estão outorgando, e isso lhes desperta a consciência de que são receptoras. Isso traz consigo vergonha, auto-reprovação e agonia.

Hóspede: (Um pouco apaziguado) Mas o que posso fazer para receber prazer, sem me considerar o receptor? Como posso neutralizar a sensação interna de que você é o que outorga e eu o que recebe? Se há uma situação de dar e receber, e isso provoca em mim esta vergonha, o que posso fazer para evitá-la?

Talvez você possa agir de modo que eu não me sinta como o receptor! Mas isso seria possível apenas se eu  não estivesse consciente de sua existência (como os seus peixes), ou se o houvesse percebido, mas sem entender que você estava me dando alguma coisa (como um gato, ou um ser humano subdesenvolvido).

Anfitrião: (Contraindo seus olhos em sinal de concentração, e falando em tom pensativo) Acho que, afinal de contas, existe uma solução. Você seria capaz de encontrar um modo de neutralizar a sensação de recepção dentro de si?

Hóspede: (Seus olhos se iluminam) Ah, Entendi! Você sempre quis me ter como seu hóspede. Então, amanhã, virei aqui e me comportarei de modo que faça com que sinta que você é o receptor. Eu continuarei sendo o receptor, evidentemente, comendo tudo o que você tiver preparado, mas me sentirei como o que outorga.

SEGUNDO ATO

Narrador: No dia seguinte, na mesma sala, o anfitrião preparou comida fresca, exatamente com as mesmas delícias do dia anterior. Sentou-se à mesa e o hóspede entrou, com uma expressão desconhecida em seu rosto, um tanto misteriosa.

Anfitrião: (Com sorriso resplandecente, inconsciente da mudança) Estava esperando por você. Estou tão contente por vê-lo! Sente-se.

 Narrador: O hóspede senta-se à mesa e cheira a comida gentilmente.

Hóspede: (Olhando a comida) Tudo isso é para mim?

Anfitrião: Mas, claro! Somente para você! Adoraria, se você estivesse disposto a receber tudo isso de mim.

Hóspede: Obrigado, mas na verdade não o desejo tanto.

Anfitrião: Bem, isso não é verdade! Você o deseja sim, e eu sei, com certeza! Por que não o quer receber?

Hóspede: Não posso receber tudo isso de você. Faz com que me sinta desconfortável.

Anfitrião: O que quer dizer com desconfortável? Desejo tanto que você coma tudo isso! Para quem você acha que preparei? Dar-me-ia tanto prazer, se você comesse tudo…

Hóspede: Talvez você tenha razão, mas eu não desejo comer toda essa comida.

Anfitrião: Mas você não está apenas recebendo comida: também está me fazendo um favor, ao sentar-se a minha mesa, desfrutando tudo o que preparei. Não fiz tudo isso para você, mas porque gosto que receba de mim. É por isso que, ao aceitar comer, estaria me fazendo um favor. Você estaria recebendo tudo isso para mim! Não estaria tomando, mas me dando uma grande alegria. De fato, não seria você quem receberia com minha comida, mas ao contrário, eu obteria uma grande alegria de você. Seria você quem estaria dando algo a mim, e não o contrário.

Narrador: Quase implorando, o anfitrião desliza o cheiroso prato diante de seu renitente hóspede. Este o afasta de si. O anfitrião desliza outra vez o prato em direção a seu hóspede, que o recusa novamente. O anfitrião suspira, revelando, por meio da linguagem corporal, o quanto deseja que seu hóspede aceite os alimentos. Este assume a postura do outorgante: a de que está fazendo um favor ao anfitrião.

Anfitrião: Eu imploro! Por favor, faça-me feliz.

Narrador: O hóspede começa a começar, depois pára para pensar. Depois, recomeça, e de novo se abstém. Cada vez que pára, o anfitrião o estimula a continuar. Somente depois de certa persuasão, o hóspede continua. O anfitrião continua colocando novos manjares diante do seu hóspede, suplicando-lhe a cada vez que o satisfaça ao aceitá-los.

Hóspede: Se eu pudesse ter a certeza de que estou comendo porque isso lhe dá prazer, e não porque eu assim o desejo, então você se tornaria o receptor, e eu o que outorga o prazer. Porém, para que isso ocorre, devo ter certeza de que estou comendo somente por você, e não por mim.

Anfitrião: Mas claro que você esta comendo somente por mim. Afinal de contas, você se sentou à mesa e nem sequer provou nada, até que lhe demonstrasse que você não estava somente comendo, mas me dando uma grande alegria. Você veio aqui para me dar prazer.

Hóspede: Mas, se eu aceitasse algo que não desejasse inicialmente, não o desfrutaria recebendo-o, e você não teria o prazer de me ver aceitar voluntariamente seu oferecimento. Então, acontece que você pode receber prazer apenas na medida em que eu desfrutar seu oferecimento.

Anfitrião: Eu sei exatamente quanto você gosta desta comida e quanto pode comer de cada prato. Portanto, preparei estes cinco pratos. Afinal, eu sei o quanto você deseja este prato ou aquele outro, mais que qualquer outra coisa em sua vida. Saber quanto você gosta deles evoca em mim a sensação de seu prazer. Também me agrada que você desfrute minha comida. Não tenho dúvidas de que o prazer que recebo de você é genuíno.

Hóspede: Como posso ter a certeza de que estou desfrutando estes manjares somente porque você assim o deseja e porque preparou tudo isso para mim? Como posso ter a certeza de que não devo recusá-lo por que, ao recebê-los de você, na realidade o que faço é dar-lhe alegria?

Anfitrião: Muito simples! Porque você recusava completamente minhas ofertas, até ter a certeza de que fazia isso por meu prazer. Só então você aceitou. Depois de cada bocado você sentirá que esta comendo por meu prazer, e perceberá a alegria que me causa.

Hóspede: Posso me livrar da vergonha e orgulhar-me ao dar-lhe prazer, se pensar, cada vez que recebo, que o estou recebendo por você.

Anfitrião: Pois coma tudo! Você deseja tudo, e assim estará me dando um prazer ilimitado!

Hóspede: (Desfrutando a comida e terminando até o último prato, mas, depois, percebendo que ainda não está satisfeito) Então, agora terminei toda a comida e gostei. Não há mais comida para desfrutar. Acabou-se meu prazer, porque não tenho mais fome. Já não posso dar alegria a nenhum de nós. E agora, o que faço?

Anfitrião: Não sei. Você me deu um grande prazer ao receber de mim. Que mais posso fazer por você, de modo que possa desfrutar mais vezes? Como é possível que você deseje comer de novo, se já terminou tudo? O que lhe provocará o apetite mais uma vez?

Hóspede: Certo, meu desejo de desfrutar tornou-se um desejo de conferir-lhe alegria, e, se agora não posso desfrutar, como posso agradá-lo? Afinal de contas, não é possível criar dentro de mim apetite para outro convite de cinco pratos!

Anfitrião: Eu não preparei nada além do que você desejou. Fiz todo o possível, de minha parte, para agradá-lo. Seu problema é: “Como posso continuar desejando mais, recebo mais e mais”.

Hóspede: Mas, se o prazer não satisfaz minha fome, não posse percebê-lo como prazer. Essa sensação chega, quando satisfaço minhas necessidades. Se não estivesse faminto, não poderia desfrutar a comida e, portanto, também não poderia conferir-lhe alegria. O que posso fazer para permanecer com esse desejo constante, e oferecendo-lhe constantemente alegria ao mostrar meu prazer?

Anfitrião: Para conseguir isso, você precisa de uma fonte diferente de desejo e de diversos meios de satisfação. Ao usar sua fome para receber tanto a comida quanto a satisfação de comê-la, você elimina ambas

Hóspede: Entendo! O problema é que me abstive de sentir alegria, por considerar que você se beneficiaria com isso. Rejeitei a tal ponto, que, apesar de toda a comida estar diante de mim, não a podia aceitar por vergonha de recebê-la. Essa vergonha era tão intensa, que eu estava disposto a morrer de fome, apenas para evitar a sensação de vergonha de ser o receptor.

Hóspede: Entendo! O problema é que me abstive de sentir alegria, por considerar que você se beneficiaria com isso. Rejeitei a tal ponto, que, apesar de toda a comida estar diante de mim, não a podia aceitar por vergonha de recebê-la. Essa vergonha era tão intensa, que eu estava disposto a morrer de fome, apenas para evitar a sensação de vergonha de ser o receptor.

Anfitrião: Mas, então, quanto você se convenceu de que não estava recebendo para si mesmo, começou a receber para meu benefício. Devido a isso, desfrutou tanto a comida quanto o prazer que me dava. Por essa razão, o alimento deve estar de acordo com a sua vontade. Afinal de contas, se não fosse pelo prazer da comida, que outro prazer você poderia me oferecer?

Hóspede: Porém, não e suficiente receber para você, sabendo que você tem prazer de fazê-lo por mim. Se meu prazer viesse de sua alegria, então a origem de meu prazer não seria o alimento, mas sim você! Preciso sentir sua alegria.

Anfitrião: Isso deve ser fácil, pois estou totalmente aberto a isso.

Hóspede: Se eu soubesse mais sobre você, se tivesse um conhecimento mais íntimo de você, se você realmente fosse grande, então sua grandeza e onipotência teriam se revelado para mim. Nesse caso, eu teria desfrutado não somente por dar-lhe prazer, mas também teria estado consciente de que o estava recebendo. Portanto, meu prazer teria sido proporcional à revelação de sua grandeza.

Anfitrião:  Isso depende de mim?

Hóspede: Veja, se eu dou prazer, para mim é importante saber quanto estou dando e a quem. Se for aos entes queridos, por exemplo, a meus filhos, então, estou disposto a dar na mesma proporção ao grande amor que lhes tenho. Isso me dá alegria. Mas, se alguém da rua vem a minha casa, estou disposto a dar-lhe algo, porque posso sentir empatia para com um necessitado, e espero que, quando eu estiver em uma terrível necessidade, alguém me ajude.

Anfitrião: É sobre esse principio que reside o conceito global do bem-estar social. As pessoas perceberam que, se não houver ajuda mútua, todos sofreriam. Isto é, sofreriam, quando necessitassem. O egoísmo obriga as pessoas a dar, mas isso não é, na verdade, outorgar. É simplesmente uma maneira de garantir a sobrevivência.

Hóspede: Na realidade, não acho que esse tipo de entrega seja genuína. Toda nossa “generosidade” não é nada além de uma forma de recebermos prazer, ao satisfazer a nós mesmos e a nossos entes queridos.

Anfitrião: Em tão, como posso lhe dar um prazer que vá além do encontrado nos alimentos?

Hóspede: Isso não depende de você, mas de mim. Se a pessoa que viesse a minha casa fosse uma personalidade muito importante, eu receberia mais prazer em dar-lhe algo do que se tratasse de uma pessoa comum. Isso significa que meu prazer depende não da comida, mas de quem a preparou!

Anfitrião: O que eu posso fazer, então, para que me respeite mais?

Hóspede: Como recebo para o seu benefício, não para o meu, quanto mais respeito eu tiver por você, mais prazer terei ao saber a quem estou dando.

Anfitrião: Então, como posso aprofundar sua estima por mim?

Hóspede: Fale-me de você! Mostre-me quem você é! Assim, eu poderia obter prazer não simplesmente por receber a comida, mas também por conhecer quem a está me oferecendo; por saber com que tenho um relacionamento. A mais ínfima porção de alimento recebida de uma grande figura me dará uma quantidade de prazer muito maior, que crescerá na proporção de quão grande eu considerar que você seja.

Anfitrião: Isso significa que, para o prazer ser grande, devo me abrir, e você deve desenvolver a habilidade de me conhecer.

Hóspede: Exatamente! Isso é o que cria uma nova fome em mim, o desejo de dar cresce em proporção a sua grandeza. Isso não é porque queira me livrar da sensação de vergonha, pois essa não me deixará satisfazer minha fome.

Anfitrião: Desse modo, você começa a sentir não mais a fome, mas minha grandeza e seu desejo de me dar prazer. Então, você está dizendo que não deseja saciar meu apetite, mas se deleitar com minha grandeza e seu desejo de me agradar?

Hóspede: É isso, o que tem de mau? Posso receber prazer pela comida muitas vezes mais do que a comida em si pode dar, visto que acrescento à fome um segundo desejo: o de outorgar-lhe.

Anfitrião: Também devo cumprir isso.

Hóspede: Não. A vontade de fazer isso – e seu cumprimento -, eu criarei em mim mesmo. Para isso, preciso apenas conhecê-lo. Revele-se a mim e criarei dentro de mim o desejo de outorgar-lhe. Também receberei prazer por dar, e não pela eliminação da vergonha.

Anfitrião: O que você ganhará com isso, além do fato de seu prazer aumentar?

Hóspede: (Claramente insinuando que esse é o cerne da questão) Há outro benefício primordial: se eu criar em mim uma nova vontade, além da fome inerente, tornar-me-ei dono dessa vontade. Sempre poderei aumentá-la, enchê-la de prazer e conferi-la a você, ao receber prazer.

Anfitrião: Você não acha que esse desejo se perde, depois de se estar satisfeito, tal como você perdeu a fome?

Hóspede: Não, porque sempre posso criar dentro de mim uma impressão maior de você. Sempre posso criar novos desejos de conferir-lhe algo, e, ao receber de você, os porei em prática. Esse processo pode continuar indefinidamente.

Anfitrião: Do que depende?

Hóspede: Depende da descoberta continua de novas virtudes em você, e de perceber sua grandeza.

Anfitrião: Isso significa que, a fim de conseguir a auto-indulgência permanente – na qual, ao receber um prazer egoístas, a fome não cessará, mas aumentará por essa recepção -, deve formar-se uma fome nova: a vontade de sentir quem outorga.

Hóspede: Sim, além de receber os prazeres (os manjares), aquele que recebe desenvolverá um sentido da grandeza de quem outorga. A descoberta do anfitrião e dos manjares, portanto, são a mesma coisa. Isto é, o prazer em si cria consciência acerca de quem o outorga. Este, a comida e os atributos de quem outorga são um e os mesmos.

Anfitrião: Então o que você inconscientemente queria no início era que o outorgante se revelasse. Para você, isso é de fato importante.

Hóspede: No princípio, nem sequer compreendia que era isso o que eu desejava. Apenas olhei a comida e achei que isso era o que queria.

Anfitrião: Fiz isso de propósito, a fim de que você desenvolvesse, gradualmente, sua própria vontade, que, se supõe, seria criada para atender a você mesmo. Simultaneamente, você estaria tomando o lugar do hóspede e do anfitrião.

Hóspede: Por que tudo isso é assim?

Anfitrião: Com o propósito de levá-lo à plenitude. De modo que você deseje cada coisa em sua totalidade e consiga a satisfação suprema. Para que você possa desfrutar cada desejo ao máximo, e a fim de que o prazer seja ilimitado.

Hóspede: Por que, então, eu não sabia disso desde o começo? Tudo o que eu via a meu redor eram objetos que eu desejava, sem suspeitar que o que realmente queria todo esse tempo era você.

Anfitrião: É feito de tal maneira que, quando você se encontrasse em uma situação na qual não me percebesse, viria a mim e criaria essa vontade interna por si mesmo.

Hóspede: (Desconcertado) Mas se eu posso criar essa vontade dentro de mim, onde você entra?

Anfitrião: Fui eu quem criou em você a simples vontade egoísta, e continuo desenvolvendo-a, ao cercá-lo constantemente com novos objetos de deleite.

Hóspede: Mas para que tudo isso?

Anfitrião: O propósito é convencê-lo de que perseguir prazer nunca o satisfará por completo.

Hóspede: Posso ver. No momento em que consigo o que quero, o prazer desaparece de imediato, e de novo desejo algo maior ou completamente diferente. Portanto, estou em uma caça constante de prazer, mas sem nunca alcançá-lo totalmente. No instante em que o tenho em minhas mãos, ele escorrega.

Anfitrião: E essa é justamente a razão pela qual você desenvolve o sentido de si próprio, e se torna consciente da inutilidade desse tipo de existência.

Hóspede: Mas, se você me mostrasse como são as coisas na realidade, eu entenderia o significado e o propósito de tudo o que estaria ocorrendo!

Anfitrião: Esse quadro é revelado apenas depois que você esta totalmente convencido da falta de propósito de sua existência egoísta, e ao perceber que precisa de uma nova forma de conduta. Precisa conhecer suas raízes e o significado de sua vida.

Hóspede: Mas esse processo dura milhares de anos. Quando termina?

Anfitrião: Nada é criado desnecessariamente. Tudo o que existe esta aí com o único propósito de revelar às criações uma forma diferente de existência. Esse processo é lento, porque cada pequeno desejo precisa aparecer e ser reconhecido como algo que não vale a pena utilizar em sua forma preliminar.

Hóspede: E há muitos desejos desse tipo?

Anfitrião: Muitíssimos, e em proporção direta ao prazer que você receberá no futuro. Mas o prazer de receber a comida não muda. Você não pode comer mais do que um almoço por dia. A capacidade de seu estômago não mudará. Portanto, a quantidade que chega de mim e que é recebida por você não muda. Porém, quando você janta em minha mesa para me satisfazer, esse pensamento específico cria em você uma nova vontade de comer e um novo prazer, além do prazer da comida. Esse prazer é medido em tamanho e poder, ou em quantidade e qualidade, conforme a quantidade de prazer que você obtenha ao jantar em minha mesa, a fim de me agradar.

Hóspede: Então, como posso aumentar meu desejo de receber prazer para seu benefício?

Anfitrião: Isso depende de seu apreço e respeito por mim. Isso depende de quão grande você me considerar.

Hóspede: Então, como eu poderia aumentar meu apreço por você?

Anfitrião: Para isso, você simplesmente precisa saber mais sobre mim, ver-me em cada ação que desempenho, observar e ter certeza de quão grande realmente sou. Estar totalmente consciente de que sou onipotente, compassivo e benévolo.

Hóspede: Então, manifesta-se!

Anfitrião: Se seu pedido provier de um desejo de dar a mim, revelar-me-ei. Mas, se provier do desejo de agradar a você mesmo ao me ver, não somente me absterei de me revelar a você, como também me ocultarei ainda mais profundamente.

 Hóspede: Por quê? Por acaso não lhe é indiferente o modo como eu receber de você? Afinal, você deseja que eu desfrute. Por que se ocultar de mim?

Anfitrião: Se eu me revelar por completo, você receberá tanto prazer por minha eternidade, onipotência e plenitude, que não será capaz de aceitar esse prazer para meu benefício. Esse pensamento nem sequer lhe passará pela cabeça, e depois você se sentirá novamente envergonhado. Além do mais, pelo fato de o prazer ser perpétuo – tal como vimos antes -, eliminará seu desejo, e de novo você ficará a vontade.

Hóspede: (Finalmente percebendo) Então essa é a razão pela qual você se oculta de mim, para me ajudar! E eu pensei que fosse por que você não queria que eu o conhecesse.

Anfitrião: Meu maior desejo é que você me veja e que esteja perto de mim. Mas, o que posso fazer, se nesse caso você não seria capaz de sentir prazer? Não seria isso o mesmo que morrer?

Hóspede: Mas, se não tenho consciência de você, então, como posso progredir? Tudo depende de quanto você se revelar a mim.

Anfitrião: De fato, somente a sensação de minha presença cria em você a capacidade de crescer e receber. Sem esse sentido, você simplesmente consome tudo e, imediatamente, deixa de sentir qualquer prazer. Por isso, quando apareço diante de você, você sente vergonha, a sensação de quem outorga, e a vontade de receber os mesmos atributos do provedor.

Hóspede: Pois se revele a mim o quanto antes!

Anfitrião: Fá-lo-ei, mas somente até o ponto que for para seu beneficio, apesar de querer aparecer diante de você. Afinal, oculto-me de propósito, a fim de criar em você condições de livre escolha. Desse modo, você pode ser livre para agir e escolher como pensar, independente de minha presença. Não haverá pressão por parte do anfitrião.

Hóspede: Então, como você se revela para mim?

Anfitrião: Faço isso lenta e gradualmente. Cada nível de revelação é considerado um mundo, desde o nível mais oculto até o mais exposto.

3.1 – Análise

                Dessa história, entende-se que nosso principal objetivo é elevar a importância da perspectiva que temos do Criador, ou seja, adquirir fé em Sua grandeza e poder. Devemos fazê-lo, porque é a única maneira possível de sair da prisão do egoísmo pessoal e de entrar nos Mundos Superiores.

                Como foi mencionado antes, podemos experimentar uma extrema dificuldade, ao decidir seguir o caminho da fé e abandonar toda a preocupação por nós mesmos. Além disso, sentimo-nos isolados de todo o mundo, suspensos no nada, sem o apoio do bom senso, do raciocínio ou de qualquer experiência prévia que nos dê suporte.

                É também como se tivéssemos abandonado nosso próprio ambiente, família e amigos, para nos unirmos ao Criador. Essas sensações surgem quando falta fé no Criador, quando não podemos percebê-lo – Sua Presença ou Seu Domínio sobre toda a Criação. Nesse momento, sentimos ausência do objeto da fé.

                Porém, ao começarmos a sentir a Presença do Criador, estaremos prontos para nos submetermos totalmente a Seu poder e pra segui-lo cegamente – sempre preparados para nos anularmos por completo diante d’Ele -, desacreditando nosso intelecto quase de maneira instintiva.

                Por essa razão, o principal problema que enfrentamos é o de como perceber a Presença do Criador. Portanto, quando surgem tal questionamento, vale a pena dedicar toda a nossa energia e pensamentos em favor do Criador. Imediatamente devemos desejar aferrarmo-nos ao Criador com todo o nosso ser. Esse sentimento em relação ao Ele chama-se .

                O processo pode ser acelerado, se considerarmos que o objetivo é importante. Quanto mais valioso for para nós, mais rápido poderemos alcançar a fé, isto é, nossa consciência do Criador. Além disso, quanto mais importância atribuirmos à percepção do Criador, mais forte está será, até se tornar parte de nosso ser.

                A sorte (“mazal”, em hebraico) é uma forma especial da providência, a qual não podemos influenciar de jeito nenhum. Mas foi ditado pelo Divino que nós, como indivíduos, somos responsáveis pela mudança de nossa própria natureza. Depois, o Criador avaliará nossos esforços nessa direção e, eventualmente, mudará nossa natureza, além de nos elevar acima de nosso mundo.

                Portanto, antes de realizar qualquer esforço, devemos perceber que não podemos esperar que forças superiores, sorte ou qualquer outro tratamento especial do Alto intervenha em nosso favor. Pelo contrário, devemos começar reconhecendo completamente que, se não agirmos, não conseguiremos o que desejamos.

                Porém, uma vez tendo completado a tarefa, ou nos dedicado ao estudo, ou realizado qualquer outro esforço, devemos chegar à conclusão que se segue.

                Tudo o que alcançamos como resultado de nossos esforços teria acontecido de qualquer maneira, mesmo não tendo feito nada, pois o resultado foi predeterminado pelo Criador.

                Desse modo, se desejarmos compreender a verdadeira Providência, em todos os aspectos de nossa vida, de antemão devemos procurar assimilar essas contradições dentro de nós mesmos.

                Por exemplo, pela manhã devemos começar nossa rotina diária de estudo e trabalho, deixando para trás todos os pensamentos do Domínio Divino do Criador sobre o mundo e sobre seus habitantes. Cada um de nós deve trabalhar como se o resultado final dependesse somente de nós.

                Mas, no fim, sob nenhuma circunstância devemos nos permitir imaginar que o que alcançamos é o resultado de nossos próprios esforços. Temo que perceber que, mesmo se permanecêssemos na cama o dia todo, de qualquer maneira chegaríamos ao mesmo resultado, porque isso foi predeterminado pelo Criador.

                Portanto, quem desejar levar uma vida baseada na verdade deve, por um lado, obedecer às leis da sociedade e da natureza como qualquer outra pessoa; mas, por outro, também deve acreditar no domínio absoluto do Criador sobre o mundo.

                Todos os nossos atos podem ser divididos em bons, neutros ou maus. Nossa tarefa consiste em elevar os atos neutros ao nível de bons.

                Podemos conseguir isso ao nos conscientizarmos de que, mesmo quando nos desenvolvemos, no fim, prevalecerá a Vontade do Criador. Por exemplo quando estamos doente embora saibamos que a cura está total nas mãos do Criador, devemos tomar o remédio prescrito por um médico autorizado e acreditar que a habilidade do doutor nos ajudará a superar nossa condição.

                Mas, quando nos recuperarmos, depois de ter tomado o remédio estritamente de acordo com as ordens do médico, devemos acreditar que teríamos nos recuperado de qualquer maneira, porque esse era o Plano do Criador.

                Portanto, em vez de agradecer ao médico, devemos agradecer ao Criador. Desse modo, convertermos um ato neutro em um espiritual, e, ao repetir esse procedimento com relação a todos os atos neutros, podemos gradualmente “espiritualizar” todos os nossos pensamento.

                Os exemplos e explicações dados são importantes, porque, na realidade, tudo o que fi dito poderia se tornar sério obstáculo, impedindo nossa elevação espiritual.

                O problema, às vezes, cresce porque pensamos que entendemos os princípios do Domínio Divino. Concentramos nossas energias, artificialmente no fortalecimento de nossa crença na onipresença do Criador, em vez de trabalhar de maneira árdua em nós mesmos.

                Com freqüência, a fim de demonstrar fé no Criador, ou simplesmente por preguiça, assumimos que não precisamos trabalhar em nós mesmos, já que tudo está em poder do Criador; ou, ainda, fechamos nossos olhos e simplesmente confiamos na fé cega, ao mesmo tempo em que evitamos perguntas fundamentais sobre a verdadeira fé.

                Com freqüência, a fim de demonstra fé no Criador, ou simplesmente por preguiça, assumimos que não precisamos trabalhar em nós mesmos, já que tudo esta em poder do Criador; ou, ainda, fechamos nossos olhos e simplesmente confiamos na fé cega, ao mesmo tempo em que evitamos perguntas fundamentais sobre a verdadeira fé.

                Porém, ao evitar responder a essas perguntas, privamo-nos da possibilidade de progredir espiritualmente. Diz-se de nosso mundo: “Ganharás o pão com o suor de teu rosto”. Ainda assim, quando ganhamos alguma coisa, nos é difícil admitir que o resultado não dependeu de nosso árduo trabalho ou de nossas habilidades, mas que foi fruto do trabalho do Criador.

                Devemos nos esforçar com o suor de nosso rosto para fortalecer nossa fé no domínio absoluto do Criador.

                Mas, a fim de crescer e experimentar novas sensações espirituais, devemos fazer um esforço para entender e aceitar a natureza contraditória do Domínio Divino (que parece contraditório apenas devido a nossa cegueira). Somente então saberemos com exatidão o que se espera de nós.

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4 – ANULANDO NOSSOS INTERESSES PESSOAIS

                Antes da Criação, a única coisa que podemos dizer é que existiu somente o Criador. O processo da Criação começa quando Ele seleciona certa parte de Si mesmo, com o propósito de dotá-la, no futuro, de certas características diferentes. Ao dotar essa parte do senso de seu próprio ser, o Criador, em essência, “expulsa-a” de Si mesmo.

                Essa parte dotada constitui nosso “Eu”. A distância do Criador – uma disparidade entre as características d’Ele e dessa parte – é percebida como “a ocultação do Criador”. Devido ao fato de essa parte não poder perceber o Criador, há um vazio entre ela e Ele, gerado pelas características egoístas dela.

                Se o Criador desejar trazer a parte separada mais próximo de Si mesmo, então o vazio escuro entre o Criador e a parte conferirá a ela uma sensação de desesperança. Se, por outro lado, o Criador não desejar atraí-la mais para Si mesmo, então não se sentirá o vazio em absoluto. A distância entre a parte e o Criador é que não é percebida, simplesmente. O próprio Criador não é sentido pela parte, que, em suma, pode apenas imaginar como é percebê-lo

                O vazio escuro, percebido pela parte, é experimentado como nosso sofrimento normal, causado por dificuldades materiais, doenças ou por problemas familiares

                Porém, assim como o Criador constrói o entorno ambiental da parte, também é capaz de influenciá-lo. Como e com que propósito isso acontece? O Criador leva-nos a um estado de miséria tão insuportável – por meio de problemas em nosso ambiente, com filhos, familiares, trabalho; dívidas, doenças -, que a vida parece uma carga além de toda resistência. Isso acontece, a fim de demonstrar que, para nos salvar do sofrimento, devemos nos livrar de todo o egoísmo.

                Percebemos que essa condição miserável ocorre como resultado de nossas ambições e de nossa tentativa de conseguir coisas. Depois, um desejo de não desejar nada é despertado em nós. Em outras palavras, não temos mais nenhum tipo de interesse pessoa, visto que eles somente nos trazem sofrimento.

                Por conseguinte, não temos outra opção, senão suplicar ao Criador que nos salve do egoísmo. Isso nos obriga a nos esforçar para superar todos os nossos problemas, os quais nos trazem sofrimento.

                Por essa razão, o Rabino Ashlag escreve em sua Introdução ao Talmud Esser Sefirot (parágrafo 2): “Mas, se escutares com teu coração uma famosa pergunta, tenho a certeza de que todas as tuas dúvidas sobre dever estudar a Cabala desaparecerão sem deixar rastro”.

                Isso é assim, porque essa pergunta – que chega direto do coração, em vez da inteligência ou do conhecimento – é a pergunta sobre o significado de nossa vida, o significado de nosso sofrimento – que é muito maior que nosso prazer -; sobre aquelas dificuldade da vida que, com freqüência, fazem a morte parecer um alívio e uma liberação fácil. E, por fim, de fato o torvelinho da dor não se detém, até que deixamos esta vida, desgastados e devastados.

                Quem se beneficia com isso? Ou, mais precisamente, a quem beneficiamos? O que mais uma pessoa deve esperar esta vida? Mesmo que cada um de nós esteja inconscientemente incomodado com  tal pergunta, algumas vezes ela nos golpeia de forma  inesperada, enlouquecendo-nos, tornando-nos incapazes de fazer qualquer coisa, bloqueando nossa mente, afundando-nos  em um abismo escuro de desesperança, em que refletimos a percepção de nossa própria insignificância.

                Em resposta, optamos por continuar sendo empurrados pela corrente da vida, sem refletir com muita profundidade sobre a pergunta na qual ninguém quer nem sequer pensar. Não obstante, ela permanece latente em nós com toda a sua força e amargura

                Ás vezes a trazemos à tona sem querer, perfurando nossa mente e nocauteando-nos. Continuamos como antes, enganando-nos a nós mesmos, ao nos deixarmos à deriva na correnteza da vida, assim como antes. No entanto, o Criador oferece-nos tais sensações, para que percebamos, gradualmente, que todas as nossas desgraças e toda a nossa angústia provêm do fato de termos um grande interesse pessoal no resultado de nossas ações.

                Nosso egoísmo, nossa natureza e essência são os que nos fazem agir  em “nosso próprio benefício”. E, devido ao fato de que nossos desejos nunca são satisfeitos, continuamos sofrendo.

                Porém, se anulássemos todos os nossos interesses pessoais, em qualquer área, romperíamos imediatamente as cadeias de nosso corpo, e experimentaríamos nosso mundo livre de dor e angústia.

4.1 – O método para se livrar da escravidão do egoísmo encontra-se na Cabala

              O Criador intencionalmente colocou nosso mundo, com toda sua miséria, entre Ele e nós. Fez isso, para nos ajudar a perceber a necessidade de nos livrarmos do egoísmo, visto que este é a causa de todo nosso sofrimento. Eliminar o sofrimento e sentir o Criador – a fonte de todo o prazer – somente é possível, se realmente desejarmos nos desfazer de todo o egoísmo.

                 Nos mundos espirituais, os desejos são equivalentes às ações, pois os desejos – genuínos e sinceros – conduzem imediatamente à sua realização. Em geral, o Criador leva-nos a uma resolução firme e definitiva, para que nos desfaçamos de todos os interesses pessoais em qualquer situação na vida.

                 Ele nos faz padecer, a tal ponto que deixar de sofrer torna-se nosso único desejo. Isso é possível somente se não tivermos absolutamente nenhum interesse pessoal ou egoísta no resultado de qualquer assunto que se apresente em nossa vida.

                 Mas onde está, então, nosso livre arbítrio? Onde está a liberdade de escolha para decidir que caminho seguir, ou o que escolher na vida?

             O Criador empurra o indivíduo a escolher uma solução em particular. Faz isso, colocando a pessoa em meio a tal miséria, que a morte parece preferível à vida. Porém, Ele não dá à pessoa a força necessária para acabar com sua existência miserável, e, assim, livrar-se do sofrimento. Pelo contrário, o Criador, repentinamente, dá à pessoa um vislumbre da única solução, que aparece como um raio de sol através de nuvens compactas. A solução não está na morte, nem em fugir da vida. Está em libertar a si mesmo de interesses pessoais mundanos. Essa é a única solução; somente isso pode nos trazer paz e descanso do sofrimento insuportável.

                 Não há liberdade de escolha nesse processo; um individuo é forçado a optar por isso, para livrar-se do sofrimento. O livre arbítrio existe, quando tenta avançar, encontrando a solução para seu estado prévio, fortalecendo a si mesmo, a fim de que o propósito de todas as suas ações seja somente em benefício do Criador. Viver para o bem de si próprio não traz nada além de sofrimento. O processo constante de se corrigir e de controlar os pensamentos é chamado de processo de refinamento.

            Os sentimentos de sofrimento, causados por interesses egoístas, têm que ser tão agudos, que uma pessoa deve estar preparada para “subsistir à base de um pedaço de pão e um gole de água e dormir no chão ao relento”. Portanto, ela deve estar preparada para fazer todo o necessário, a fim de se desfazer do egoísmo e dos interesses pessoas na vida.

                 Quando a pessoa alcançar a condição descrita, e se sentir confortável com ela, então entrará no reino espiritual, conhecido como o mundo vindouro (“Olam Habah”). Nesse sentido, o sofrimento pode conduzi-la a decidir que a renúncia ao egoísmo lhe seria beféfica. Como resultado de seus esforços, constantemente recordando sofrimentos passados, mantendo e fortalecendo essa resolução em seu coração, pode alcançar um estado em que a razão de ser e a execução de todos os seus atos seriam somente em benefício do Criador.

                 Com relação a si mesma, com exceção das necessidades de sua carência, ela tremeria até pensar em benefício pessoal e prazer, por medo de experimentar, uma vez mais, o insuportável sofrimento causado pelo interesse pessoal.

                 Se tiver conseguindo expulsar todos os pensamentos egoístas de sua mente, até mesmo aqueles sobre as coisas mais essenciais, dir-se-ia que essa pessoa atingiu a etapa final de abandonar sua próprias necessidades. Em sua vida normal, acostumou-se a não pensar apenas em si mesmo e em suas relações interpessoais, sua família e seu trabalho, em todas as ações de nosso mundo. Exteriormente, se parecerá com qualquer outra pessoa que a cerca. Em seu corpo, de acordo com o princípio de que o hábito torna-se uma segunda natureza, não haverá nenhum remanescente de seus interesses pessoais. Desse ponto em diante, pode passar à etapa seguinte de sua vida espiritual, e pode começar a desfrutar – agradando ao Criador.

                Não obstante, esse deleite já não é mais para o ser, mas apenas para o Criador, pois a pessoa terá “aniquilado” toda a necessidade do prazer pessoal no ser. Por essa razão, esse novo prazer é infinito no tempo e insondável em magnitude, fato pelo qual não é limitado pelas necessidades pessoais de um indivíduo. Somente nesses ponto, a pessoa poderá ver quão bom e magnífico é o Criador, por lhe ter oferecido a oportunidade de atingir essa felicidade extraordinária de união com Ele – em amor eterno.

4.2 – Deixe que a Cabala seja seu guia

uma pessoa.

           A primeira traz consigo sofrimento e duras experiências, até que a pessoa se liberte do egoísmo. Mas, tendo passado por ela e tendo conseguido se livrar de todos os seus desejos pessoais, sendo capaz de dirigir todos os seus pensamentos para o Criador, então a pessoa começa uma nova vida, cheia de regozijo espiritual e tranqüilidade eterna, tal como originalmente surgiu pela vontade do Criador, no começo da Criação.

                Não é necessário, porém, para acostumar o corpo à renúncia ao egoísmo, seguir o sendeiro da autonegação total, até o ponto de estarmos satisfeitos com um pedaço de pão, um gole de água e um descanso sobre a terra. Em vez de suprimir forçosamente nossos desejos físicos, foi-nos concedida a Cabala, e sua luz, que pode nos ajudar a nos livrarmos do egoísmo, origem de todo o infortúnio.

                 Isso significa que existe uma força, chamada luz da Cabala, que permite à pessoa transcender os desejos do corpo.

                 No entanto, a força espiritual contida na Cabala poderá afetar o individuo apenas se ele acreditar que ela o ajudará, que é necessária para ele sobreviver, em vez de perecer ao experimentar sofrimentos insuportáveis. Isto é, ela o atingirá apenas se ele acreditar que o seu estudo o conduzirá à sua meta, e o ajudará a obter a esperada recompensa: a liberdade do desejo egoísta.

                Uma pessoa que sente ser essa uma necessidade vital está constantemente lutando para encontrar maneiras de se libertar. Ao estudar a Cabala, busca as diretrizes para se livrar da prisão do interesse egoísta. Uma pessoa pode deduzir quão é a fé na Cabala, pode ter percepção da sua necessidade de estudá-la e de buscá-la. Se seus pensamentos estiverem constantemente ocupados na busca da liberdade do egoísmo, pode-se dizer que já tem fé absoluta. Isso é possível apenas se, de verdade, sentir que não poder encontrar uma escapatória para sua situação é pior que morrer, porque o sofrimento causado pelo interesse pessoal é realmente imensurável.

                 Somente se a pessoa buscar verdadeiramente alívio, e com determinação, a luz da Cabala a ajudará. Somente então será dotada da força espiritual que lhe permitirá sair de seu próprio ego. E somente então será verdadeiramente livre.

              Por outro lado, para quem não sentir uma necessidade tão urgente, ou nenhuma necessidade, a luz da Cabala se tornará escuridão. Portanto, quanto mais estudar, mais a fundo mergulhará em seu egoísmo, pois não utilizará essa sabedoria para seu único e verdadeiro propósito.

                 Quando uma pessoa começa a estudar a Cabala, e abre um dos livros de Rashbi, Ari, do rabino yehuda Ashlag ou do rabino Barucha Ashlag, sua meta deve ser obter uma recompensa: receber do Criador o poder da fé; e ter êxito em encontrar uma maneira de mudar. Dessa recompensa, resulta o aumento de sua fé. A pessoa deve adquirir a confiança de que, até mesmo em seu estado egoísta, é possível receber o presente do Alto, que é como uma ponte para um estado oposto.

                Mesmo se ela ainda não experimentou todo o sofrimento que a forçaria a renunciar a todos os seus interesses pessoais na vida, de qualquer maneira a Cabala a ajudará; em vez do sofrimento, receberá outro modo de transitar por seu caminho.

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5 – O PROPÓSITO DE ESTUDAR A CABALA

                A luz que emana das escrituras dos grandes cabalistas nos ajudará a superar dois desafios: nossa teimosia e nossa tendência a esquecer o sofrimento causado por nossa obstinação. A prece é o caminho para toda correção, a qual será vista pelo Criador em nossos corações.

                Quando nos dedicamos por completo à oração, conseguiremos todo alívio que buscamos; toda correção de que precisarmos.

           No entanto, com o propósito de atingir a correção, devemos nos entregar por completo a esse esforço – de corpo, mente e espírito. A verdadeira oração, e sua respectiva resposta, isto é, o alívio, chegam somente com a condição de que a pessoal se tenha comprometido a realizar o máximo esforço, voltando-se por completo para isso, tanto quantitativa quanto – mais importante ainda – qualitativamente.

            Porém, é somente por meio do estudo apropriado da Cabala que podemos aprender a como erradicar nossos egos e, assim, atingir a redenção pessoal. Nosso anseio por alívio deve ser suficientemente forte, para que nos comprometamos totalmente e estudá-la – incapazes de sermos desviados, sequer por um momento, da busca de nós mesmos na sabedoria da Cabala.

               Não obstante, se ainda não tivermos sido encurralados pelo sofrimento como um animal assustado dentro de sua jaula, e se ainda sentirmos falta do prazer nos mais profundos recantos do coração, então não perceberemos que o egoísmo ainda vive dentro de nós. Ele é o inimigo que devemos vencer. Enquanto não o fizermos, não seremos capazes de superar nossa angústia e de fazer um esforço total para encontrar na Cabala a força e o caminho para fugir dos confins de nosso próprio egoísmo. A liberdade não será nossa, enquanto não vencermos o ego que habita dentro de nós.

                 Porém, apesar de estarmos cheios de determinação para esse único propósito, ao começarmos estudar. Assim como foi mencionado antes, nossos desejos determinam nossos pensamentos, e nossas mentes agem como instrumentos de suporte. Nossas mentes simplesmente procuram os meios para satisfazer a vontade e os desejos de nossos corações.

5.1 – Qual a diferença entre estudar a Cabala e os outros sistemas?

               A resposta é simples: é somente por meio do estudo da Cabala que podemos encontrar a força capaz de nos libertar das cadeias do egoísmo.

         Ao estudá-la, somos capazes de examinar, em primeira mão, as descrições dos atos do Criador, Suas características, as nossas e as disparidades com relação às do espírito. A Cabala nos fala da meta do Criador para Sua Criação e das formas de corrigir nossos egos.

                 Vemos a luz da Cabala – a força espiritual que nos ajuda a derrotar o egoísmo – apenas ao estudarmos sua sabedoria. Os outros elementos desses ensinamentos apenas nos levam, contra nossa vontade, a uma discussão sobre ações materiais e assuntos legais.

                 Algumas pessoas talvez estudem a Cabala somente para ampliar seus conhecimentos; assim sendo, não serão capazes de extrair a luz que emana de seus textos. Só os que se comprometem com seu estudo a fim de se superar receberão esse beneficio.

                 A Cabala é um estudo do sistema de nossas raízes espirituais. Tal sistema emana do Alto. Estudamos de acordo com as leis escritas, que, quando se fundem, apontam para um único propósito supremo: “A revelação da grandeza do Criador, de modo que esta seja compreendida pelas criações neste mundo”.

                 A Cabala, isto é, a percepção do Criador, consiste em duas partes: o trabalho escrito dos que já perceberam o Criador – os cabalistas; e o corpo do conhecimento, que é percebido apenas por aqueles que adquiriram os vasos, ou recipientes, espirituais e os anseios altruístas, nos quais podem receber sensações espirituais ou as percepções do Criador.

                 Se, depois de atingir a elevação espiritual, sucumbirmos diante dos desejos impuros, então os bons desejos que tínhamos durante nossa elevação espiritual se acoplarão aos desejos impuros. O acúmulo destes últimos diminui gradualmente e continua assim, até que nos tornamos capazes de ficar permanentemente no estado elevado de ter somente desejos puros.

                 Quando tivermos completado nosso trabalho, e revelado a nós mesmos todos os nossos desejos, receberemos uma luz divina, tão imensa que cobre nosso mundo e nos leva para morar de forma permanente no mundo espiritual. Na verdade, aqueles que nos cercam nem sequer terão consciência disso.

                 A linha direita denota uma condição na qual, de acordo com nosso ponto de vista, o Criador está sempre no lado correto, fato pelo qual justificaremos a supervisão do Criador em tudo. Esse estado, como já foi dito, chama-se .

                 Desde as primeiras tentativas de desenvolvimento e elevação espirituais, devemos procurar agir como se já houvéssemos alcançado a fé completa no Criador. Devemos imaginar que já podemos sentir, com toda nossa essência, que o Criador rege o mundo com suprema benevolência, e que o mundo inteiro recebe d’Ele nada mais que bondade.

              Mas, depois de examinar nossa própria situação, é possível que ainda estejamos privados de tudo o que desejamos. Olhando ao nosso redor, pode ser que vejamos o mundo inteiro sofrendo, cada pessoa a sua maneira. Apesar disso, devemos dizer a nós mesmos que o que estamos vendo é uma imagem distorcida do mundo, como se ele fosse visto através de lente de nosso próprio egoísmo, e que o quadro verdadeiro do mundo nos será revelado apenas ao alcançarmos o estado de total altruísmo. Somente então veremos que o Criador governa o mundo com o seguinte propósito: conduzir Suas criações a um gozo absoluto.

              Diante de tal situação, quando nossa fé na absoluta benevolência do Criador prevalecer acima do que vemos e sentimos, experimentaremos um estado chamado fé acima da razão.

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6 – O PROGRESSO ESPIRITUAL

                Assim como somos incapazes de determinar corretamente nossa verdadeira condição, também não podemos discernir se estamos em uma etapa de ascensão ou descensão espiritual. Porém, é possível que sintamos que nos encontramos em um revés espiritual; de fato, provavelmente seja a Vontade do Criador, mostrando-nos nosso estado real. Isso evidencia que, sem a auto-indulgência, somos incapazes de funcionar, e nos entregarmos imediatamente ao desespero. Até mesmo a depressão e a raiva podem resultar do fato de nossos corpos não estarem recebendo suficiente prazer com uma vida assim.

                Diz-se que “quem aumenta seus conhecimentos também aumenta sua dor”. Por outro lado, a sensação de que a pessoa esta experimentando a ascensão espiritual pode ser simplesmente um estado mal- interpretado de que auto-indulgência e de complacência.

                Somente quem já percebe o Criador e Sua Divina Providência sobre as criações pode determinar corretamente a condição espiritual na qual se encontra.

                De acordo com isso, é fácil entender que, quanto mais avançarmos ao longo do caminho de auto-superação, em uma tentativa de corrigir nosso egoísmo, e quanto mais esforço fizermos para melhor e estudar, mais cresceremos para poder entender nossas próprias caracterísitcas.

                Com cada tentativa, com cada dia que passa, com cada volta, desiludimo-nos mais e mais com nossa própria habilidade de alcançar qualquer coisa. Quanto mais nos desesperamos em nossas tentativas, mais crescem  nossas queixas do Criador. Depois, exigimos ser resgatados do escuro abismo, esse calabouço de desejos físicos no qual nos encontramos.

                Desse modo, os acontecimentos transcorrem até ter-se esgotado nosso próprio potencial, e, tendo feito tudo o que está em nosso alcance, percebemos que não temos a capacidade de nos ajudar a nós mesmos. Devemos, então, nos dirigir ao Criador, que coloca esses obstáculos em nosso caminho, justamente a fim de nos obrigar a recorrer a Ele para pedir Sua ajuda e para fazer surgir em nós o desejo de estabelecer um vínculo com Ele.

                Porém, para que isso aconteça, nossas súplicas devem provir das profundezas de nossos corações. Isso não é possível alcançar até que tenhamos esgotado todas as possibilidades e tomado consciência de que permanecemos desvalidos.

                Somente uma súplica que surja das profundezas de todo nosso ser, e que se tenha tornado nosso único desejo – para que entendamos que só um milagre divino pode nos salvar de nosso pior inimigo: nossos próprios egos – será respondida pelo Criador. Ele substituirá o coração egoísta pelo espiritual, Ito é, “um coração de pedra por um de carne”.

                Enquanto o Criador não retificar nossa condição, não progrediremos e pior nos sentiremos sobre nós mesmos.

                Na realidade, sempre fomos assim, mas, até certo grau, tendo captado os atributos dos mundos espirituais, começamos a sentir qual hostis são nossos desejos pessoais para entrar nesses mundos.

                Não obstante, apesar de nos sentirmos cansados e desamparados, de qualquer maneira podemos retomar o controle sobre nossos próprios corpos. Então, tendo pensado cuidadosamente e concluído que, ao que parece, não há saída para nosso estado, pode ser que entendamos a verdadeira causa de tais emoções e nos forcemos a nos sentir felizes e otimistas.

                Ao fazê-lo, atestamos nossa confiança na justiça que governa o mundo e na benevolência do Criador, bem como em Seu Domínio sobre o mundo. Por conseguinte, ao fazê-lo, nós nos tornaremos pessoas espiritualmente adequadas para receber a luz do Criador, porque basearemos toda nossa perspectiva do que nos cerca na fé, elevando-a acima da razão.

                Não há momento mais precioso na vida de quem se encontra avançando espiritualmente do que aquele em que percebe que todas as suas energias se esgotaram, todos os esforços foram feitos, mas a meta ainda não foi alcançada. Só nesse instante a pessoa pode, como sinceridade, do fundo do coração, apelar ao Criador, porque então fica claro que os esforços próprios serão totalmente inúteis.

                Mas, antes de reconhecer a derrota, quem busca tem ainda certeza de que não precisará de nenhuma outra ajuda para atingir o objetivo desejado. Ainda incapaz de implorar de maneira suficientemente sincera para receber assistência, a pessoa cai vítima da voz enganosa do ego, que a incita a, em vez de pedir ajuda, realizar um esforço ainda mias intenso para atingir a meta.

                Por fim, quem busca perceberá que, na luta contra o ego, este é o mais forte dos dois combatentes, e que é preciso apoio para derrotá-lo. Apenas então a pessoa percebe a própria insignificância, e a inépcia de conquistar o ego, e perceber que está preparado para fazer reverência ao Criador e implorar Sua ajuda.

                Porém, quando o buscador chegar a esse estado lamentável ficará claro que só as preces fervorosas para o Criador podem elevá-lo das profundezas de sua própria natureza.

6.1 – Fé: crer na unicidade do Criador

                A fé na unidade do Criador implica ver o mundo inteiro, incluindo a nós, como o vaso nas mãos d’Ele. E, ao contrário, se pensarmos que, de qualquer forma, somo capazes de influenciar os acontecimentos, isso significa que acreditamos na presença de múltiplas e diversas energias no mundo, em vez de acreditar somente na vontade do único Criador.

                Portanto, ao destruir nosso próprio ego, podemos reconhecer a verdadeira condição do mundo, onde nada existe, exceto a Vontade do Criador. Até então, porém, não teremos o mérito de agir como aqueles que crêem em Sua unicidade. Assim, nosso progresso espiritual permanecerá estanque.

                A única maneira de nos convencermos da unidade do Criador é por meio do trabalho árduo em nós mesmo e mediante o cultivo de aspirações pessoais apropriadas. Somente tendo conseguido a unidade absoluta com o Criador em todas as nossas percepções, Ito é, tendo ascendido ao mais alto nível dos mundos, poderemos compreender Sua unicidade. Só então poderemos proceder em concordância com essa visão precisa da realidade.

                Antes de alcançar essa condição, devemos agir de acordo com o nível no qual nos encontramos, e não com o que fantasiamos e sonhamos. A fim de melhorar nosso nível atual de uma maneira genuína, devemos combinar a confiança e nossos próprios poderes no começo do trabalho, com a crença de que o que conseguirmos como resultado de nosso próprio esforço teria ocorrido de qualquer maneira.

                Devemos tomar consciência de que todo o universo desenvolve-se de acordo com o plano do Criador e de acordo com Sua idéia da Criação. Podemos dizer que tudo transcorre de acordo com o Criador, mas somente depois de termos realizado nossos melhores esforços.

                Esta além da compreensão humana entender a essência de qualidades espirituais como o altruísmo e o amor totais.

                Isso acontece pela simples razão de que os seres humanos não conseguem compreender como podem existir tais sentimentos, visto que, ao que parece, todos precisam de um incentivo para levar a cabo qualquer ação.

                De fato, sem nenhum proveito pessoal, as pessoas não estão dispostas a se entregar por completo. Por isso, uma qualidade como o altruísmo não nos pode ser dada pelo Divino e somente quem a experimentou pode entendê-la.

                Mas, se essa qualidade nos é concedida pelo céu, por que, então, deveríamos procurar alcançá-la? Não falhariam nossos esforços para produzir algum resultado por nós mesmos, enquanto o Criador não nos ajudar e nos consignar novas qualidade e uma ova forma de ser?

                O fato é que devemos rezar com humildade e pedir que essas mudanças ocorram. Temos que expressar um forte desejo, para que o Criador mude nossas qualidades, e somente se o desejo for real e verdadeiramente intenso será atendido por Ele. Também devemos fazer um grande esforço para que esse desejo seja suficientemente forte, a fim de que o Criador o torne realidade.

                Enquanto procurarmos atingir a meta, perceberemos gradualmente que não temos nem a capacidade nem a habilidade de atingi-la por nós mesmos. Então, teremos uma exigência real a fazer para o Criador: libertar-nos dos impedimentos de nossas velhas qualidades e conceder-nos uma nova característica, isto é, uma alma.

                Mas isso é impossível de acontecer, a menos que primeiro tentemos aplicar todas as nossas forças e habilidades para mudarmos por nós mesmos. Somente depois de nos termos convencido de que esses esforços não trazem resultados e de suplicarmos Sua ajuda – das profundezas de nossos corações -, o Criador nos responderá.

                Podemos exteriorizar esse clamor por ajuda para mudar nossas qualidades só depois de termos descoberto que nem nossos desejos nem um único membro de nosso corpo, aceitam essa mudança de natureza, a tal ponto que nos entregaremos incondicionalmente ao Criador. De fato, a medida de nosso desejo de permanecer como escravos de nossa natureza é igual à de nos tornarmos escravos do altruísmo.

                De tato, só depois de percebermos que não há esperança de que nossos corpos jamais aceitem tamanha mudança é que poderemos apelar ao Criador, do fundo de nossos corações, para que nos auxilie. E só então, Ele aceitará nossa súplica, e responderá substituindo todas as nossas qualidades egoístas pelas altruístas, a fim de que, assim, nos aproximemos d’Ele.

                Se considerarmos que somos obrigados a trabalhar neste mundo contra Sua vontade, então, afinal de contas, qual será o resultado de nossos esforços? Qual será o motivo de nossos esforços neste mundo? Quando levarmos em conta tais perguntas, chegaremos à conclusão de que trabalhar para mudar não é tão difícil quanto provavelmente pensamos. E, quando conseguirmos a mudança, nossas qualidades modificadas nos terão revelado os grandes prazeres resultantes de nossos esforços internos.

                O prazer surge quando vemos pelo que estamos trabalhando. Portando, consideramos nossos esforços não como algo problemático, mas como fonte de alegria. Quanto maiores forem nossos esforços, mais felizes ficaremos ao receber essas novas qualidades, pois, por cada uma delas, imediatamente sentiremos uma recompensa grande e duradoura.

                Até mesmo em nosso mundo podemos ver como o entusiasmo e a exaltação tornam mais fácil realizar intensos esforços. Quando temos um grande respeito por alguém, e do nosso ponto de vista essa pessoa é a mais elevada do mundo, tudo o que fazemos por alguém tão digno de nossa estima é realizado com alegria e gratidão, simplesmente por ter a oportunidade de servi-lo

                Os maiores esforços parecerão prazerosos. Assim como adoramos dançar ou nos exercitar, nosso trabalho não será considerado como tal, mas sim como prazer.

                Por essa razão, quem percebe e reconhece a grandeza do Criador sente alegria pela oportunidade de agradá-lo. O que, a principio, parecia escravizante, torna-se liberdade cheia de prazeres. Como conseqüência, se nossas aspirações espirituais nos chegarem com dificuldade, e, se tivermos que realizar formidáveis esforços para alcançar o espiritual, isso nos deve indicar que o Criador ainda não é suficientemente grande, do nosso ponto de vista ou nossa percepção, e que nossa atenção está sendo desviada para outras metas que não a conquista do espiritual.

                Enquanto perseguirmos esses objetivos alternativos, não receberemos apoio do Criador e somente nos afastaremos cada vez mais de nossa meta principal.

                Mas, mesmo ao aspirarmos chegar ao Criador, não receberemos Seu apoio espiritual de imediato.

                Se recebêssemos inspiração imediata e alegria por nossos esforços, então nossos egos se regozijariam e continuaríamos esmerando-nos somente pelo prazer resultante. Teríamos perdido a oportunidade de transcender nossa natureza egoísta  e de nos elevarmos para o altruísmo puro. Em termos ideais, deveríamos estar apenas interessados nos prazeres derivados do auto-aprimoramento espiritual – superior a qualquer outro.

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7 – NOSSAS PERCEPÇÕES

                Quando realizamos um trabalho específico, gradualmente desenvolvemos uma compreensão especial sobre os objetos e a linguagem que o envolve. Por conseguinte, não há nada no mundo que não possamos começar a experimentar como resultado de um hábito, mesmo sem entender previamente o objeto em particular.

                Porém, operamos sob uma limitação fundamental de nossa percepção e entendimento: sentimo-nos separados do objeto percebido. Há alguém que percebe, e há um objeto percebido por esse alguém. Similarmente, existe a pessoa que compreende e, separadamente, o objeto de sua compreensão. Certo contato entre quem percebe e o objeto da percepção é necessário para que ocorra o processo da percepção: uma ligação, algo que uma a amos, algo que tenham em comum durante a percepção. Podemos captar todo nosso eterno somente por meio de nossa percepção. O que percebemos é considerado informação veraz e confiável.

                Não obstante, devido ao fato de sermos incapazes de ver tudo o que nos cerca objetivamente, assumimos que o panorama criado por nós mediante nossos sentidos é verdadeiro Não sabemos como é o universo além de nossos sentidos, ou como pareceria para seres com um conjunto de sentidos diferentes dos nossos. Isso porque adquirimos nosso sentido da realidade do modo como percebemos o ambiente que nos cerca; assumimos que nossos sentidos são exatos e aceitamos como verdadeiro o panorama da realidade que percebemos.

                Se assumirmos que nada existe no universo salvo o Criador e Suas criações, poderemos dizer que o panorama  as percepções de cada um de nós são os meios pelos quais o Criador se apresenta diante de nossa consciência. Em cada etapa da elevação espiritual, este quadro se aproxima cada vez mais do verdadeiro. No final, na etapa final de elevação, podemos perceber o Criador e nada além d’Ele. Portanto, todos os mundos, assim como tudo o que acreditamos que há fora de nós, de fato existe somente em relação a nós; isto é, em relação a quem percebe a realidade desse modo em particular

                Se não percebemos o Criador, ou Seu domínio sobre nós neste exato momento, então se pode dizer que permanecemos “na escuridão”.

                Não obstante, não podemos determinar a ausência de sol no universo porque nossas percepções são subjetivas. Somente nós construímos a realidade dessa maneira.

                Porém, se nos conscientizarmos de que nossa negação do Criador e do divino domínio é puramente subjetiva e propensa a mudanças, então ainda poderemos começar nossa elevação espiritual mediante força de vontade e com a ajuda de vários textos e mestres. Além disso, ao iniciarmos nossa ascensão espiritual, possivelmente perceberemos que o Criador fez a condição de escuridão com o único propósito de nos obrigar a desenvolver a necessidade de Sua ajuda, a fim de nos levar para perto d’Ele.

                Na realidade, o Criador fez tais condições especificamente para aqueles indivíduos que Ele deseja aproximar. Desse modo, é importante percebermos que a elevação de um indivíduo do estado de escuridão traz deleite ao Criador, pois, quanto maior for a escuridão da qual uma pessoa tenha emergido, mais claro será seu reconhecimento da grandeza do Criador e maior será seu apreço por seu novo estado espiritual.

                Mas, mesmo na escuridão, mesmo cegos ao domínio do Criador e carentes de fé n’Ele, ao utilizar nossa força de vontade podemos encontrar uma saída para a escuridão – com a ajuda de um livro ou de um mestre -, até que percebamos pelo menos um raio minúsculo de luz, uma frágil percepção do Criador.

                Então, ao fortalecer esse raio de luz cultivando constantes pensamentos no Criador, podemos sair da escuridão, e entrar na luz. Indo ainda mais além, se percebermos que esses estados de escuridão são necessários para o avanço espiritual, e até mesmo desejáveis e enviados a nós pelo próprio Criador, então eles serão bem-vindos.

                Reconheceremos que o Criador nos ofereceu o presente de perceber sombras, ou a escuridão absoluta, a fim de que possamos buscar a fonte de luz. Porém, se não aproveitarmos a oportunidade de convergir com a luz, então o Criador se ocultará de nós por completo.

                A escuridão absoluta prevalecerá, trazendo consigo a sensação de ausência do Criador e de Seu domínio, Depois, não entenderemos mais como e por que as metas espirituais foram contempladas, e como a realidade e a razão pessoal poderiam ter sido ignoradas.

                Essa escuridão absoluta continuará até que o Criador faça brilhar em nós um sutil raio de luz

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8 – A ESTRUTURA DA ESPIRITUALIDADE

                Os desejos de uma pessoa, como dissemos, chamam-se vasos, os quais podem ser de luz espiritual ou prazer. Porém, em essência, os desejos de uma pessoa devem ser similares às qualidades da luz espiritual. Do contrário, a luz não poderá penetrar a pessoa, seguna a Lei de Equivalência da Forma dos Objetos Espirituais.

                A atividade dos objetos espirituais – sejam próximos ou distantes, ou se fundindo e se unificando – sempre se baseia no princípio de semelhança das propriedades.

                O Criador conferirá a uma pessoa o que esta deseja: voltar ao Criador.

                Portanto, o coração de uma pessoa, que é seu vaso, será preenchido com a percepção do Criador no mesmo grau em que o egoísmo foi expulso. Isso está de acordo com a Lei de Equivalência das Qualidades entre a luz e o Vaso.

                Podemos, de fato, dar início a nossa ascensão espiritual a partir de qualquer condição na qual nos encontramos. Simplesmente devemos perceber que, de todas as condições possíveis, variando da mais alta até a mais baixa, o Criador escolheu a situação na qual estamos atualmente como a melhor para começar no caminho do avanço espiritual

                Portanto, não pode haver outro esquema mental, emocional ou de circunstâncias externas mais apropriado ou benéfico para nosso progresso do que as circunstâncias nas quais nos encontramos, embora pareçam deprimentes ou nada esperançosas. Ao percebermos isso, podemos nos regozijar com a oportunidade de pedir ajuda ao Criador e de agradecer, mesmo estando na mais desgraçada das situações.

                Algo é catalogado de espiritual, se for eterno e, portanto, não desaparecerá do universo mesmo depois de alcançar a meta definitiva. Por outro lado, o egoísmo – todos os desejos originais natos e a essência do ser humano – é considerado meramente material, já que, uma vez corrigido, desaparece.

                Nossa essência permanece até o fim da correção, quando apenas a forma muda. Se nossos desejos forem corrigidos, e se tornarem altruístas, ainda assim nossas qualidades negativas natas nos impedirão de compreender o Criador.

                A existência de um lugar espiritual não está relacionada com nenhum atual. Todos os que alcançam esse estado depois de corrigir suas qualidades espirituais podem ver e perceber as mesmas coisas.

                A escada do Criador abarca 125 níveis. Estes dividem-se de maneira uniforme entre cinco mundos espirituais, que são os Mundos: de “Adam Kadmon”, de “Atzilut”, de “Beriah”, de “Yetzirah” e o de “Assiyah”.

                Cada nível provê uma percepção diferente do Criador, dependendo de suas propriedades em particular. Por conseguinte, quem adquiriu as propriedades de um nível específico vê a Cabala e o Criador de uma maneira completamente nova. Quem atinge um nível específico do mundo espiritual recebe a mesma percepção que todas as demais pessoas no mesmo nível que o seu.

                Quando os cabalistas disseram “Assim disse Abraão a Isaac”, significa que eles se encontravam no mesmo nível que Abraão. Assim, entenderam como Abraão respondeu a Isaac, pois, em seu estado espiritual, eram como Abraão.

                No transcurso de sua vida, o cabalista Rabino yehuda Ashlag alcançou todos os 125 níveis. Desse lugar elevado, ele ditou a Cabala que podemos desfrutar nesta geração. Desse nível, escreveu seu comentário sobre o Zohar, a obra-prima da Cabala.

                Cada um dos 125 níveis existe objetivamente. Todos aqueles que percebem cada um deles vêem as mesmas cercanias, se estão no mesmo lugar.

                Assim que conseguirmos o mais ínfimo desejo altruísta, poderemos embarcar em um caminho de ascensões e descensões espirituais. Em um momento, estaremos dispostos a nos anular completamente mediante o Criador, mas no momento seguinte isso nem nos passará pela cabeça. De repente, a ideia de uma elevação espiritual se tornará absolutamente alheia a nós e será extraída de nossas mentes.

                É igual à maneira como uma mãe ensina seu filho a caminhar. Ela o leva pela mão, para que sinta seu apoio, e, depois, retira-se subitamente, deixando-o ir. Quando a criança se sente totalmente abandonada e carente de apoio, vê-se obrigada a dar um passo em direção a mãe. Somente desse modo pode aprender a andar de maneira independente.

                Por conseguinte, embora pareça que o Criador nos abandonou subitamente, na realidade Ele está esperando que tomemos a iniciativa.

                Diz-se que o Mundo Superior encontra-se em estado de repouso absoluto. A palavra repouso, no mundo espiritual, significa que não há mudança no desejo.

                O desejo de conferir o bem nunca muda. Todos os atos e movimentos, tanto em nosso mundo emocional interno (egoísta) quanto no mundo espiritual (altruísta), têm a ver com a substituição de um desejo anterior por um novo.

                Se tal mudança não ocorresse, então nada de novo teria sucedido e não se produziria nenhum avanço. Isso se aplica, mesmo quando o desejo original persistente é vívido e muito intenso, sem dar paz ao indivíduo. Mas, se o desejo for invariável e consistente, então não haverá nenhum movimento.

                Nesse sentido, quando se diz que a luz superior está em um estado de repouso absoluto, significa que a vontade do Criador de nos beneficiar é firme e constante.

                Encontramo-nos no mar de luz, mas esse ponto em nós, ao qual chamamos nosso “Eu”, esta coberto por uma carapaça de egoísmo. Nesse estado, somos incapazes de desfrutar a luza, e simplesmente permanecemos flutuando

8.1 – FALSOS PRAZERES

                Os prazeres de nosso mundo, tal como são vistos  pela sociedade, podem ser divididos em muitos tipos: os símbolos de status (riqueza, fama), os de família (naturais), os criminais (aqueles experimentados às expensas da vida dos outros), os ilegais (experimentados a expensas da propriedade dos outros), os amorosos (românticos) e mais. Todos eles são entendidos pela sociedade, apesar de alguns serem condenados e castigados.

                Existe, porém, um certo tipo de prazer, inaceitável em qualquer tipo de sociedade, e que sempre gera protestos. Faz com que sejam gastas enormes somas na tentativa de combatê-los, apesar de o prejuízo causado à sociedade ser, para alguns, talvez, o mais insignificantes.

                Os viciados em drogas, por exemplo, em geral são pessoas sem pretensões, profundamente imersas em suas sensações internas. Por que, então, proibimos nossos semelhantes de se envolverem com prazeres que representam apenas uma “pequena ameaça à sociedade”? Por que simplesmente não lhe damos a oportunidade de desfrutar seus nada pretensiosos prazeres pacíficos, que não fazem mal aos outros, se comparados aos prazeres criminais, ilegais e outros?

                A resposta é que os falsos prazeres, como drogas, distraem-nos. Fazem com que nos esqueçamos de nós mesmos, de nossas verdadeiras metas, com que passemos toda nossa vida perseguindo-as, aturdidos.

                Será verdade, então que todos os objetos que nos atraem são falsos prazeres?

                A questão é que, em vez de buscarmos o prazer verdadeiro, e nos voltarmos para as coisas espirituais, buscamos a satisfação em modas que sempre mudam, em melhorar nossos estilos de vida e em fabricar novos artigos. É como se estivéssemos em uma corrida para perpetuar atraentes novos prazeres, a menos que sintamos que a vida não nos dá satisfação suficiente.

                Assim que alcançamos o que tanto sonhamos, imediatamente temos que estabelecer a meta seguinte, porque o que conquistamos logo perde seu atrativo.

                Mas, sem esperança de novos prazeres, sem buscá-los nem persegui-los, pareceria que não temos nenhum incentivo para viver. Portanto, não se poderia dizer que todos os nossos costumes e estilos de vida, tudo o que perseguimos constantemente, não são nada além de que outro tipo de droga?

                Qual é a diferença entre o prazer do viciado e o prazer mundano e material? Por que o Criador – a Supervisão Divina – opõe-se aos prazeres derivados das drogas? Por que nos faz aprovar legislações antidrogas neste mundo? Por que não aplicamos o mesmo enfoque a todos os demais prazeres materiais derivados dos objetos comuns deste mundo?

                As drogas são proibidas em nosso mundo justamente porque nos permitem fugir da realidade. Fazem com que sejamos incapazes de encarar os sopros e a beleza da vida, que são causados pela ausência de prazeres egoístas. Esses sopros são, de fato, meios para nos reformarmos, já que só uma pequena parte da população se volta para a religião e para a Cabala com o propósito de mudar.

                Paradoxalmente, dirigimos nosso olhar ao Criador em tempos de dificuldade, quando somos sacudidos pela dor. É raro que não nos afastemos do Criador durante esses tempos duros, visto que foi Ele quem nos enviou o sofrimento.

                As drogas são uma fonte de falso prazer e, portanto, proibidas. Aqueles que caem sob a influência das drogas estão sob uma ilusão de prazer que os impede de encontrar o caminho para o verdadeiro prazer espiritual. Por essa razão, elas são vistas pela sociedade – inconscientemente – como o mais perigoso vício, embora haja quem diga que não representam nenhum perigo imediato para outras pessoas.

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9 – UMA SÚPLICA DE AJUDA

A única coisa que o Criador criou em nós é nosso egoísmo. Se pudéssemos anular os efeitos de nosso egoísmo, de novo perceberíamos somente o Criador e o elemento egoísta desapareceria.

Ao trabalharmos sobre nós mesmos, devemos cultivar a consciência de nossa própria inferioridade em relação ao Criador e de nosso orgulho pelo fato de – como seres humanos – sermos o centro da Criação. Devemos coincidir essas ideias, para cumprirmos o propósito de toda Criação; do contrário, não seremos nada além de animais.

Como resultado de experimentar esses dois estados contraditórios, obteremos duas respostas para o Criador: a primeira é uma súplica de ajuda; a segunda, uma expressão de gratidão pela oportunidade de sermos elevados espiritualmente.

O principal meio de progresso espiritual é a súplica de ajuda que fazemos ao Criador, pedindo-lhe que aumente nosso anseio de alcançar o desenvolvimento espiritual. O pedido para que nos seja outorgada a força nos ajudará a superar nosso medo do futuro. Além do mais, ao nos opormos às inclinações de nossos egos, devemos aumentar nossa fé na grandeza, poder e unicidade do Criador.

Portanto, temos que Lhe suplicar que nos dê a habilidade de suprimir nossos constantes impulsos de agir de acordo com nossa própria razão. Alguns de nós insistimos em várias intenções durante as preces (“kavanot”), súplicas ou até mesmo certas ações

O Criador, porém não escuta as palavras que pronunciamos, mas lê os sentimentos que moram em nossos corações.

Portanto, não faz sentido gastar energia para expressar frases bonitas que não têm nenhum significado interior, ou ler símbolos obscuros ou “kavanot” dos livros cabalísticos de oração.

A única coisa que nos é pedida é ansiar pelo Criador com todo o nosso ser, para entender a essência de nossos desejos, e Lhe pedir que os modifique.

E, mais importante: nunca devemos deixar de nos comunicar com o Criador!

9.1 – EM MEMÓRIA DO CABALISTA RABINO BARUCH ASHLAG

O Criador age sobre nós usando vários elementos de nosso mundo. Na realidade, os eventos que experimentamos são mensagens do Criador. Se respondermos corretamente à ação divina, claramente captaremos o que o Criador espera de nós, e O perceberemos.

O Criador age sobre nós não somente por meio das pessoas ao nosso redor, mas também utilizando tudo o que existe em nosso mundo. A estrutura de nosso mundo é tal, que o Criador pode nos influenciar e nos aproximar mais da meta da Criação.

É raro sentirmos a presença do Criador nas situações cotidianas que precisamos enfrentar. Isso porque nossos atributos nos situam contrariamente a Ele e nos impedem de senti-Lo. Assim que adquirirmos atributos similares aos do Criador, começaremos a senti-Lo de forma proporcional.

Portanto, quando as tribulações nos sufocam é necessário fazermos-nos as seguintes perguntas: “Por que isso está acontecendo comigo?”, “Por que o Criador está fazendo isso comigo?”. Os castigos, como tais, não existem, embora muitos sejam mencionados na Biblia” (que inclui os Cinco Livros de Moisés, as Escrituras e os Profetas).

Há somente “incentivos” que nos forçam a corrigir nossos desejos egoístas. A consciência das coisas é apenas um mecanismo auxiliar que nos ajuda a entender apropriadamente o que sentimos.

Em qualquer momento em que imaginarmos nossas vidas, devemos pensar em uma gigantesca sala de aula, com o Criador onisciente atuando como professor, nos dando o conhecimento que estamos preparados para receber. Isso desperta, progressivamente, o sentimento do Criador em nosso recém-nascidos órgãos sensoriais espirituais.

O Criador fez uma escada móvel para nossa ascensão. Ela apareceu no sonho de Jacob, e foi descrita pelo Rabino Yehuda Ashlag, Baal Hasulam, e por seu filho, Baruch Ashlag. Com frequência, menosprezamos a fonte do conhecimento simbolizado nessa escada: somente por meio de nossos esforços, poderemos girar e começar a avançar em direção ao Criador. Essa é a razão pela qual Ele nos envia mestres, livros, bem como companheiros de estudo.

Os estudantes que seguem os ensinamentos da Cabala vivem no mundo físico e estão sobrecarregados por seu egoísmo. Por isso, não podemos entender de forma correta os sábios que estão fisicamente perto de nós, mas que também evoluem nos mundos espirituais. Aqueles que deixam de lado a razão e as opiniões alheias e seguem os caminhos expostos pelos escritores de livros autênticos dessa sabedoria serão capazes de ligar-se inconscientemente ao mundo espiritual. Isso porque não vemos, ou sentimos, o Criador em nosso mundo espiritual. Isso porque não vemos, ou sentimos, o Criador em nosso mundo e, portanto, nos é impossível fazer com que nosso egoísmo se renda diante d’Ele.

Os pensamentos de professores, ou especialistas, podem penetrar os estudantes e induzi-los à fé. Isso corresponde ao AHP (“Auzen, ouvido; “Hotem”, nariz; “Peh”, boca) espiritual do professor, que representa os vasos de recepção, descendendo à GE (“Galgata vê Einayim”, cabeça e olhos), que constitui os vasos de outorga do nível inferior (isto é, o nível do estudante).

Ascender ao nível de AHP do mestre significa vincular-se com sua sabedoria e seus pensamentos. Ainda que os estudantes se aprofundem no AHP de um texto de sabedoria, ascenderão temporáriamente, quando o mundo espiritual lhes será revelado.

Ao lermos as obras de cabalistas como Baal HaSulam e Shimon Bar-Yohai, unimo-nos diretamente com eles, por meio da luz circundante.

Então, somos iluminados, e nossos vasos de recepção são puificados. É importante, na leitura, ter em mente a dimensão do autor; saber se ele está vivo ou morto. Enquanto estudamos suas obras, sempre podemos nos unir a ele, por meio de nossos sentimentos.

Há muitos caminhos que conduzem ao Criador, e Ele utiliza muitos meios para agir sobre nós. Qualquer dificuldade na trajetória do estudante, em particular a morte de um mestre, pode ser considerada uma oportunidade para transformação no âmbito individual.

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10 – COMBATER O DESEJO DE AUTOGRATIFICAÇÃO

                A audição chama-se fé, porque, se desejarmos aceitar como verdade o que ouvimos, deveremos acreditar no que ouvimos.

                A visão chama-se conhecimento, visto que não temos que depositar nossa confiança em nada, mas ver por nós mesmos. Porém, enquanto não tivermos recebido qualidades altruístas do Divino, seremos incapazes de ver, pois qualquer coisa que vejamos será percebida com nossos sentidos egoístas.

                Isso faz com que nos seja mais difícil romper as barreiras do egoísmo. Por conseguinte, no começo devemos caminhar cegamente, enquanto superarmos o que o egoísmo nos diz para fazer. Depois, tendo adquirido fé, começaremos a adquirir conhecimento superior.

                Com o propósito de substituir nosso egoísmo pelo altruísmo, e nossa razão pela fé, devemos apreciar verdadeiramente a magnificência e a grandiosidade do plano espiritual, em comparação a nossa lamentável e material existência temporal. Devemos perceber quão insignificante é servir a nós mesmos, quando comparado com servir ao Criador.

                Também temos que ver quanto mais benéfico e agradável é agradar o Criador, em vez de agradar nossos egos insignificantes (nossos corpos). De fato, o ego nunca pode estar satisfeito; somente pode nos mostrar seu apreço, concedendo-nos prazeres efêmeros.

                Quando compararmos o corpo humano ao do Criador, temos que decidir a favor de quem devemos trabalhar, de quem nos tornaremos escravos. Não há outra alternativa. Quanto mais entendermos nossa própria insignificância, mais fácil nos será a escolha: o Criador.

                Há quatro aspectos do desejo a receber: o inanimado, o orgâncio, o animado e o falante.

                O aspecto da natureza inanimada representa plenitude. O sentido da perfeição origina-se na luz circundante, que chega de longe, e essa luz distante brilha nas pessoas de nosso mundo, mesmo quando suas qualidades forem opostas às do Criador. Da mesma maneira, uma pessoal espiritualmente inanimada mantém sua existência tal como é. Seu desejo não difere dos que são similares, isto é, é incapaz e não está disposta a fazer nenhum esforço espiritual por si mesma.

                Assim como o mundo orgânico esta construído sobre o fundamento da natureza inanimada, o mundo espiritual também requer uma base prévia inanimada. A pessoa não tem nenhuma outra opção, salvo começar por esse nível. Porém, aqueles que não desejarem ascender do nível espiritualmente inanimado deverão encontrar uma nova razão para substituir o que previamente os obrigou e motivou a realizar suas ações: a força do hábito, a educação e o entorno.

                Uma pessoa que deseja continuar crescendo, e renascer espiritualmente para dar grandes passos de maneira independente, não apenas rejeitar seguir os outros cegamente, mas também avança sem importar com a opinião dos outros, os hábitos ou a educação da sociedade.”

                A decisão de deixar de realizar atos mecânicos dá origem à raiz de um novo estado orgânico espiritual. Assim como uma semente primeiro precisa se decompor na terra para crescer, uma pessoa também deve deixar de sentir qualquer vida espiritual entre as massa inanimadas, ao ponto de perceber uma vida inanimada como morta. Essa sensação em si mesma constitui uma prece para a transformação.

                A fim de nos tornarmos seres orgânicos, capazes de um crescimento individual espiritual, devemos realizar muitos tipos de trabalhos em nós mesmos, começando com “lavrar” o solo inanimado. O progresso espiritual somente pode ser atingido mediante formas de contra-ataque aos desejos de autogratificação.

                Portanto, se aspirarmos avançar em direção ao Criador. Devemos verificar regularmente nossos próprios desejos e decidir quais prazeres podemos aceitar. Devido ao fato de o Criador desejar agradar Suas criações, temos que aceitar certos prazeres e excluir todos aqueles que não forem para o benefício d’Ele.

                Na linguagem da Cabala, isso pode ser descrito da seguinte maneira: nossa força de vontade (“Peh de Rosh) – que é uma tela localizada na mente – calcula a quantidade de prazer que pode ser experimentado com o propósito de dar alegria ao Criador, e segundo a quantidade exata de amor por Ele. Podemos experimentar essa quantidade, mas qualquer outra que não esteja destinada a beneficiar o Criador vai desgostá-Lo.

                Assim, nossas ações deve ser determinadas por nossa aspiração de agradar ao Criador, e não pelo desejo de nos aproximarmos d’Ele, ou por medo de nos afastarmos. Essas duas últimas são consideradas aspirações egoístas em comparação com o amor incondicional, não egoísta.

                O desejo de agradar o Criador ou o medo de desgostá-Lo representam desejos altruístas. Nós experimentamos fortes emoções – como alegria, dor, prazer e medo – com todo o nosso corpo, e não somente com certa parte dele. Se desejarmos verificar nossos desejos, devemos determinar se cada parte de nosso corpo está de acordo com os nossos pensamentos.

                Por exemplo, a rezarmos, devemos ter certeza de que todos os nossos pensamentos, desejos, assim como todos os órgãos de nosso corpo, concordam com o que estamos dizendo. Também temos que perceber se simplesmente estamos pronunciando as palavras automaticamente, sem prestar atenção em seu significado.

                Uma “leitura mecânica” ocorre quando desejamos evitar o incômodo de um conflito entre nosso corpo e o significado da prece. Também pode surgir por não compreendermos como a prece pode nos beneficiar se for derivada das súplicas exteriorizadas de forma mecânica do livro de preces.

                Vale, então, a penas perguntar a nossos corações pelo que desejam orar.

                Uma prece não é o que nossos lábios dizem mecanicamente, mas o que todo o corpo e a razão desejam.

                Portanto, dize-se que “a prece é o trabalho do coração” – quando este está absolutamente de acordo com o que os lábios dizem.

                Apenas se trabalharmos com todo o corpo receberemos uma resposta do coração, o que significa que nem um único órgão deseja se libertar do egoísmo ou pedir ajuda ao Criador neste esforço. Somente então seremos capazes de elevar uma prece sincera ao Criador, pedindo-lhe redenção de nosso exílio espiritual.

                Devemos nos esforçar para fazer com que a razão de um ato corresponda à ação mecânica de levar a cabo a vontade do Criador. Como o corpo age como um robô, fazendo a Sua vontade, sem entender a razão disso, ou sem ver nenhum benefício imediato, assim deve ser a razão de observar a Sua vontade, “porque essa é a do Criador”.

                Há uma maneira fácil de verificar a motivação por trás da ação efetuada por um indivíduo. Se for “em favor do Criador”, então o corpo da pessoa será incapaz de fazer até mesmo o mais leve movimento. Mas, se for para benefício próprio, neste ou no mundo vindouro, então quanto mais pensar em sua recompensa, mais energia usará para agir.

                O que foi dito demonstra que é nossa motivação (“kavanah”) que determina a qualidade de nossos atos. Um aumento quantitativo em sua realização não necessariamente melhora sua qualidade. Tudo o que acontece ocorre sob a influência das forças espirituais superiores. E nós, aqui embaixo em nosso mundo, estamos observando há séculos a relação causa efeito das forças espirituais.

                Uma pessoa que pode ver com antecipação as consequências dos acontecimentos e, portanto, predizer consequências indesejáveis, é chamado cabalista.

                Nosso mundo é o mundo das manifestações que ocorrem como consequências das forças espirituais, ao passo que o cenário real da interação entre essas forças situa-se acima e além de nossas percepções.

                Somente um cabalista tem a habilidade de prever os acontecimentos antes que se manifestem neste mundo, e possivelmente seja capaz até mesmo de preveni-los.

                Porém, devido ao fato de todos os eventos serem enviados a fim de permitir nos corrigirmos, e por precisarmos dessa correção com o propósito de alcançar a meta final da Criação, não há ninguém mais que possa nos ajudar nesse esforço, salvo nós mesmos.

                     O Criador não nos envia sofrimento, mas os meios necessários para acelerar nosso progresso espiritual.

                O cabalista não é um mago que realiza milagres, mas alguém cuja missão é ajudar as pessoa em geral, assistir-nos para elevar nossa consciência ao nível necessário para dar início ao processo de autocorreção. Por fim, está aqui para ajudar as pessoas individualmente, se assim o desejarem.

                De jeito nenhum temos poder sobre nossos corações, não importa quão fortes, inteligentes ou capazes sejamos. Portanto, tudo o que podemos fazer e desenvolver mecanicamente boas ações, e implorar ao Criador que substitua nossos corações por novos. (A palavra coração denota em geral todos os nossos desejos).

                Tudo o que se requer de nós é que tenhamos um grande desejo, em vez de muitos. Esse desejo é uma prece. Assim, um grande desejo – de todo o coração – não deixa espaço para nenhum outro.

                Esse imenso desejos pode ser criado em nossos corações apenas por meio de constantes e persistentes esforços. No processo, temos que superar inúmeros obstáculos e agir, embora pensemos estar longe de nossa meta e que nosso estudo da Cabala seja para beneficio pessoa e não do Criador.

                Os obstáculos a serem superados incluem: os argumentos de que o corpo é fraco; o conflito entre os esforços espirituais e os egoístas; a crença de que – quando for a hora – o Criador trará o resultado desejado, assim como Ele levou a pessoas a esse estado em particular; e a teoria de que a pessoa deve provar suas conquistas, já que qualquer trabalho deve ser provado por seus resultados.

                Também é um obstáculo a superar a crença de que as coisas pioram desde que se começa a estudar a Cabala, ou que todos os demais companheiros tem mais êxito em seus estudo que a própria pessoa; e assim, ad infinitum, queixas, reprovações e acusações, que chegam tanto de seu próprio corpo, quanto de sua família.

                Somente com a superação dessas dificuldade a pessoa poderá desenvolver o verdadeiro desejo de espiritualidade. Há uma única maneira de superar tais obstáculos: “nocautear” o egoísmo – como prescreve a Cabala.

                Podemos ignorar as demandas do ego, ou responder: “Sigo em frente, sem nenhuma explicação nem provas, visto que estas poderiam estar baseadas somente no egoísmo, que devo deixar para trás. E, como ainda não tenho nenhum outro sentido, não posso escutá-lo, mas apenas os grandes sábios, que já entraram nos mundos superiores e que sabem como a pessoas deve agir. E, se meu coração esta se tornando ainda mais egoísta, significa que eu progredi e, portanto, mereço ter um pouco mais de meu verdadeiro egoísmo sendo revelado pelo céu”.

        Como resultado, o Criador se revelará a nós de tal forma que sentiremos Sua grandeza e nos tornaremos, involuntariamente, Seus escravos. Nesse ponto, já não experimentamos nenhuma das tentações do corpo. Esse processo significa a substituição do coração de “pedra”, que somente tem consciência de si mesmo, pelo de “carne”, que tem consciência dos outros.

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11 – MOVIMENTO E DESENVOLVIMENTO INTERNOS

            Neste mundo, avançamos usando nossos órgãos de locomoção: as pernas. Tendo avançado, utilizamos nossos órgãos de apreensão: as mãos.

           Em contraste, os órgãos espirituais são oposto aos nossos: poderemos subir as escadas somente se tivermos rejeitado conscientemente tudo o que se sustenta na razão. Além disso, poderemos alcançar o propósito da Criação apenas abrindo nossas mãos e dando, em vez de receber.

               O propósito da Criação é conferir-nos prazer. Por que, então, o Criador nos conduz a essa meta por um caminho tão doloroso? Vamos tentar encontrar a reposta.

                 Primeiro, o Criador, em Sua perfeição, criou os seres humanos.

                O atributo da perfeição máxima é o estado de repouso, pois o movimento é induzido pela carência de algo, ou por uma tentativa de alcançar o que se considera desejável

              Os seres humanos também gosta do descanso, e estão dispostos a sacrificá-lo somente quando lhes faltar algo vital, como, por exemplo, comida ou calor, entre outras coisas.

             Quanto mais sofrerem pela falta de algo que desejam, mais dispostos estão a fazer maiores esforços para obtê-lo, por conseguinte, se o Criador fizer com que as pessoas sofram pela falta do plano espiritual, elas se verão obrigadas a fazer um esforço para alcançá-lo.

               Tendo atingido o plano espiritual, que é o propósito da Criação, as pessoas experimentarão o prazer que o Criador lhe preparou. Por essa razão, aquelas que desejam avançar espiritualmente não consideram o sofrimento acarretado pelo ego como um castigo, mas apenas uma evidência da boa vontade do Criador em ajudá-las. Portanto, veem o sofrimento como uma benção, em vez de maldição.

           Só depois de terem atingido o plano espiritual, elas entenderão o que realmente ele é e quais os prazeres a ele intrínsecos. Até então, terão sofrido somente por sua falta.

           A diferença entre os planos material e espiritual está no fato de que a carência de prazeres materiais nos causa sofrimento, ao passo que a falta de prazeres espirituais não. Assim, a fim de nos proporcionar prazeres espirituais, o Criador nos dá uma sensação de sofrimento pela ausência de sensações espirituais.

           Por outro lado, ao experimentar os prazeres materiais, nunca conseguiremos a satisfação completa e infinita presente no mais ínfimo dos prazeres espirituais. Tão logo comecemos a adquirir o gosto pelo espiritual, existe o perigo de que tenhamos prazer por percebê-lo como um desejo egoísta e, por conseguinte, de nos afastarmos mais dele. A razão de tal virada dos acontecimentos é que começamos a perseguir o espiritual depois de encontrar prazer muito maior nessa busca do que o experimentado em toda a nossa insípida vida. Nessa ponto, vemos que não temos mais necessidade da fé – a base de toda a espiritualidade -, porque fica claro que perseguir o espiritual vale a pena para nosso próprio benefício.

                  Mas o Criador utiliza esse enfoque somente para os principiantes, a fim de atraí-los e depois corrigi-los. Cada um de nós sente que sabe melhor que ninguém o que deve fazer e o que é bom para si. Esse sentimento deriva do fato de que, em um estado egoísta, percebemos somente o ser e nada mais. Portanto, vemos a nós mesmos como os mais sábios, já que somente nós sabemos o que desejamos em cada momento de nossas vidas.

                 O Criador governa nosso mundo estritamente de acordo com as leis materiais da natureza. Portanto, é impossível evitá-las ou combatê-las: se saltarmos do precipício, a queda nos provocará a morte; se carecermos de oxigênio, sufocaremos, e assim sucessivamente.

                 O Criador governa nosso mundo estritamente de acordo com as leis materiais da natureza. Portanto, é impossível evitá-las ou combatê-las: se saltarmos do precipício, a queda nos provocará a morte; se carecermos de oxigênio, sufocaremos, e assim sucessivamente.

           O Criador estabeleceu as leis da natureza, a fim de nos fazer entender que a sobrevivência requer esforço e precaução. No mundo espiritual, quando não podemos prever as consequências dos acontecimentos e não conhecemos as leis de sobrevivência, devemos compreender desde o início a principal lei. Esta não pode ser evitada, tal como as leis da natureza e nosso mundo não podem ser evitadas

               A principal lei estabelece que não podemos ser guiados por sensações de prazer, dado que não é o prazer, mas o altruísmo, que determina se uma vida espiritual é benéfica ou daninha.

            Luz: emana do Criador, e é percebida por nós como um imenso prazer. Compreender o prazer, ou perceber o Criador (que é, na realidade, uma e a mesma coisa, porque não percebemos a Ele, mas à luz que nos alcança), é o propósito da Criação.

               Fè: o poder que dá confiança ao indivíduo na possibilidade de alcançar a vida espiritual, revivendo, depois de ter estado espiritualmente morto. Quanto mais claro percebermos que estamos espiritualmente mortos, mais forte sentiremos a necessidade de fé.

                Prece: o esforço feito por um indivíduo, particularmente em seu coração, para perceber o Criador, e implorar a Ele que lhe dê confiança na possibilidade de conseguir uma vida espiritual.

                 Somente se o Criador se ocultar dos seres humanos, qualquer trabalho, esforço, ou qualquer oração são possíveis. Mediante uma prece genuína, pede-se, de olhos fechados, ao Criador que conceda a força para combater o egoísmo – sem que Ele se revele à pessoa -, pois esta é a maior recompensa. Nosso nível de espiritualidade está definido por nossa vontade de agir desinteressadamente.

           Ao ganharmos confiança em nossa própria força altruísta, poderemos começar a experimentar gradualmente o prazer em favor do Criador, porque, desta maneira, o satisfazemos. Dado que a vontade do Criador é nos conferir prazer, essa congruência de desejos aproxima mais o Provador do receptor.

             Além do prazer que recebemos ao perceber a Sua luz, também experimentamos prazer infinito ao perceber a Sua magnitude; isto é, o resultado de nossa união com Perfeição Máxima. A conquista deste prazer é o propósito da Criação.

               Devido ao fato de o egoísmo – nosso desejo de receber – ser a nossa essência, ele predomina em todos os níveis da natureza, desde o atômico, molecular, passando pelo hormonal, pelo animal, até chegar aos níveis mais elevados.

           O egoísmo estende-se até para cima, em direção aos sistemas mais elevados do raciocínio humano e do inconsciente, incluindo nossos desejos altruístas. É tão podermos, que somos incapazes de nos opor a ele em qualquer situação.

              Portanto, se quisermos fugir do poder do ego, devemos combatê-lo. Devemos agir contra os desejos de nosso corpo e de nosso razão, em tudo pertinente a nosso avanço para o espiritual, mesmo se não pudermos ver nenhum benefício para nós mesmos.

             Do contrário, nunca transcenderemos os limites de nosso mundo. Na Cabala, este princípio de trabalho é conhecido como: “Force-o, até que diga: eu quero”.

         Quando o Criador nos ajudar, oferecendo-nos Sua própria natureza, nossos corpos desejarão por si mesmos funcionar no reino espiritual. Essa condição é chamada o regresso (“Teshuvah”).

             A transformação de nossa essência egoísta em uma altruísta acontece da seguinte maneira: em Sua sabedoria, o Criador gerou um desejos de autogratificação e o implantou nos seres humanos. Esse desejo representa o egoísmo, que é um ponto preto na essência de cada pessoa. É preto como resultado da contração da luz (“Tzimtzum”), que teve lugar quando a luz do Criador surgiu disso.

(…) continuação

             A correção da essência egoísta acontece com a ajuda de uma tela (“Massach”), que transforma o egoísmo em altruísmo. Somos incapazes de entender como uma transformação milagrosa pode ocorrer, até que nós mesmos a experimentemos. Parece-nos incrível que a lei geral da natureza mude de tal modo que, de repente, sejamos capazes de atuar onde antes não podíamos.

              No fim, descobriremos que nossas ações ficaram igual a antes, e que não há nada que possamos outorgar ao Criado, visto que ele é perfeito e Seu único desejo é preencher-nos com Sua perfeição.

                Em troca do imenso prazer que recebemos do Criador, somos incapazes de retribuir com alguma coisa, exceto com o pensamento de que, apesar de continuar realizando os mesmo atos que antes, agora os fazemos porque assim agradamos ao Criador, em vez de agradar a nós mesmos. Mas até mesmo esse pensamento não é para o Criador, mas para nós. Isso nos permite receber prazeres ilimitados, sem sentir vergonha de ter obtido algo por nada. Pode ser que nos tornemos seres mais parecidos com o Criador, ao nos transformarmos em pessoas altruístas. Ao fazê-lo, seremos capazes de receber infinitamente e de experimentar prazer, devido ao fato de o altruísmo não ser par o eu.

               Apesar de podermos nos forçar a realizar um ato físico específico, não é possível mudar nossos desejos a nosso bel-prazer, porque não podemos fazer nada que não seja para o eu. Os cabalistas dizem que uma prece, sem a correta motivação, é como um corpo sem alma, pois as ações pertencem ao corpo e os pensamentos à alma.

              Se ainda não corrigimos nossos pensamentos (a alma), em favor dos quais realiza-se uma ação (o corpo), então pode-se dizer que a própria ação está espiritualmente morta. Tudo abarca tanto o geral quanto o particular. O geral – o espiritualmente morto (“dormem”) – demonstra que, para a maioria das pessoas, somente pode haver um movimento geral, mas não um movimento espiritual particular, pois em seu interior não há essa necessidade.

             Portanto, não há crescimento individual particular, mas somente o crescimento geral, em consonância com a Providência Divina geral. Por essa razão, as massas sempre percebem a si mesmas como correta e perfeitas.

Ser espiritualmente orgânico (“tzomeach”) significa que cada indivíduo possui seu próprio movimento e seu próprio desenvolvimento internos. Neste ponto, uma pessoa torna-se o que se conhece como Homem ou Adão, como está escrito na Bíblia: “Adão, uma árvore em um campo”. Como o crescimento espiritual requer avanço, e o movimento só pode ser causado por uma sensação da escassez de algo, o Homem está constantemente desses defeitos que o obrigam a buscar maneiras de crescer.

             Se o Homem se detiver em qualquer nível do desenvolvimento espiritual, descenderá em suas percepções. A intenção é instá-lo a se mover, em vez de deixá-lo permanecer imóvel.

                 Se, como consequência, ele se levantar de novo, será para um nível mais alto que antes. Como resultado, a pessoa pode ascender ou descender, mas não permanecer estática, pois tal estado não é característico do Homem, Somente aqueles que pertencem às massas permanecem imóveis e sem poder descer em seus níveis; por isso, nunca experimentam a queda.

              Dividamos mentalmente o espaço com uma linha horizontal. Acima da linha está o mundo espiritual. Abaixo da linha está o mundo egoísta. Aqueles que preferem agir contrariamente a sua razão podem existir acima da linha.

               Esses indivíduos rejeitam a razão terrena, mesmo se isso lhes der a oportunidade de conhecer e ver tudo. Preferem agir com seus olhos fechados – por meio da fé – e perseguir o mundo espiritual (altruísmo, em vez de egoísmo).

             Cada nível espiritual é definido pela medida do altruísmo nele presente. Ocupamos aquele que corresponde a nossas qualidades espirituais. Os que estão acima da linha são capazes de perceber o Criador. Quanto mais alto estivermos acima da linha na qual nos encontramos, mais forte será a habilidade de perceber.

               A posição superior, ou inferior, é determinada pela tela dentro de cada um de nós. Essa tela reflete o prazer egoísta que pode derivar da luz do Criador. A luz acima da linha chama-se “Torah”. A tela, ou linha que separa nosso mundo do espiritual, chama-se barreira (“Machsom”). Quem cruzar essa barreira jamais descenderá espiritualmente ao nível de nosso mundo, Abaixo dela, encontra-se o reino do egoísmo; acima está o reino do altruísmo.

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11.1 – AVANÇANDO PARA O PRAZER ALTRUÍSTA

          “Atzilut” é o mundo da percepção completa do Criador e da unificação com Ele. Um individuo, adquirindo qualidades altruístas, eleva-se gradualmente ao mundo de “Atzilut”. Ao atingi-lo, tendo adquirido por completo a capacidade de “dar”, e mesmo localizando-se no degrau mais baixo, começará a “receber em favor do Criador”.

               Não destruímos nosso desejo de experimentar prazer, mas alteramos nossa essência, ao mudar a razão a razão pela qual buscamos prazer. Ao substituir aos poucos o egoísmo pelo altruísmo, podemos ascender até que recebamos tudo o que merecemos, de acordo com a raiz da alma (“Shoresh Neshamah”), que, na origem, era uma parte do último nível (“Malhut”) do mundo “Atzilut”.

             Como resultado das correções que fazemos a nós mesmos, nossas almas se elevarão a um estado de completa unificação com o Criador e, no processo, receberemos 620 vezes mais luz que a possuída por nossas almas antes de entrar no corpo humano corporal.

              Toda a luz, o prazer total que o Criador deseja dar a Suas criações, é conhecida como a alma comum de todas as criações (“Shekinah”). A luz designada a cada um de nós (a alma de cada um de nós) é parte dessa alma comum. Cada um de nós deve receber essa parte, quando corrigir seus desejos.

               Poderemos perceber o Criador (a própria alma), somente depois de termos corrigido nossos desejos de prazer.

Esse desejo é conhecido como vaso, ou recipiente, da alma (“Kli”). Isso significa que a alma consiste no recipiente e na luz, a qual provém do Criador. Quando tivermos substituído totalmente o vaso egoísta por um altruísta, então este se fundirá por completo com a luz, pois terá adquirido suas características. É assim que poderemos vir a ser iguais ao Criador e a nos fundir absolutamente com Suas qualidades, experimentando tudo o que existe na luz e na perfeição.

             Não há palavras para descrever esse estado. Por essa razão, diz-se que a soma total de todos os prazeres neste mundo não é nada além de uma faísca do fogo infinito do regozijo que a alma experimenta durante sua unificação com o Criador.

               Podemos ascender na escada espiritual somente em concordância com a Lei da linha média (“Kav Emtzait”). Esse princípio pode ser descrito brevemente: “a pessoa que é feliz com o que tem é considerada rica”.

               Devemos nos sentir satisfeitos conforme formos compreendendo o que estudamos na Cabala. O mais importante é que percebemos que ao aprender a Cabala, começamos a realizar bons atos mediante o Criador. Quando cumprirmos Sua Vontade, sentiremos como se houvéssemos feito o extremo.

             Essa sensação nos dará uma felicidade imensa, e sentiremos como se tivéssemos recebido o maior presente do mundo. Temos essa sensação porque consideramos o Criador o Rei do Universo, muito acima de nós mesmos. Portanto, somos felizes, por termos sido escolhidos por Ele – entre bilhões de pessoas -, que, por meio de livros e mestres, nos deixa saber o que Ele deseja de nós.

              Tal estado espiritual é conhecido como o desejo de dar (“Hafetz Hessed”). Nele, as qualidades da pessoa coincidem com as do objeto espiritual, conhecido como “Binah”. Mas não representa a perfeição humana, visto que não utiliza nossa razão durante o processo de autocorreção. Portanto, somos considerados “pobres de conhecimento” (“ani be da’at”), porque não estamos conscientes da correlação entre nossas ações e suas consequências espirituais. Em outras palavras, agimos sem saber o que estamos fazendo, guiados somente pela fé.

             Afim de realizar atos espirituais de modo consciente, devemos investir muito esforço para perceber que nossos pensamentos têm que existir “em favor do Criador”. Neste ponto, começaremos a sentir que não estamos ascendendo espiritualmente, mas, pelo contrário, cada vez que observarmos algo, tornar-se-á evidente que estamos mais longe do que nunca de possuir intenções apropriadas para agradar ao Criador na mesma proporção em que Ele deseja nos agradar.

             Porém, não devemos criticar nosso estado, além do nível que nos permita permanecer satisfeitos com a perfeição. Isso é chamado de linha média (“Kav Emtzait”). Ao edificar nosso conhecimento gradualmente com a linha esquerda (“Kav Smol”), poderemos alcançar a perfeição total.

               Uma vez mais, analisemos o trabalho que se dá na linha média.

             Devemos começar nossa ascensão espiritual em concordância com a linha direita, que representa um sentido de perfeição no plano espiritual – a felicidade com o que nos coube e com o nosso desejo de realizar a vontade do Criador sinceramente e sem egoísmo.

             Devemos nos perguntar: “Quanto prazer mais teremos com nossa busca espiritual?”. Consideramos que qualquer quantidade é suficiente, porque temos certeza de que o Criador controla tudo no mundo, e qualquer coisa que sentirmos durante nossa busca espiritual será porque assim deseja o Criador.

             Qualquer que seja nossa condição, ela deve provir d’Ele. É assim que a simples consciência do Divino Domínio e da perfeição espiritual é suficiente para nos fazer felizes, para nos dar uma sensação de nossa própria perfeição e nos induzir a agradecer-Lhe.

             Mas este estado carece da linha esquerda, na qual comprovamos nossa própria condição (“Heshbon Nefesh”). Essa tarefa interna é oposta ao trabalho feito na linha direita, em que o enfoque principal baseia-se na glorificação do plano espiritual e do Criador, independente de si mesma ou de sua própria condição.

             Quando começamos a verificar quão séria é nossa atitude para com o plano espiritual e que estamos tão perto da perfeição, vemos que estamos imersos em nosso mesquinho egoísmo, e não conseguimos levantar nem um dedo em favor de outros ou do Criador. Ao descobrirmos o mal em nós mesmos, devemos nos esforçar para expulsá-lo e para aplicar nossos esforços supremos nessa tarefa.

             Devemos rezar para que o Criador nos ajude, tão logo fique claro que somos incapazes de nos transformar sem ser assistidos. É assim que surgem duas linhas opostas em uma pessoa. Ao longo da linha direita, sentimos que tudo reside no poder do Criador e, portanto, é perfeito. Então, não desejamos nada, e, assim, somos felizes.

             Na linha esquerda, não sentimos interesse no plano espiritual, não temos noção alguma de progresso espiritual, e percebemos que ainda estamos presos na carapaça de nosso egoísmo, assim como antes. Além disso, não pedimos ajuda ao Criador para sair dessa situação. Ao descobrir o mal interno, decidimos prescindir de nosso bom senso, porque ele tenta nos dissuadir de realizar nossos esforços para perseguir a impossível tarefa de corrigir nosso egoísmo.

             Ao mesmo tempo, devemos continuar agradecendo ao Criador pelo estado em que nos encontramos, acreditando sinceramente que tal estado seja o perfeito. Também devemos continuar sendo felizes, como éramos antes de comprovar nossa situação. Se pudermos lidar com isso, avançaremos ao longo da linha média. Nesse sentido, é crucial evitar sermos críticos demais conosco seguindo excessivamente a linha esquerda. É também importante permanecer no estado de satisfação da linha média. Somente então seremos capazes de entrar no reino espiritual com “ambos os pés”, por assim dizer.

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(…) continuação

                Há dois níveis de desenvolvimento humano: o animal e o humano. (Estes não devem ser confundidos com os quatro níveis do desejo, isto é, imóvel, vegetal, animal e falante). Como podemos observar na natureza, o animal continua vivendo no mesmo estado em que nasceu. Não se desenvolve. As qualidades que lhe foram concedidas no dia de seu nascimento são suficientes para quanto durar sua existência. O mesmo pode ser dito de um indivíduo que pertence a esse nível de desenvolvimento. A pessoa permanece igual ao que foi durante sua formação. Todas as mudanças que ocorrem em sua vida são por natureza somente quantitativas. Porém, não se pode dizer que esse indivíduo seja do tipo “ser humano”. Nesse estado, a pessoa nasce egoísta. Em certo ponto, ela descobre que o egoísmo governa, e, em resposta, aspira corrigir essa falha. Se uma pessoa deseja verdadeiramente ganhar a revelação do Criador, então:

  1. Esse desejo tem que ser o mais forte da pessoa, de modo que não sinta nenhum outro. Além disso, tem que ser permanente, pois o Criador é eterno e Sua vontade de conferir o bem é constante. Desse modo, se a pessoa deseja se aproximar mais do Criador, tem que se assemelhar a Ele nessa qualidade também. Por exemplo, todos os seus desejos tem que ser constantes. Não podem mudar, dependendo das circunstâncias.
  2. Deve adquirir desejos altruístas. Deve dedicar todos os seus pensamentos e desejos ao Criador. Esse é chamado “Hessed” ou “Katnut”. Eventualmente, a pessoa chega a merecer a luz da fé, que lhe dará confiança.
  3. Deve ganhar o conhecimento completo e perfeito do criador. As consequências das ações da pessoa são determinadas por seu nível espiritual. Porém, não haverá nenhuma diferença entre os níveis espirituais, se a luz do Criador iluminar o individuo. Pelo fato de o Criador conferir ao recipiente o vaso e a Luz da alma simultameamente, a pessoa percebe que o conhecimento recebido é perfeito. Normalmente, estamos em total acordo com nossos corpos; o corpo dita-nos seus desejos, e nos recompensa por nosso trabalho, permitindo-nos experimentas prazer. Este, em si, é espiritual, mas em nosso mundo tem que estar conectado a algum portador material (por exemplo, a alimento, sexo, música), para permitir a uma pessoa experimentá-lo. Mesmo que, dentro de nós, sintamos puro prazer, somos incapazes de separá-los totalmente de seu portador.

                Diferentes pessoas desfrutam de diferentes coisas e de diversos tipos de portadores de prazer. Mas o prazer, em si mesmo, é espiritual, embora o experimentemos em nossos cérebros como efeito de impulsos elétricos. Teoricamente, é possível simular por completo uma ampla gama de prazeres, ao aplicar impulsos elétricos ao cérebro. Por estarmos acostumados a receber variados prazeres na forma de seus portadores materiais, esse prazer puro recriará as imagens de vários portadores na memória da pessoas, de modo que a mente criará música, o gosto da comida, entre outras coisas.

               Do que foi dito fica evidente que nós e nossos corpos serve-se mutuamente. Portanto, quando nossos corpos aceitam trabalhar, esperam ser recompensados com alguma forma de prazer.

                Fugir das sensações desagradáveis pode também ser considerado um tipo de prazer. De qualquer maneira, qualquer correlação entre o trabalho realizado e a recepção de prazer (a recompensa) é uma indicação definitiva de que a pessoa realizou um ato egoísta.

                Por outro lado, se uma pessoa sente que o corpo resiste e se pergunta “Para que trabalhar?”, isso significa que o corpo não consegue prever um maior grau de prazer para o futuro do que o que já tem agora, ou pelo menos um suficiente aumento no prazer para superar a propensão a permanecer no estado de repouso. Assim, não vê nenhum benefício em alterar seu estado.

                Mas, se uma pessoa decidir abandonar as considerações do corpo e escolher concentrar-se em melhorar a condição de sua alma, então, naturalmente, o corpo não será capaz de fazer nem o mais leve movimento sem a projeção do benefício pessoal por si mesmo. Não poderá forçá-lo a trabalhar. Assim, somente uma solução se lhe abrirá: suplicar ao Criador que o ajude a seguir em frente.

                O Criador não substitui o corpo de uma pessoa, nem altera sua natureza. Também não faz milagres para mudar as leis fundamentais da natureza. Porém, em resposta a uma prece genuína, Ele dá a uma pessoa uma alma: o poder de agir sobre os princípios da verdade.

                Ao recebermos prazer egoísta, alguém mais não estará feliz enquanto isso ocorre.

              Isso porque os prazeres egoístas centram-se não apenas no que temos, mas também no que outros não tem, porque todos os prazeres são comparativos e relativos.

              Por essa razão, é impossível formar uma sociedade justa com base no egoísmo razoável. A natureza errônea dessa utopia foi comprovada pela história: em comunidades antigas, na ex-União Soviética, por exemplo, e em outras sociedades em que houve tentativas de edificar o socialismo

                É impossível satisfazer cada membro de uma sociedade egoísta, porque cada indivíduo sempre se compara aos outros. Isso é mais evidente em pequenos assentamentos.

            Portanto, o Criador, que esta sempre disposto a conceder a todos um prazer ilimitado, estabelece uma condição: que esse prazer não seja limitado pelos desejos do corpo. O prazer é recebido somente nos desejos independentes do corpo, conhecidos como altruístas (“Ashpaah”).

                A Cabala é uma sequência de raízes espirituais, procedentes umas das outras em concordância com leis imutáveis, que se fundem e apontam para um único propósito comum: “a compreensão da grandeza e sabedoria do Criador por parte das criações deste mundo”.

                A linguagem cabalística está estreitamente relacionada com os objetos espirituais e seus atos. Portanto, só pode ser estudada em conexão com o exame do processo da Criação.

                A Cabala aborda certos temas que depois são descobertos por aqueles que buscam a percepção espiritual: não há conceito de tempo, mas somente da cadeia de causa-efeito, na qual cada efeito se torna, a seu momento, a causa do seguinte efeito – a Criação de um novo ato ou objeto. Em princípio, o que concebemos como tempo, mesmo em nosso mundo, é na realidade nossa percepção dos processos internos de causa-efeito. Até mesmo a ciência afirma que o tempo, assim como o espaço, são conceitos relativos. Um lugar ou espaço é um desejo de prazer. Uma ação e a recepção do prazer ou sua rejeição.

               “No princípio”, isto é, antes da Criação, nada existia, exceto o Criador. Ele não pode ser denominado por nenhum outro nome, porque qualquer nome implica certa percepção do objeto. Mas o único que percebemos n’Ele é o fato de que nos criou. Por conseguinte, somente podemos nos dirigir a Ele como nosso Criador, Pai, etc.

                O Criador transmite luz. Esta representa Seu desejo de ser artífice de uma Criação e de dotá-la com o sentido de Sua complacência. Somente esta única qualidade da luz que emana do Criador nos dá a base para formar nosso juízo acerca d’Ele.

                Em termos mais precisos, a percepção da luz não nos permite fazer juízos sobre o Criador, mas somente sobre as percepções que Ele deseja inspirar em nós. Por essa razão, referimo-nos a Ele como alguém que deseja nos agradar.

                Este prazer não deriva somente da luz, mas do efeito desta em nossos órgãos de sensações espirituais. De maneira similar, um pedaço de carne não contém, em si mesmo, o prazer que sentimos ao prová-lo. Somente ao entrar em contato com nossos órgãos sensoriais um objeto pode nos provocar as sensações relacionadas ao prazer.

                Qualquer ato, seja físico ou espiritual, consiste em um pensamento e uma ação que envolve o pensamento.

                O pensamento do Criador é conferir prazer a Suas criações. Como consequência, proporciona-nos prazer.

                Esse ato é considerado “dar pelo motivo de dar”. É catalogado como um ato simples, porque seu propósito corresponde a sua direção.

              A criação foi gerada para ser egoísta por natureza. Isso significa que não temos outa meta além de conseguir prazer. Podemos nos comprometer a receber ou dar, como parte de nossa busca pelo que desejamos, mas a meta máxima sempre continuará sendo receber, mesmo se fisicamente dermos alguma coisa a outra pessoa.

                Se o ato caracteriza-se por ter a mesma direção que a meta, significa que, se o resultado de uma ação é receber, e o fim da meta é receber, então tal ação é denominada “um ato simples”. Se, por outro lado, a direção representar dar, mas o propósito é receber, então o ato é considerado “um ato complexo” porque seu propósito e sua direção divergem em suas intenções.

                Somos incapazes de imaginar os desejos e os reinos dos efeitos dos desejos além do espaço. Portanto, apenas podemos imaginar o Criador como uma força espiritual que enche um espaço. Os cabalistas dizem que o Criador originalmente desenhou os seres humanos com  habilidade de se comprometer apenas com os atos simples; porém, as pessoas complicaram o design original.

                Quanto mais alto ascendermos na escada espiritual, mais simples serão as leis da Criação, porque as categorias básicas, fundamentais, são simples, não complexas. Não obstante, pelo fato de falharmos ao perceber a fonte da Criação, e em vez disso vermos somente suas consequências remotas, visualizamos as leis da Criação em nosso mundo como se fossem configuradas por condições e limitações, e portanto, complicadas.

                Pelo fato de os livros autênticos da Cabala conterem uma luz oculta que emana do autor durante a elaboração de sua obra, é fundamental ter a intenção correta ao se estudar tais livros, isto é, uma vontade de perceber o Criador. É também muito importante, ao estudar, orar para receber o intelecto espiritual e a compreensão que o autor possuía, a fim de buscar uma ligação com ele e abordá-lo. Portanto, é também essencial abster-se de ler os trabalhos de outros autores, especialmente os também relacionados com os mundos espirituais. A razão disso é que, do mesmo modo, esses autores poderão influenciar o leitor.

            Se desejarmos obter conhecimento espiritual, deveremos estabelecer uma rotina diária especial e protegermos-nos de influências estranhas, de notícias irrelevantes e de livros daninhos.

                Devemos evitar o contato com outras pessoas, exceto quando isso se torna necessário por trabalho ou por estudo, sem evitar deliberadamente, mas mantendo nossos pensamentos em constante revisão. Quando for necessário, poderemos pensar em nosso trabalho. O resto do tempo deve ser dedicado à contemplação do propósito da vida.

                Alcançar o propósito da vida dependente mais da qualidade do esforço feito que da quantidade; uma pessoa pode ficar dias inteiros absorta nos livros, e outra pode dedicar apenas uma hora por dia a seus estudos, devido às obrigações do trabalho e da família.

                Qualquer esforço pode ser medido apenas em relação a seu tempo livre, ao determinar o quanto uma pessoa sofre por ser incapaz de dedicar mais tempo ao plano espiritual. O resultado é diretamente proporciona à intensidade das intenções da pessoa; descobrir é o objetivo de dedicar tempo ao estudo e à autocorreção.

                Há dois métodos de alimentar uma criança. Um método é pela força. Este não causa à criança nenhum prazer, mas, de qualquer maneira, proporciona nutrição necessária para o crescimento e desenvolvimento de força. Na Cabala, este tipo de nutrição espiritual é conhecida como a causa do Mais Alto. Porém, a criança pode desejar crescer espiritualmente ao tomar o alimento espiritual sozinha. Isso pode ocorrer, depois de ter desenvolvido o apetite para fazê-lo (tendo tomado consciência da necessidade ou tendo experimentado o prazer da luz). Então, a pessoa não somente cresce espiritualmente, mas também desfruta do processo de viver, isto é, de desenvolver a percepção espiritual.

                Na Cabala, uma sensação aguda produzida em uma pessoa por seu conhecimento do bem e do mal é conhecida como o processo de nutrição: assim como uma mãe carrega seu filho e o aproxima de seu peito para amamentá-lo, do mesmo modo a luz contida no objeto espiritual superior é proporcionada a um cabalista, de modo que a pessoa possa ver e sentir claramente o abismo entre o bem e o mal. E, então, da mesma maneira que a mãe afasta o infante de seu peito, também um cabalista perde o vínculo com a fonte superior, assim como a clareza da distinção entre o bom e o mau. Esse processo foi projetado para impulsionar a pessoa a rezar ao Criador, a fim de adquirir as mesmas capacidades para perceber (“Kelim”) o bom e o mau, além da Fonte Superior.

                Recebemos tanto o egoísmo quanto o altruísmo do Divino. A diferença reside no fato de os seres humanos receberem os desejos egoístas ao nascer, ao passo que os altruístas requerem que os peça persistentemente.

                Primeiro, devemos alcançar o estado no qual desejamos “agradar ao Criador” da mesma maneira que Ele nos agrada, independente de nossos desejos egoístas (ascendendo aos níveis dos mundos de “BYA”). Depois, devemos determinar o que O agradará.

                Como consequência, veremos que apenas poderemos satisfazê-Lo, ao experimentar prazer. Isso é chamado receber para benefício do Criador, e denota o nível do mundo (“Atzilut”).

                Alcançar os diversos graus de intensidade do desejo de outorgar desinteressadamente ao Criador chama-se as escadas dos mundos de BYA (“Beriah”, “Yetzirah”, “Assiyah”). Adquirir poder de receber o prazer do Criador para Seu benefício é conhecido como alcançar o nível do mundo Atzilut.

                O “Beit-Midrash” é o lugar em que aprendemos a exigir (“Lidrosh”) a recepção do Criador e da força espiritual. Lá também aprendemos a demandar a percepção da meta da Criação, assim como a percepção do Criador. Devido ao fato de nós (nossos corpos, nosso egoísmo) lutarmos naturalmente para ter contato com tudo o que é maior e mais forte que nós mesmos, devemos orar ao Criador para que se nos revele e nos permita ver nossa própria insignificância em comparação a Sua grandeza. Então, por natureza, lutaremos para chegar a Ele, o maior e mais forte

              O mais importante para um indivíduo é a relevância do que persegue. Por exemplo, as pessoas endinheiradas trabalham duro, a fim de causar inveja a outras. Mas, se a riqueza deixasse de ser importante, já não seriam invejadas, e assim, não teriam mais incentivo para trabalhar. Portanto, o mais valioso é perceber a importância de perceber o Criador. Não há um momento em que um indivíduo seja capaz de alcançar o reino espiritual sem esforços visto que esses são os recipientes (vasos) da luz.

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(…) continuação

           Antes de o cabalista Ari introduzir suas revisões neste mundo, era um tanto mais fácil conseguir atingir o plano espiritual. Porém, depois que Ari abriu o caminho para compreender esse plano, tornou-se muito mais difícil renunciar aos prazeres deste mundo.

              Na etapa anterior a Ari, as vias espirituais estavam fechadas, e não havia na realidade nenhuma predisposição do Divino de conferir a luz às criações. Ari abriu ligeiramente a fonte de luz, o que tornou mais difícil para as pessoas combaterem seu egoísmo, pois este passou a ser mais forte e mais sofisticado.

             Isso pode ser ilustrado, esquemáticamente, com o seguinte exemplo. Suponhamos que, antes do tempo de Ari, a pessoa podia obter 100 unidades de compreensão. Cada esforço equivalia a uma unidade, e tinha um rendimento de uma unidade de percepção. Hoje em dia, depois que as revisões foram introduzidas no mundo, por Ari, a pessoa pode obter 100 unidades de percepção por apenas uma unidade de esforço, mas é imcomparavelmente mais difícil de fazê-lo.

           O rabino Yehufda Ashlag (Baal HaSulam) introduziu revisões para que, hoje em dia, um indivíduo não possa enganar a si mesmo, pensando que é perfeito, mas para que siga o caminho da fé, acima do conhecimento. Apesar de o caminho ter se tornado um tanto mais claro, esta geração é incapaz de realizar a quantidade e qualidade de esforços requerido, do modo como as gerações anteriores puderam, apesar da percepção dos defeitos individuais ser mais clara que antes. Esta geração não eleva o plano espiritual ao nível apropriado de seu conhecimento, isto é, acima do material, do modo como as gerações anteriores fizeram, quando a maioria das pessoas estava disposta a fazer qualquer coisa em favor da ascensão espiritual.

          Uma revisão significativa foi introduzida no mundo pelo cabalista Baal Shem-Tov. Até as massas puderam sentir um leve aumento na quantidade de espiritualidade no mundo. Por um tempo, até se tornou mais fácil alcançar o plano espiritual para aquele que assim o desejavam.

          Com o propósito de selecionar estudantes dignos de fazer parte de seu grupo cabalístico, Ball Shem-Tov instituiu a “Admorut”, uma divisão da sociedade judaica em seções, contando com um cabalista líder espiritual em cada uma delas. Esses líderes (“Admorim”) escolheram indivíduos os quais consideravam dignos de estudar a Cabala em seu “Heder” (quarto, sala de aula), onde se comprometeram a fundar a geração seguinte de cabalistas e líderes.

             Mas o efeito da revisão introduzida por Baal Shem-Tov já passou, e nem todos os líderes de nossa geração são cabalista, nem são capazes de perceber o Criador. Depois da partida de Baal Hasulam, nosso mundo ficou em um estado de degradação espiritual, o que sempre precede a elevação que se aproxima.

            Como resultado de nossa natureza egoísta e devido ao fato de instintivamente nos afastarmos de qualquer coisa que nos cause sofrimento, o Criador utiliza isso para nos conduzir ao bem. Ele tira o prazer do mundo material que nos cerca e nos concede prazer somente por meio de atos altruístas. Este é o caminho do sofrimento.

12 – ERRADICANDO O EGOÍSMO

           O caminho da Cabala é diferente de outros caminhos. Embora haja prazeres em nosso mundo, podemos nos afastar do egoísmo mediante a fé (acima da razão) no propósito da Criação, em vez de escutar o que nossos corpos e nossa razão nos dizem. Dessa forma, podemos ir além de escutar simplesmente o que nossos corpos e nossa razão nos dizem.

            Quando fazemos isso, começamos a experimentar amor pelo Criador, assim como a sentir Seu amor por nós. Este é o caminho da paz e da alegria, e da fé no fato de que o caminho longo é, na realidade, o caminho curto sem sofrimento.

           Quando ainda não somo capazes de receber a luz interna (“Ohr Pnimih”), nosso desenvolvimento espiritual acontece somente sob a influência da luz circundante (“Ohr Makf”).

          Este caminho do desenvolvimento espiritual chama-se o curso natural ou curso do sofrimento (“Derech Beito”). É a via de toda a humanidade. Outra alternativa para nosso desenvolvimento espiritual consiste em estabelecer uma ligação pessoal com o Criador, caracterizada pelo trabalho em três linhas. Este caminho chama-se o curso da Cabala (“Derech Cabala”, “Derech Ajishenah”), e é muito mais curto do que o do sofrimento.

           Assim dize os cabalistas: a pessoa que desejar ir diretamente para o Criador reduz o tempo da correção. Apesar de ser difícil ter fé se o sofrimento não os forçar a fazê-lo, é muito importante para nós acreditar que os resultados de nosso trabalho dependem apenas de nossos esforços.

        Isso significa que devemos acreditar no Divino Domínio pela recompensa e castigo. O Criador recompensa o indivíduo, concedendo-lhe bons pensamentos e desejos. Devemos obter a fé com nossos companheiros de estudos e os livros.

           Porém, tendo conquistado a fé – a percepção do Criador –, devemos nos convencer de que ela nos foi outorgada pelo Criador. O Poder Espiritual Superior pode ser um remédio para a vida, se fornecer a força e a vontade de trabalhar. Porém, é considerado um veneno, se acreditarmos que tudo é determinado pelo Divino e que nada depende de nossos esforços.

        O principal esforço deve ser a preservação das nobres aspirações a nós outorgadas pelo Divino. Primeiro, chegam-nos sensações espirituais divinas; depois, chega a época do trabalho duro e do esforço constante de permanecer nesse nível espiritual específico, por nossa própria força. Devemos nos concentrar na apreciação do valor de nossa elevação espiritual. Tão logo comecemos a ignorar o que adquirimos, ou obtenhamos autogratificação com isso, começaremos a perder o nível espiritual alcançado.

            Tudo o que jaz sob o poder do egoísmo está situado no ponto central da Criação (“Nekudah Emtzait”). Tudo o que não deseja a gratificação própria esta situado acima desse ponto. Portanto, diz-se que a linha (“kav”) que representa a descensão da luz estabelece (não preenchendo a criação com o a luz do Criador) com o ponto central.

            Diz-se que quem deseja avançar espiritualmente é ajudado, recebendo uma alma – uma parte do Criador -, a luz. Como resultado, começa a se sentir parte do Criador!

             Como a luz do Criador gera o desejo de que a alegria derive d’Ele?

           Por exemplo, em nosso mundo, uma pessoa que receber honras inesperadas, que depois lhe foram arrebatadas, desejaria os prazeres familiares derivados dessas honras. O desejo de recuperar o prazer subtraído é conhecido como recipiente, vaso (“Kli”). A luz faz o recipiente crescer gradualmente a fim de enchê-lo de prazer (da luz).

        Abraão perguntou ao Criador: “Como posso ter certeza de que salvarás meus descendentes? Como posso ter certeza de que meus filhos poderão se libertar do egoísmo com a ajuda da Cabala? Para que lhes dar a luz, se não a desejam:” O Criador respondeu que lhes daria uma sensação de escravidão por seu egoísmo, e, assim, em contrapartida, lhe ofereceria uma sensação de luz.

       Ao tentar superar nossos desejos, é necessário que reconheçamos que nossos corpos não compreendem as dimensões do tempo e, portanto, não percebem o passado ou o futuro, mas somente o presente. Por exemplo, se for crucial realizar um esforço por cinco minutos, a fim de poder descansar mais tarde, o corpo de todas as maneiras se recusará a realizar esse esforço, porque é incapaz de captar o benefício que logo chegará.

           Ainda quando, depois de trabalhar duro, recordamos o prazer que alcançamos antes, nossos corpos guardarão a força necessária para completar a tarefa. Isso pode ser similar ao caso de uma pessoa que recebe antecipadamente por um trabalho, e não quer verdadeiramente se esforçar para completa-lo.

          Portanto, é importante não adiar a luta contra o corpo, mas, ao contrário, fazer uso de cada oportunidade em um momento determinado para opor-se ao corpo com pensamentos elevados.

         Posto que somos 100% egoístas, jamais desejaremos formar voluntariamente um vínculo com o Criador. Apenas com a certeza de que esse vínculo nos trará certo benefício, desejaremos tal conexão.

       Assim, podemos concluir que simplesmente ver nosso próprio mal, e entender que somente o Criador pode enviar, é ainda um ímpeto insuficiente para buscar Sua assistência. Perceber que nos aproximarmos do Criador e com Ele formarmos uma ligação trará redenção será o incentivo para procurar ajuda.

           A Cabala oferecer-nos seu caminho, em vez daquele do sofrimento. O tempo muda as condições à nosso volta: dois mil anos atrás, por exemplo, apenas poucos homens valiosos buscaram a conexão com o Criador, como na época do Rabino Shimon.

          Nos tempos de Ari e de Ramchal, já havia pequenos grupos envolvidos no estudo da Cabala. Nos tempos do Baal Shem-Tov, o número de grupos aumentou às dúzias.

          Por fim, nos tempos de Baal HaSulam, as cifras aumentaram ainda mais. Em nossa época, a barreira que separa as massas da Cabala, foi totalmente apagada, e resta apenas certa resistência aos ensinamentos. Se, no passado, só os de caráter muito forte podiam conectar-se com o Criador, hoje em dia, principiantes, e até mesmo crianças, podem alcançar os mesmos resultados simplesmente estudando a Cabala sob a apropriada supervisão.

          Somos incapazes de separar o bem do mal, assim como somos incapazes de discernir entre o que é bom para nós mesmos e o que é prejudicial. Apenas o Criador pode nos ajudar com relação a isso, abrindo nossos olhos. Somente então começaremos a ver tudo, o que significa “escolher a vida”.

          Mas, enquanto não tomarmos a consciência de nossa necessidade absoluta da constante conexão com o Criador, Ele não nos abrirá os olhos. Dessa forma, Ele nos induzirá a pedir a compaixão.

          Nas sensações espirituais internas do cabalista, existe uma parte do nível superior, do estado futuro (“AJaP”). Quem percebe o nível espiritual superior como um vazio nada atraente, em vez de um estado pleno de luz, não recebe tal percepção do nível superior. Apesar de este nível estar pleno de luz, o nível inferior o percebe somente no grau em que as qualidade do inferior lhe permitem fazê-lo. Pelo fato de as qualidades atuais não serem suficiente para receber a luz superior, o indivíduo não a perceberá.

        A ocultação do Criador faz com que cada um de nós realize um tremendo esforço para conseguir o nível de existência habitualmente aceito por nossa sociedade. Movemo-nos cegamente para frente, dirigidos pelos silenciosos sussurros internos de nosso egoísmo. Agindo como ferramentas cegas do ego, apressamo-nos a executar suas ordens. A fim de evitar ser castigados pelo sofrimento; isso nos impulsiona a aceitar a vontade do ego contra nossa própria vontade, realizando seus desejos sem pensar duas vezes.

       Nosso egoísmo está arraigado tão profundamente em nós, que começamos a aceitá-lo como parte fundamenta de nossa natureza, a qual representa nossos desejos verdadeiros.

         Nosso egoísmo penetra todas as células de nossos corpos e nos força a avaliar todas as nossas percepções de acordo com seus desejos. Isso também nos força a planejar nossas ações, de acordo com sua configuração, aumentando, assim, o benefício derivado delas.

         Nem sequer imaginamos que podemos nos despojar da influência do egoísmo e nos purificarmos dele. Mas é possível expulsar a nuvem egoísta que toma a forma de nosso corpo, penetra-nos e veste a si mesma com nossa carne. Quando tivermos ficado sem tais desejos, o Criador nos concederá Suas aspirações altruístas.

          Porém, enquanto a presença egoísta permanecer em nós, seremos incapazes de imaginar qualquer benefício que nos faça desejar erradicá-la. E, ainda, os pensamentos altruístas e os desejos nos parecerão inaceitáveis, insensatos, não sérios e certamente incapazes de formar a base de nossa sociedade, muito menos a do universo.

          Mas isso acontece somente porque nossos pensamentos e desejos permanece sob a influência do egoísmo. Com o propósito de ser objetivos sobre a nossa própria condição, devemos tentar considerar o egoísmo como algo fora de nossa essência, como um inimigo que procura se fazer passar por um amigo.

       Devermos tentar ver o egoísmo como algo estranho a nós, que foi posto em nosso interiro pela Vontade do Criador. Tais ações são consideradas tentativas de reconhecer o mal que provém do ego. Mas isso somente é possível no nível em que possamos sentir a existência do Criador e perceber Sua luz, pois tudo é entendido simplesmente em relação a outros objetos, pela percepção dos opostos.

           Desse modo, em vez de concentrar toda nossa energia na busca do mal dentro de nós, devemos fazer o máximo esforço para perceber a luz do Criador.

          Todas as criações, com exceção dos seres humanos, funcionam de acordo com as leis do altruísmo.

          Somente os seres humanos e o mundo que nos cerca (nosso mundo, “Olam Hazeh”) são criados com o oposto, as qualidades egoístas. Se, por acaso, tivéssemos um vislumbre do Criador e de todos os mundos espirituais, entenderíamos de imediato quão pequeno realmente é o nosso mundo em comparação com os mundos espirituais. Portanto, as leis da natureza egoísta funcionam somente dentro de um mundo minúsculo, do tamanho de uma ervilha.

         Quando o Criados nos foi criando, Sua meta foi conceder-nos uma existência eterna junto a Ele. Porém, devemos alcançar esse estado pro nossos próprios meios, a fim de não nos sentirmos envergonhados por termos Injustamente adquirido prazer eterno. Assim, o Criador gerou um mundo oposto a Ele em sua natureza e que simbolizava uma qualidade contrária a Sua Essência: o desejo de autogratificação, ou o egoísmo.

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(…) continuação

          Por conseguinte, Ele nos dotou dessa qualidade. Tão rápido quanto o ser humano é influenciado por essa qualidade, ele nasce neste mundo e imediatamente deixa de perceber o Criador. A ocultação do Criador existe para nos dar a ilusão de possuir livre-arbítrio para poder escolher entre nosso mundo e o do Criador – o mundo superior.

                Se, apesar de nosso egoísmo, fôssemos capazes de ver o Criador, naturalmente preferiríamos Seu mundo ao nosso, visto que o primeiro contém todo o prazer e nenhum sofrimento.

                Porém, a liberdade de escolha e o livre-arbítrio somente podem existir na ausência de nossa percepção do Criador, enquanto Ele permanecer oculto. Mas, se, a partir do momento do nascimento, estamos tão fortemente dominados pelo ego, de modo a não podermos distinguir entre nosso ser e ele, coo podemos escolher ser livres de sua influência?

                Além do mais, que opção pode na realidade existir, se nosso mundo está cheio de sofrimento e morte, e no do Criador está cheio de prazer e imortalidade? O que resta aos seres humanos para escolher?

  1. Ocasionalmente, Ele se revela a um de nós, para lhe permitir ver Sua grandeza e Providência e, como resultado, experimentar a calma.
  2. Ele nos deu a Cabala, o estudo que evidencia a oculta e circundante luz espiritual (“Ohr Makif”), assumindo que a pessoa verdadeiramente deseja sair do estado atual e perceber o Criador.

                 O processo de nosso vínculo com o Criador, começando pelo nível mais baixo (no qual vivemos) e estendendo-se para o mais alto (onde mora o Criador), pode ser comparado a subir os degraus de uma escada espiritual. Todos os seus degraus existem nos mundos espirituais. O Criador reside no degrau mais alto, enquanto a categoria mais baixa desce em direção a nosso mundo. Os seres humanos estão situados abaixo do degrau espiritual mais baixo, pois nosso nível inicial egoísta não está conectado com o primeiro estado espiritual, que é completamente altruísta.

                 Podemos perceber um nível espiritual superiro, ao coincidirem nossas qualidades e as do estado espiritual. Então, nosso grau de percepção será proporcional ao grau de congruência entre nossas qualidades e as do espiritual. Podemos perceber o nível superior porque todos os passos espirituais estão arranjados de forma sequencial, desde o mais baixo até o mais alto. E, ainda, os estados subsequentes encobrem-se entre si; a metade inferior do estado superior esta dentro da metade superior do estado inferior (o AJaP do superior cai no GE do inferior).

                 Portando, a parte inferior de nosso estado superior está sempre presente dentro de nós, embora normalmente não a sintamos. O estado superior acima de nós refere-se ao “Criador”, porque funciona como ele para nós. Engedra-nos e nos dá vida, e nos guia. Por não termos uma percepção desse estado superior, com frequência insistimos no fato de o Criador não existir.

               Mas, se estivermos em um estado no qual vemos claramente o domínio superior do Criador sobre todas as criações nestes mundo, então perderemos a possibilidade de escolher livremente.

                 Poderemos ver somente uma Verdade, uma Força e uma Vontade que opera em todos e em cada um.

                 Devido ao fato de que a vontade do Criador é conceder a cada ser humano o livre-arbítrio, então a ocultação do Criador de Suas criações é necessária. Somente se Ele estiver oculto, poderemos argumentar que desejamos, por nosso livre-arbítrio, nos unir ao Criador, agindo em Seu favor, sem nenhum vestígio de interesse próprio.

                 O processo completo de autocorreção é possível apenas se o Criador não nos é visível. Tão logo Ele se revelar para nós, tornar-nos-emos imediatamente seus servidores e cairemos sob o controle de Seu pensamento, grandeza e poder.

                 Neste ponto, é impossível determinar quais são nossos pensamentos verdadeiros. Portanto, com o propósito de nos permitir agir livremente, Criador deve se ocultar de nós. Por outro lado, para nos dar uma oportunidade de nos libertarmos da cega escravidão do egoísmo, Ele deve se revelar. Isso porque o ser humano obedece somente a duas forças neste mundo: a força do egoísmo – o corpo – e a força do Criador – o altruísmo.

                 Então, alternar entre os dois estados é necessário. Em tais estados, acontece a ocultação do Criador de nós, quando somente percebemos a nós mesmos e às forças egoístas que nos controlam, e a Revelação do Criador, quando sentimos o poder das forças espirituais.

                 A fim de que a pessoa que permanece ainda sob a influência do egoísmo possa perceber o mais próximo Objeto Superiro (o Criador), o Criador deve igualar algumas de Suas qualidades com as do ser inferior, isto é, a pessoa que busca com Ele uma conexão. Para poder entrar em equilíbrio com a pessoa que busca conexão com Ele, o Criador proverá algumas de Suas qualidades altruístas coo se fossem egoístas.

                A parte superior eleva à “Malhut-Midat Hadin”, ao nível de Sua “Galgata ve Eynaim” (GE). Em consequência, Seu AJaP adquire qualidades egoístas. Desse modo, Seu AJaP “descende” para a parte inferior (o nível espiritual de quem busca), e entra em um estado de equivalência com as qualidades da parte inferior. De início, a parte inferior não era capaz de perceber o estado espiritual superior. Porém, pelo fato de o Criador ter ocultado Suas mais altas qualidades altruístas por trás das egoístas, Ele foi capaz de descender ao nível da pessoa, para que esta pudesse o perceber.

              Posto que em tal ponto percebemos qualidades superiores como egoístas, nós não podemos verdadeiramente capta sua essência e, portando, parece que não há nada positivo no espiritual; nada que possa trazer prazer, inspiração, confiança ou tranquilidade. É justamente neste ponto que temos a oportunidade de exercer nossa força de vontade. Podemos, por outro lado, afirmar que a carência de prazer e de gosto no plano espiritual e na Cabala deve-se, para nosso benefício, à deliberada ocultação do Criador. Por ainda não possuirmos as qualidades espirituais necessária, nós é impossível perceber os prazeres espirituais superiores; pelo contrário, todos os nossos desejos terrenos são governados pelo egoísmo.

                 É crucial para os principiantes entenderem que lhe são proporcionadas a depressão e a aflição, a fim de que as superem.

                 Eles podem dirigir ao Criador suas súplicas para conseguir alívio, podem estudar ou fazer boas obras. O fato de não experimentarem prazer ou vitalidade nas aspirações espirituais é governado pelo Divino. Isso dá aos principiantes o livre-arbítrio de chegar à conclusão de que sua falta de prazer origina-se na ausência, em si mesmos, das apropriadas qualidades altruístas. Portanto, o Superior deve ocultar deles Suas verdadeiras qualidades.

                 Assim, devemos lembrar que a primeira etapa na percepção do espiritual é a sensação de privação espiritual. Se a parte inferior for capaz de perceber que o plano superior oculta-se devido à incongruência de qualidades dela, e ainda se essa parte inferior pedir ajuda para corrigir seu próprio egoísmo por meio de uma prece (“Man’N”), então a parte superior se revelará parcialmente (elevará Seu AJaP), e demonstrará suas verdadeiras qualidades, que até esse momento estiveram ocultas sob o egoísmo.

              Como resultado, o prazer espiritual também se torna evidente. Por conseguinte, a parte inferior começa a experimentar a grandeza e o prazer espirituais sentidos pelo ser superior, que possui qualidades espirituais altruístas. Dado que a parte superior elevou suas qualidades altruístas, do ponto de vista do individuo, Ele o elevou assim ao meio de Seu Estado (Ele elevou a GE do inferior junto a Seu próprio AJaP).

                 Esse estado espiritual é conhecido como o menor nível espiritual da pessoa (“Katnut”). A parte superior, de certa maneira, eleva a parte inferior a seu próprio nível espiritual, ao revelar tanto sua grandeza quanto a grandeza das qualidades altruístas. Ao ver a magnificência do plano espiritual e o comparar com o plano material, podemos ascender espiritualmente acima de nosso mundo.

              Quando percebemos o nível espiritual, independente de nossa vontade, nossas qualidades egoístas transformam-se em altruístas, isto é, nas qualidades do Criador. Com o propósito de permitir que a parte inferior tome total posse do primeiro nível superior, a parte superior revela-se totalmente, e todas as suas qualidades, a essa parte inferior; o que significa que revela sua grandeza, realiza “Gadlut”.

                Nesse ponto, a pessoa percebe a parte superior como o Único Soberano Absoluto de todo o universo. Ao mesmo tempo, a parte inferior capta o mais alto conhecimento do propósito da Criação e do domínio do Superior. Torna-se evidente, para a parte inferior, que não há outra maneira de se conduzir, a não ser do modo prescrito pela Cabala. Portanto, a razão da parte inferior requer agora tomar uma atitude apropriada. Como resultado essa clara percepção do Criador, a pessoa deve enfrentar a contradição entre a fé e o conhecimento, entre a linha direita e a esquerda.

                Tendo adquirido as qualidades altruístas (“Katnut”), a parte inferior prefere proceder somente por meio da fé na grandiosidade do Criador. Isso serve como um indicativo do desejo sincero de quem busca se aproximar do Criador.

                 Porém, a revelação da grandiosidade do Criador (“Gadlut”) obstrui agora, por meio da fé, o avanço do indivíduo. Em consequência, ele deve prescindir voluntariamente do conhecimento adquirido.

                 Quando alguém suplica proceder cegamente, confiando apenas na sua fé na magnificência do Criador, em vez de perceber Seu poder e Sua grandiosidade, utilizando a razão na mesma proporção de sua fé, então o Criador vê-se obrigado a limitar Sua revelação. Quando isso acontece, o Criador diminui a revelação de Seu domínio geral, de Sua onipotência e de Sua luz (“Ohr Hochmah”) – a tela de Hirik.

                 Por meio desta tela, a revelação da razão superior pode ser diminuída (a linha esquerda), até o ponto no qual possa ser balanceada com a fé (a linha direita). A correta correlação entre a fé e o conhecimento chama-se equilíbrio espiritual, ou linha média. Como indivíduos, determinamos o estado em que desejamos estar. Existindo a correta correlação entre a fé e o conhecimento, podemos atingir a perfeição. Eis a linha média.

               A parte do conhecimento revelado (a linha esquerda) que podemos usar em proporção a nossa fé (a linha direita), procedendo de acordo com a fé acima da razão (a linha média), é acrescentada às qualidades espirituais que possuímos antes, no estado de “Katnut”. O nível espiritual recém adquirido é conhecido como “Gadlut” (grande e completo).

             Depois de ter alcançado, por completo, o primeiro nível espiritual, seremos iguais – em qualidades – aos do primeiro estado (o mais baixo) da escada espiritual. Como já foi mencionado, todos os estados, ou degraus da escada, encobrem-se entre si. Tendo alcançado o primeiro nível, pode ser que descubramos a presença de um nível mais alto dentro de nós. Usando o mesmo princípio de quando avançamos para o primeiro nível, podemos prosseguir, degrau por degrau, em direção à meta da Criação: a unificação completa com o Criador, no mais alto nível.

              Uma parte essencial de nossa ascensão espiritual diz respeito a um processo especial que exige que, ao descobrir um mal maior dentro de nós, peçamos ao Criador nos conceder a força necessária para superá-lo. Logo receberemos essa força na forma de uma luz espiritual maior.

                Esse processo continua, até que alcancemos o nível e o tamanho originais de nossas almas. Nesse ponto, nosso egoísmo estará completamente corrigido e banhado de luz.

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12.1 – A BUSCA DO CRIADOR

                Quando estamos distraídos com pensamentos externos, sentimos que eles atrapalham o estabelecimento da conexão com o espiritual, porque nossa força e nossa mente são desperdiçadas com preocupações irrelevantes, e nossos corações vão se enchendo de desejos mesquinhos. Em momentos como esses, perdemos a fé no fato de que somente a Cabala configura a verdadeira vida.

                Ao superarmos essa condição, saímos de nosso estado, e nos dirigimos para a luz, recebendo uma superior, que nos ajuda a ascender mais. Desta maneira, nossos pensamentos irrelevantes servem para nos ajudar em nosso progresso espiritual.

                Podemos superar obstáculos somente com a ajuda do Criador. Só conseguimos trabalhar em algo, se percebemos algum benefício pessoal nisso. Porém, nossos corpos, corações e intelectos não entendem quais benefícios podem advir do altruísmo.

                Por conseguinte, assim que tentarmos fazer o mais leve movimento altruísta, perdemos toda a força da mente, do coração e do corpo. Não faremos nada além de nos dirigirmos ao Criador e pedir-lhe ajuda. Desse modo, sem nenhuma disposição de faze-lo e sem nenhuma livre opção, avançaremos em direção ao Criador, até que nos fundamos completamente a Ele.

                Não deveríamos nos queixar por não termos nascido suficientemente inteligentes, fortes ou valentes, ou por carecermos de qualidades que outros possuem.

                Se não avançarmos pelo caminho correto, que diferença faz estarmos dotados do melhor potencial e das melhores habilidades?

                Pode ser que um indivíduo talentoso torne-se um grande cientista, mas, sem uma conexão com o Criador, o seu propósito não será alcançado e falhará, assim como acontece com a maioria das pessoas.

                É crucial atingir o nível da pessoa justa; só então poderemos empregar todo o nosso potencial para as tarefas corretas, em vez de desperdiça-lo em vão. Até mesmo as habilidades mais fracas e triviais que nos foram outorgadas pelo Criador devem ser utilizadas em favor das metas mais elevadas.

                Se estivermos em um estado de descensão espiritual, será inútil tentarmos nos animar ou nos submeter a escutar a sabedoria aprendida por outros. Nada que outros disserem poderá nos ajudar. As histórias do que outras pessoas viveram e seus conselhos não nos alentarão, quando estivermos deprimidos, porque teremos perdido a fé em tudo, inclusive nas conquistas dos outros.

                Porém, devemos repetir a nós mesmos o que costumávamos dizer e sentir, quando nos encontrávamos em um estado de regozijo espiritual, cheio de vida, contrário à morte espiritual, como no presente. Se lembrarmos de nossas próprias metas e progressos espirituais, então poderemos crescer para recuperar nosso bom ânimo.

                Ao lembrar que, em certo ponto, tínhamos fé e que avançávamos na vida por meio da fé acima da razão, poderemos nos ajudar a emergir do estado de morte espiritual. Por essa razão, sempre devemos confiar em nossas próprias recordações e experiências. Somente elas nos motivarão a dar as costas ao estado de depressão.

                A tarefa de quem atingiu um certo nível espiritual e fazer uma seleção entre os milhares de prazeres que surgem, descartando de imediato todos os que não podem ser balanceados pela fé, por não serem adequados para o uso. Na Cabala, essa parte de prazer que uma pessoa recebe em favor do Criador com o único propósito de fortalecer sua fé e considerada alimento.

                Por outro lado, a outra parte que a pessoa não pode receber é considerada dejeto. Se alguém for incapaz de distinguir entre as duas e desejar devorar a porção inteira (em termos cabalísticos, “embriagar-se com o excesso de prazer”), então essa pessoa perderá tudo, ficará sem nada. Na Cabala, tal pessoa e conhecida como “pobre”.

                Para todos nós está “prescrito” o que podemos ou não fazer. Se decidirmos ignorar a “prescrição”, então seremos castigados.

                Se não tivermos consciência da dor e do sofrimento que podem resultar do desrespeito à lei, então estaremos destinados a fazê-lo, pois, como resultado, receberemos prazer. Em consequência, receberemos também o castigo, a fim de que percebamos que, no futuro, não deveremos agir desse modo específico.

                Por exemplo, existe a lei que estabelece que não é permitido roubar dinheiro. Mas, se uma pessoa possuir forte atração por dinheiro e souber de onde ele pode ser roubado, o delito será cometido. Isso acontece, mesmo se não houver dúvidas de que, depois do roubo, virá um castigo; o ladrão em potencial de qualquer maneira será incapaz de perceber a total envergadura do sofrimento que acarretará a transgressão. Portanto, a pessoa decidirá que o prazer de adquirir o dinheiro superará o sofrimento que advirá do castigo. Mas, quando o sofrimento chegar, o ladrão perceberá que o sofrimento ultrapassou em muito suas expectativas, e que é inequivocamente maior que o prazer adquirido pelo roubo. Nesses momentos, o ladrão estará pronto para respeitar a lei. Quando a pessoa se libertar, será advertida de que o castigo pela próxima transgressão será muito maior. Assim acontece, para que ela não se esqueça do sofrimento que experimentou. Assim, quando o desejo de roubar surgir de ovo, a pessoa se lembrará tanto do sofrimento do passado quanto da advertência de que o castigo seguinte será muito mais severo que o anterior. Isso proporcionará certo incentivo para evitar envolver-se no roubo.

                Do exemplo anterior, e de muitos outros que nos cercam diariamente, vemos que o sofrimento dirige a pessoa por um caminho que, de outra maneira, ela não teria escolhido, se seguisse o ego. É sempre mais fácil roubar que ganhar; descansar que pensar ou trabalhar; e receber prazer, em vez de sofrer.

                A pessoa que decidir aprender a Cabala deve saber que é assim para seu próprio bem. Em outras palavras, uma pessoa deve perceber que o ego será beneficiado com tais ações. Nenhum de nós consegue carregar sobre si mesmo o peso do trabalho completamente altruísta, do qual não se obtém um rendimento monetário, honra, prazeres ou esperança de um futuro melhor. Mais ainda, somos incapazes de nos envolver em um trabalho que não produza nenhum resultado ou nenhum furto; que não confira nada a outro; que não resulte em nenhum benefício a ser conferido a outro; ou que aparentemente somente produzir esforços sem sentido no espaço vazio.

                É natural que nossa razão egoísta e nossos corpos não estejam preparados para tal tarefa, porque forma projetados pelo Criador para receber prazer. Somos forçados a sentir e a agir “altruisticamente” devido ao sofrimento que recebemos em nossas vidas diárias, à perda completa de qualquer deleite, ou até mesmo o mínimo prazer de nosso entorno. Assim, optamos pelo altruísmo, com a esperança de encontrar a redenção neste caminho, mesmo não sendo esse novo enfoque da vida considerado o altruísmo absoluto – visto que a meta de nossas ações é o bem-estar pessoal e a salvação. Não obstante, tal enfoque aproxima-se ao altruísmo.

                Isso nos permite caminhar gradualmente para o estado desejado, sob a influência da luz encoberta em nossas ações. Ao nos comportarmos de uma maneira altruísta – mesmo nos beneficiando de qualquer maneira, porque damos a fim de receber -, começaremos a perceber a luz (prazer) encoberta em nossas ações. A natureza dessa luz é tal, que nos corrige.

                Podemos observar acontecimentos similares na natureza. Por exemplo, pode haver uma chuva forte, mas não nos lugares onde produzirá o maior benefício. Assim, pode ser que a chuva caia no deserto, onde produzirá pouco efeito, em vez de cair nos campos, onde até a mais leve precipitação pode dar lugar a uma variedade de colheitas.

                Do modo, uma pessoa pode estar envolvida na leitura constante de textos espirituais, mas o fruto, isto é, a compreensão espiritual do Criador, a qual deve resultar desses esforços, pode ser fugidia. Por outro lado, é possível que, ao investir um esforço muito menor no estudo das partes corretas da Cabala, a pessoa recolha os benefícios de uma colheita maior, como resultado dos esforços realizados.

                O mesmo pode ser aplicado ao estudo da Cabal. Se o processo completo de estuda-la for dedicado à busca do Criador, em vez de à simples acumulação de conhecimento, então todo o efeito da Cabala como suporte de vida se produzirá no lugar apropriado. Mas, se a pessoa estiver estudando somente para receber maior conhecimento, ou, pior ainda, para se exibir e se orgulhar do intelecto, a Cabala não renderá os resultados corretos. Nesse caso, porém, isso pode revelar a meta apropriada do estudo, ajudando, assim, a focar os esforços na direção correta.

                Esse processo de corrigir a direção do pensamento do indivíduo ocorre constantemente no estudo da Cabala, pois a tarefa de cada ser humano é levar os pensamentos e os fatos para direção correta. Assim fazendo, a sua tarefa coincidira com a meta da Criação. Isso é especialmente importante no estudo a Cabala, pois não há meios mais poderosos de aproximação ao espiritual.

                Na Biblia, o Egito simboliza a supremacia de nosso egoísmo (conhecido como “Mitzraim”, palavra derivada de “mitz” e “ra”, que significam a concentração do mal). “Amalek” representa a tribo que fez a guerra contra Israel (palavra cuja origem eriva de “isra” e “El”, que significam direto para o Criador, isto é, os que desejam dirigir-se diretamente ao Criador).

                “Amalek” personifica nosso egoísmo, que, sob nenhuma circunstância, quer permitir as pessoas serem livres de seu poder. O egoísmo manifesta-se somente nos desejos da pessoa que tenta sair do cativeiro do Egito (egoísmo). Se o indivíduo estiver no começo de seu caminho. “Amalek” impedirá de imediato a sua passagem.

                Um repentino aumento na percepção do egoísmo e enviado somente àqueles que forem diferenciados e escolhidos pelo Criador. Apenas os que forem selecionados para alcançar uma compreensão superior do Criador receberão o “Amalek”. A intenção é invocar nessa gente uma necessidade do Criador, em vez da mera necessidade de melhorar suas qualidades pessoas ou simplesmente “tornar-se uma boa pessoa”.

                Um indivíduo, assim como escolher, começa a experimentar grandes dificuldades no reino da auto-superação. O desejo de estudar, que era tão forte no passado, diminui repentinamente. O corpo torna-se pesado, quando enfrenta as ações que deve realizar. A luta contra o corpo (o intelecto, nosso “eu”) foca o desejo deste de entender quem é o Criador – para onde deve ir e por quê e, ainda, se se beneficiará com cada um dos esforços.

                Caso contrário, sem nenhum benefício, nem a mente nem o corpo terão energia ou motivação para fazer alguma coisa. E nisso estarão corretos, visto que é ridículo realizar ações sem saber de antemão o resultado. Não há outra maneira de superar as limitações de nossa natureza humana e de penetrar no metamundo espiritual, senão adquirir o intelecto e os desejos comuns a esse metamundo.

                Esses desejos são opostos, em natureza, aos de nosso mudo, porque tudo o que percebemos e sentimos e tudo o que cria a imagem de “nosso mundo” é o produto de nossos intelectos e corações egoístas. Assim, apenas por meio do processo de substituir as noções existentes por suas contrárias (a fé pela razão e o “dar” pelo “receber”), poderemos entrar no mundo espiritual

                Mas, por possuirmos apenas as ferramentas com as quais fomos criados originalmente, isto é, o intelecto e o egoísmo, e elo fato de que nosso intelecto funciona somente com o propósito de beneficiar nosso egoísmo, não podemos produzir internamente as diversas ferramentas da razão e da percepção. Estas devem ser obtidas do exterior, do Criador.

                Por essa razão, Ele nos atrai para Si, demonstrando-nos, no processo, que somos incapazes de mudar sem Sua ajuda. Mesmo que o corpo recuse, devemos procurar e incentivar um vínculo com o Criador, porque somente essa ligação facilitará nossa redenção espiritual.

                Não deveríamos pedir ao Criador a capacidade de ver e experimentar milagres, acreditando falsamente que essa experiência nos ajudará a superar o ego e trazer uma apreciação da grandiosidade do plano espiritual, em vez de sermos simplesmente presos pela fé cega. A Cabala adverte contra tal pensamento, ao relatar a história do êxodo do Egito: Quando “Amalek” atacou as pessoas, Moisés os derrotou somente levantando suas mãos e pedindo o poder da fé.

                No processo da ascensão espiritual, adquirimos uma fé superior constantemente, e ela aumenta a cada nível alcançado.

                Como resultado, devemos aumentar constantemente o poder de nossa fé, de modo que este seja sempre maior que o poder do intelecto; do contrário, poderemos, uma vez mais, submergir na influência do egoísmo.

                Esse processo continuará até que os aferremos somente ao Criador. Na última etapa, conquistaremos a máxima compreensão, a suprema recepção da luz (“Ohr Hochmah”), sem nenhuma graduação. Isso é descrito como “a luz que foi criada no primeiro dia da Criação, na qual o homem viu o mundo de um extremo ao outro”. Na Cabala, diz-se: “No começo da Criação, tudo estava envolvido na luz suprema”.

                Em outras palavras, quando a luz ilumina a todos, sem distinguir os níveis, então tudo se torna claro. Nesta luz, não há princípio nem fim, nem matizes, e tudo é absolutamente compreensível.

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13 – O CAMINHO DA CABALA

                O caminho da Cabala é um logo e difícil período de reavaliação das metas pessoais na vida de uma pessoa, de reavaliação do ser, de uma clara definição da direção dos seus desejos, de uma verdadeira avaliação das forças motivadoras de suas ações, da tentativa de superar os desejos do corpo e as exigências da razão, além de captar por completo o poder do egoísmo.

                O caminho da Cabala é, ao mesmo tempo, um duro e prolongado período de sofrimento para tentar satisfazer os próprios desejos. É um período de desilusão em que a pessoa é incapaz de encontrar um “enfoque” genuíno das aspirações pessoais. É o momento de perceber que a única saída da máxima fonte de sofrimento (egoísmo) é a mudança para os pensamentos altruístas, os quais excluirão qualquer pensamento sobre si mesmo, conduzirão, gradualmente, a pensamentos sobre o Criador. Estes últimos, por sua vez, suscitarão tamanhas sensações agradáveis de serenidade, que a pessoa não desejará pensar em qualquer outra coisa.

              Apenas depois de ter passado por todas as etapas do desenvolvimento espiritual inicial – o caminho da Cabala -, começaremos a perceber a luz superior – a luz da Cabala -, que brilha mais e mais sobre nós à medida que ascendemos em cada degrau da escada espiritual que nos conduz à fusão máxima com o Criador.

                Portanto, a totalidade de nosso caminho compreende duas partes: o caminho da Cabala e a luz da Cabala.

             O caminho da Cabala é um período de preparação para novos pensamentos e desejos, durante o qual experimentamos sentimentos de sofrimentos e desejos, durante o qual experimentamos sentimentos de sofrimento. Mas uma vez cruzada essa ponte que nos conduz à morada do Criador, penetramos no mundo da espiritualidade – o reino da luz. Nesse ponto, conquistaremos a meta final da Criação: a máxima percepção do Criador.

              A geração do Dilúvio chama-se o período do trabalho do coração, ao passo que a geração da construção da torre da Babilônica é conhecida como o período do trabalho com o intelecto.,

                Cada um de nós se esforça para satisfazer seus desejos, desde o primeiro momento de sua vida até o momento final. A diferença entre nós reside no objeto do qual desejamos receber prazer; o prazer, em si, é sempre espiritual. Apenas o invólucro externo cria a ilusão da natureza material do prazer. Por essa razão, inconscientemente, esforçamo-nos para mudar a vestimenta externa do prazer, esperando receber prazer na forma pura da luz do Criador.

                Porém, pelo fato de a diferença entre nós residir em nossas aspirações a diferentes invólucros externos de prazer, julgarmos as pessoas de acordo com os diversos nomes desses invólucros, ou vestimentas, de prazer consideradas normais, amplamente aceitas, tais como o amor pelas crianças, pelo alimento, pelo calor etc. As outras vestimentas são muito menos aceitáveis, com as drogas, o assassinato ou o roubo, fato pelo qual devemos encobrir nossas aspirações em relação a esse tipo de prazer.

                Porém, toda a humanidade aceita que o egoísmo pode ser utilizado sem nenhuma vergonha dentro de certos limites. Mais ainda, os limites aceitáveis, dentro dos quais pode ser utilizado, variam constantemente; assim como a moda que dita padrões.

               Cada um de nós, no curso de nossas vidas e sob a influência da idade – o que significa sob a providência geral do Criador; a natureza -; também muda as vestimentas que utilizamos para satisfazer nossa necessidade de prazer.

                De um indivíduo a outro, a mudança de um invólucro a outro é dramática. Por exemplo, uma menina recebe prazer ao brincar com uma boneca, mas não é capaz de receber prazer ao cuidar de um bebê verdadeiro. Por outro lado, sua mãe não consegue receber nenhum prazer de uma boneca, assim como é incapaz de convencer sua filha a se regozijar ao cuidar de uma criança de verdade.

                Do ponto de vista da menina, formado de acordo com suas próprias percepções, sua mãe trabalha arduamente cuidando do bebê verdadeiro e isso não lhe causa nenhum prazer. Na mente da menina, é impossível receber prazer de uma criança de verdade, porque esta não é uma boneca. Ela tem certeza de que sua mãe será compensada por seu duro trabalho no mundo vindouro, mas ela deseja receber o prazer neste mundo; então opta por brincar com o a boneca. Amenina pensa deste modo, e ninguém vai discordar dela, porque não tem idade para experimentar o prazer derivado dos objetos verdadeiros deste mundo. Portanto, o prazer vem dos brinquedos – o ilusório -, dos objetos irreais.

               Todos nós, sendo criações divinas, aspiramos somente ao prazer que emana do Criador. Todos nós podemos ter somente o desejo d’Ele, e perceberemos somente por meio dessa aspiração. Nesse sentido, não somo diferentes a nossas almas de antes de sua descensão a este mundo, quando se vestiram com nossos corpos. Também não somos diferentes de nossas almas depois de termos passado por todos os ciclos da vida, e de regressarmos por fim ao Criador.

              Fomos criados de modo a desejarmos ser gratificados pela luz que emana do Criador, e isso não pode ser modificado. Nem deveria ser modificado!

             Tudo o que exige de nós é que troquemos as vestimentas de nosso prazer, e que substituamos a boneca pelo bebê verdadeiro, e assim consigamos o prazer real! O ser humano é como uma criança na hora de comer: deseja receber apena o que quer.

               Mas, se tiverem certeza de que o prazer chegará como resultado, os seres humanos realizarão certo esforço. Se quisermos nos comprometer com a auto-superação com o estudo da Cabala, então o corpo repentinamente fará a pergunta: por que isso é necessário?

                Há quatro respostas para essa pergunta:

  1. Para incomodar os outros. Essa é a pior de todas as razões possíveis, porque tem como propósito causar sofrimento a outras pessoas;
  2. Para receber uma boa posição, honra e dinheiro; ou para encontrar um bom parceiro para si mesmo. Esta meta é melhor que a primeira, porque traz algo de útil para os outros. Isso é considerado trabalhar para os outros, pois as pessoas compensarão quem realiza o esforço;
  3. Para mostrar apenas ao Criador os estudos e esforços em se melhorar, mantendo segredo dos outros, o que evita, assim, ser apreciado. Deseja-se somente a recompensa do Criador. Isso é considerado trabalho para o Criador, porque a pessoa espera apenas a recompensa do Criador;
  4. Para o Criador aceitar todos os frutos do trabalho da pessoa, sem ela esperar nenhuma recompensa em troca. Somente nesse caso o egoísmo fará a pergunta: “o que você conseguirá com isso?”. Não existe resposta razoável que se possa dar a si mesmo, então a solução é proceder contra a própria razão e contra os próprios sentimentos, ou seja, acima deles. Deste modo, toda a tarefa fica reduzida ao único esforço de separar a razão e os sentimentos do processo de avaliação crítica do próprio estado. Por conseguinte, a pessoa deposita a confiança total no Criador. Todos os esforços pessoais devem implicar a concentração de todos os pensamentos e sentimentos no Criador e na grandiosidade da vida espiritual. Mas, se a voz interna da razão desafiar a pessoa, propondo argumentos para se redirecionar para os assuntos cotidianos, essa pessoa deve responder: “tudo o que foi exigido na verdade foi cumprido”. Ao mesmo tempo, cada pensamento e cada desejo devem ser para o beneficio do Criador. Mais ainda, a pessoa deve recusar toda a crítica da voz interna, até mesmo quando se vê como que suspensa no ar, sem nenhuma base concreta, racional ou mental. Tal estado é conhecido como estar acima da razão e dos sentimentos (“lemala me hadaat”).

                Quanto maior for o prazer recebido de certa aquisição, mais valiosa a pessoa a considera. Quanto mais valorizamos algo, mais tememos perdê-lo. Como uma pessoa poderá perceber a importância do plano espiritual, sem ter experimentado a espiritualidade? Ela toma consciência disso justamente ao se encontrar no estado de vazio espiritual, quando está preocupada com a falta até da mínima percepção da grandeza do espiritual. Isso quer dizer que se sente completamente distanciada do Criador e incapaz de mudar. Seus esforços, nesse estado, considerados como seu trabalho cotidiano, dão lugar à importância de atingir a percepção espiritual, conhecida como “Shabbat” (o sábado). Esse é um período no qual a pessoal já não precisa (na realidade, é proibido) trabalhar em si próprio, mas é somente obrigado a observar o “Shabbat”, para não perder essa dádiva do Criador.

                Se um individuo tem um interesse pessoal em algo, já não consegue julgar com objetividade nada lidado a isso. Por essa razão, se outra pessoa tentar dizer diretamente a este indivíduo que certo comportamento seu é incorreto, será improvável que ele aceite os comentários. Para ele, o comportamento em questão é conveniente e, portanto, ele tem certeza de que está agindo corretamente. Porém, se esse indivíduo aceitar comportar-se de acordo com as instruções de outros o tempo revelará que a verdade jaz não em suas ações e pensamentos anteriores, mas no comportamento que lhe fora sugerido.

                Pelo fato de o objetivo do Criador ser beneficiar Suas criações (referindo-se a nós, visto que todo o resto é criado por Ele apenas com fins auxiliares, enquanto uma pessoa não souber discernir o essencial no recebimento de prazer, e deixar de ver as deficiências em qualidade, em nível etc., não terá atingido a meta da Criação.

                Mas, a fim de receber prazer – a meta da Criação -, a pessoa deve, primeiro, embarcar na correção de seu próprio desejo de ser gratificado. Deve ser agradado simplesmente porque o Criador assim deseja. Não precisamos nos preocupar em receber prazer, pois tão logo seja feita essa correção, sentiremos o prazer imediatamente. Portanto, devemos nos concentrar na tarefa de corrigir nosso desejo de receber o prazer, isto é, nosso vaso.

                Isso pode ser comparado ao processo de adquirir um apartamento. Não devemos nos preocupar em como consegui-lo. Não devemos nos preocupar em como pagá-lo e em como ganhar o dinheiro necessário. Assim que o aspecto financeiro for arranjado, possuiremos o apartamento. Portanto, todos os esforços devem se concentrar no dinheiro, não no apartamento.

                O mesmo pode ser aplicado à percepção do plano espiritual. Todos os esforços devem ser dirigidos para a criação das condições necessárias para receber a luz, e não para a própria luz. Quando nos concentrarmos em cultivar em nós mesmos pensamentos e desejos altruístas, sentiremos de imediato o prazer espiritual.

                O benefício do progresso da humanidade – embora esta aparente errar constantemente e nunca pareça aprender com seus próprios erros – esta no processo de acumulação do sofrimento, que acontece na alma eterna, oposta aos corpos temporários. Com relação a isso, nem um único ato de sofrimento se perde. Em algum momento vida neste mundo, isso conduzirá, eventualmente, ao reconhecimento da necessidade de dar uma volta em direção à elevação espiritual, na busca da libertação do sofrimento.

                Em relação ao nosso mundo, é correto designer os mundos espirituais superiores como antimundos, posto que, em nosso mundo, todas as leis da natureza são construídas sobre a base do egoísmo, da luta de captar e entender. Em contraposição, a natureza dos mundos superiores é baseada no altruísmo absoluto, isto é, no esforço de dar e ter fé. Os fundamentos da natureza espiritual e da material são tão diametralmente opostos que não existe nenhuma semelhança entre eles.

                Por conseguinte, todas as nossas tentativas de imaginar o que ocorre no outro mundo não produzirão nenhum resultado. Somente transformando os desejos do coração de captar em dar, e trocando os desejos do intelecto de entender por crer, contrariamente à razão, receberemos as percepções espirituais. Ambos os desejos estão conectados um ao outro, apesar de o desejo de captar encontrar-se no coração e o de entender encontra-se no cérebro. Isso é assim, porque o fundamento de ambos é o egoísmo.

                A Cabala explica que o nascimento do objeto espiritual começa quando “o pai leva a mãe ao exterior”, a fim de dar à luz um filho; a perfeição “move” a razão de analisar os arredores para poder receber um razão nova e superior, independente de qualquer desejo e, portanto, verdadeiramente objetiva.

                A simples fé no Criador não é suficiente. Esta fé deve existir em favor do Criador, em vez de ser para o benefício pessoal do indivíduo. A prece é considerada uma forma de nos dirigirmos ao Criador, para n’Ele suscitar o desejo de nos ajudar a buscar, por meio da oração, conquistar uma sensação de Sua reverência e de Sua grandiosidade.

                É somente esse voltar-se em Sua direção que fará com que o Criador reaja, elevando a pessoa que ora para o mundo superior, revelando-lhe toda Sua grandeza. Dessa maneira, a pessoal poderá receber a força necessária para elevar-se acima e sua própria natureza.

                Somente ao receber a luz do Criador, que proporciona a força suficiente para superar sua própria natureza egoísta, uma pessoa terá a sensação de ter alcançado a eternidade e a certeza. Nada pode mudá-la. De fato, não pode haver nenhum regresso ao egoísmo; ao contrário, haverá a existência eterna no mundo espiritual. Por essa razão, tal pessoa perceberá o presente e o futuro como iguais, o que produz a sensação de ter alcançado a eternidade.

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13.1 – O DESEJO DE RECEBER PRAZER

                Pelo fato de o Criado permanecer sempre no estado de repouso absoluto, nós, como Suas criações, também nos esforçamos para alcançar tal estado, a fim de conseguir o que desejamos.

                Ele criou duas forças para nosso desenvolvimento: a que nos empurra por trás, isto é, o sofrimento, que nos força a fugir do insuportável estado no qual nos encontramos; e a força de atração, que, mediante os prazeres antecipados, nos atrai.

                Apenas a combinação dessas duas forças, em vez de cada uma em separado, pode nos fazer avançar. Portanto, sob nenhuma circunstância devemos nos queixar de que o Criador criou em nós a ociosidade, deduzindo, assim, que, devido à Sua falha, nos é tão difícil começar a avançar. Pelo contrário, o fato de sermos preguiçosos significa que não seguimos, impulsiva e irrefletidamente, cada pequena tentação da vida, mas que avaliamos se o objeto da tentação vale a pena o esforço requerido para consegui-lo. Não tentamos fugir do sofrimento diretamente. Primeiro, procuramos determinar o propósito de qualquer sofrimento recebido, e, com isso, procuramos aprender como evitá-lo no futuro, pois ele nos força a agir e a nos movermos, o que tentamos evitar.

                Em todas as situações da vida, preferiríamos usar nossos egos. Porém, as pessoas a nossa volta nos impedem de agir de tal maneira. As regras da conduta social são construídas segundo o tácito acordo comum de utilizarmos o egoísmo de modo a causar o menor prejuízo possível aos outros.

                Esse arranjo resulta do fato de que esperamos receber o benefício máximo de qualquer contato social em que nos envolvamos. Por exemplo, um vendedor preferiria receber dinheiro sem ter que pagar por ela. Um empregador sonha com trabalhadores não remunerados, ao passo que os trabalhadores querem ser remunerados sem ter que trabalhar

                Nossos desejos podem ser medidos apenas com relação ao grau de sofrimento resultante da ausência do que se deseja. Quanto maior for o sofrimento pela falta do objeto desejado, maior será o desejo por ele.

                Diz-se: “O Criador deseja morar nas criações inferiores”. Nosso propósito na vida, assim como o da Criação, é criar em nós mesmos as condições apropriadas para o Divino more dentro de nós.

                A adoração do ídolo (“avodah zarah”) é o apego aos desejos egoístas do corpo. Em contrapartida, o trabalho espiritual (“avodat haShem”, “avodat haKodesh”) resulta do apego aos desejos ou metas altruístas, se ainda não existirem os desejos.

              O apego espiritual acontece quando as qualidades dos dois objetos espirituais são completamente similares. O amor espiritual é o sentimento de apego total de duas qualidades opostas: um ser humano e o Criador. Se os seres humanos não tiverem o desejo de recuperar o poder de volta a governar seus próprios desejos, então terão conseguido o amor verdadeiro do Criador, em vez de uma simples subordinação a Ele.

                A congruência de qualidades significa que, assim como o Criador experimenta alegria por ter uma influência positiva sobre Suas criações, os seres humanos também a experimentam com o reconhecimento de que é possível retribuir algo ao Criador.

                O retorno, “teshuvah”, é nosso regresso – enquanto vivemos neste mundo – ao estado espiritual da existência, no tempo em que nossas almas foram criadas, isto é, ao estado do primeiro Adão, antes de sua queda.

                 Temos duas fontes de ação e dois começos: o intelecto e o coração, o pensamento e o desejo. Ambos devem passar pela transformação de sua base egoísta em uma altruísta.

                  Todos os nossos prazeres são experimentados por meio do coração. Por conseguinte, se pudermos rejeitar qualquer prazer, terreno ou egoísta, então merecemos receber os verdadeiros prazeres do Divino, porque já não usamos mais nosso egoísmo.

                Por outro lado, o intelecto não recebe prazer por entender o que está fazendo. Se pudermos nos envolver em uma ação específica por pura fé, mais que por nosso próprio entendimento, e proceder de maneira contrária aos argumentos da razão (acima da razão), então teremos eliminado o egoísmo da mente, e podermos seguir o raciocínio do Criador, em vez de nossa própria compreensão.

                A luz do Criador penetra em todas as criações, incluindo em nosso mundo, apesar de não a sentirmos.

                Essa luz chama-se luz que dá vigor à Criação. É graças a ela que as criações e os mundos existem. Sem ela, toda a vida cessaria e a dimensão material do mundo desapareceria.

              Ela dá vida. Em nosso mundo, mostra seu efeito em várias vestimentas materiais dos objetos e em diferentes fenômenos que ocorrem diante de nossos olhos. Tudo o que nos cerca – incluindo nós mesmos e a mais simples criatura – não é mais que a luz do Criador.

                Devido ao fato de respondermos a carapaças externas, à vestimenta da luz, nós a percebemos como a muitos objetos. Mas, na realidade, ela é a luz do Criador, a única e incomparável força que age em cada uma das criações.

                A maioria das pessoas não a percebe, mas somente a sua vestimenta externa. Há pessoas que a percebem apenas na Cabala. Também existem os que veem a luz do Criador em tudo o que os cerca. Eles percebem tudo o que nos cerca como a luz divina que emana do Criador e enche tudo consigo.

            O Criador decidiu colocar o ser humano neste mundo com o propósito de que este se elevasse espiritualmente – da profundidade do estado original ao nível do Criador -, tornando-se, assim, um ser parecido com Ele. Por essa razão, criou a qualidade do egoísmo: o desejo de receber prazer.

                No princípio da Criação, a luz (o prazer) encheu toda a extensão criada (o egoísmo) e todo o tipo de desejos de receber prazer. Estes foram criados como parte do egoísmo concebido.

                Depois, o Criador restringiu a expansão da luz e a encobriu. No lugar da luz que existiu na Criação – no desejo de receber prazer e no egoísmo -, veio a dor, o vazio, a escuridão, a aflição e tudo o que se pode imaginar que surge quando há ausência de prazer.

                Com o propósito de manter, na pessoa, o mínimo desejo de viver e prevenir o suicídio pela falta de prazer, o Criador dotou os seres humanos do desejo de ser gratificado, inclusive com uma pequena porção de luz (“Ner Dakik”). Esta encontra-se em diferentes objetos de nosso mundo, aos quais aspiramos.

                Em consequência, de maneira inconsciente e automática, persistimos na busca constante da luz do Criador, e somos escravos dessa aspiração natural. Devemos acreditar que a ocultação do Criador é a sensação de desesperança que advém da falta do prazer nos são outorgadas pelo Criador de propósito, para nosso benefício.

                Se o a luz do Criador preenchesse nosso egoísmo, perderíamos a oportunidade de exercer nosso livre-arbítrio, e não seríamos capazes de agir livre e independentemente. Em vez disso, tornar-no-íamos escravos do prazer que nos preenche.

                Somente estando separados da luz do Criador experimentamos Sua ocultação, o que faz com que nos percebamos como seres completamente independentes e auto-suficientes. Isso nos permite tomar decisões com relação a nossas ações. Mas esse tipo de independência é demonstrada apenas em certas circunstâncias, porque, apesar do fato de o Criador se ocultar de nós, ainda possuímos o egoísmo, que dirige todos os nossos pensamentos e sentimentos.

                Portanto, a verdadeira liberdade existirá somente quando: 1. O indivíduo não experimentar a outorga do Criador; 2. O indivíduo puder agir independentemente dos desejos do corpo.

                A oportunidade de exercer nosso livre-arbítrio existe somente na vida terra, e é justamente para isso que existimos aqui.

                Cada indivíduo deve acreditar que não há nada no mundo além do Criador.

                A pessoa percebe em seu Eu um certo grau de independência apenas porque o Criador dotou de egoísmo nossa percepção. Porém, se nos livrássemos dessa qualidade, tornaríamos a ser parte do Criador.

                Devemos acreditar que Ele está encoberto apenas porque não podemos percebê-lo, e que essa ocultação foi projetada somente para nosso benefício. Portanto, enquanto não estivermos prontos para enfrentar a verdade, devemos acreditar que ela é muito diferente da maneira como a percebemos.

                A verdade só pode ser captada de uma maneira gradual e somente no grau em que tenhamos atingido a perfeição. Portanto, qualquer trabalho espiritual torna-se possível apenas enquanto o prazer do reino espiritual estiver oculto de nós. Só então seremos capazes de dizer que nosso aborrecimento em relação ao plano espiritual foi enviado de propósito pelo Criador e que, de fato, nada é mais perfeito que este plano.

                Se, em vez dos sentimentos de tristeza, depressão e vazio, e em vez dos argumentos da razão, pudermos buscar a percepção do Criador e pudermos proceder acima de nossa própria razão, de acordo com o princípio da fé acima da razão, então Ele se revelará para nós, já que, em todos os estados de ser, esperamos essa revelação.

                O verdadeiro desejo de receber do Criador nasce em nós, com já foi descrito, e constitui a condição necessária para revelação do Criador. A força da fé na habilidade de percebê-Lo é medida pela profundidade de queda espiritual, de onde podemos fazer-Lhe súplicas.

                Porém, devemos entender que, sem a apropriada preparação para perceber o Criador, involuntariamente obteremos prazer egoísta por experimentar tal fenômeno espiritual. Portanto, devemos pedir ao Criador:

  1. A preparação necessária para experimentar o prazer superior.
  2. A força necessária para conservar a fé acima da razão, mesmo depois da revelação do Criador

                Há dois tipos de obstáculos derivados das forças impuras (“Klipot”) que atuam em nós: a restrição (“Ajizat Klipot”)e o sugar o alimento (“Yenikat Klipot”). Quando não experimentamos nenhum prazer com o estudo ou com a auto-superação e avançamos com grande dificuldade, a “Klipah” mostra-nos os defeitos da existência espiritual.

                Como resultado, sentimos que não há valor no plano espiritual. E, portanto, a “Klipah” recebe uma oportunidade para que nos abstenhamos de estudar, por não vermos nenhuma grandeza no espiritual. Tal estado é conhecido como A Revelação do Criador nas Cinzas (“Shchinta be Afra”).

                Porém, se, com força de vontade, persistirmos em avançar, então começaremos a receber o gosto pelo trabalho em nós mesmos. Neste ponto, a “Klipah” começa a se alimentar de nossas conquistas espirituais. Deseja apropriar-se de tudo o que ganhamos com nossos esforços (o prazer do espiritual). A “Klipah” alcança esta meta, infundindo-nos o desejo de continuar trabalhando. Porém, a motivação por trás desse trabalho é o prazer pessoal, em vez do fato de esse trabalho ser desejado pelo Criador. Se estivermos de acordo com essa tendência, então todo o prazer se renderá por completo diante do ego da pessoa. Isso é conhecido como sugar o alimento das klipot. Nesse caso, devemos pedir ajuda ao Criador para resistir à tentação dos pensamentos daninhos.

                Concluindo, no começo devemos pedir ao Criador que nos dê prazer com a Cabala, e depois devemos implorar que esse prazer não seja absorvido pelo egoísmo. Os protestos do corpo contra o trabalho espiritual – que não gera nenhum prazer para o corpo nem dá a certeza de que a recompensa chegará no futuro – são conhecidos como má língua.

                A fim de nos livrarmos da tentação, devemos pretender ser cegos e surdos aos chamados do corpo, e imaginar que a luz superior existe, mas que é invisível. Somente então o Criador abrirá nossos olhos, para que sejam capazes de perceber a luz, e nossos ouvidos, para que possam ouvir o que Ele nos está dizendo, somente a nós.

                Os esforços que dedicamos a cada tarefa de perceber o plano espiritual acumulam-se gradualmente, até chegar a uma quantidade suficiente para formar o vaso (“kli”) ou a vestimenta (“levush”) necessários para receber a luz do Criador, isto é, nossas almas espirituais.

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14 – REVELAÇÃO E OCULTAÇÃO

                Não há nada no mundo exceto a Luz (o Criador) e aquilo que foi criado pela Luz (a pessoa, que permanece dentro dessa Luz). Uma pessoa pode percebê-la, quando houver uma correspondência entre suas qualidades e as do Criador. Se tais qualidades não se corresponderem, a pessoa não poderá perceber a luz do Criador.

                No começo, colocam-nos nas condições de um domínio explícito e completo do egoísmo, conhecido como “nosso mundo”. Somente por meio de nossos próprios esforços poderemos aos poucos despertar e cultivar, dentro de nós, o desejo e a necessidade de perceber o Criador (criar um vaso para a Sua luz), até o ponto de começarmos apercebe-lo.

                Nossos esforços devem voltar-se para a tentativa de nos corrigirmos, com toda a força que tenhamos, até que seja óbvio que todos os esforços para atingir a meta desejada serão inúteis. Então, é o momento de voltar-se para o Criador por meio de uma prece, pedindo-lhe ajuda para conseguir a libertação do egoísmo e a união com Ele.

                Esse processo pode levar meses, até mesmo anos, se empreendermos esse esforço sob a direção de um mestre cabalista; e pode levar várias vidas, ou reencarnações (“guilgulim”), se o esforço for empreendido por nossa própria conta, pelo caminho do sofrimento.

                Somente os esforços corretos, na direção precisa, produzirão o vaso da alma, no qual o Criador se nos revelará. Na Cabala, as razões por trás de nossas ações são conhecidas como os pais, e as consequências das ações são conhecidas como os filhos (os atos espirituais corretos).

                O indivíduo não nasce por sua própria vontade. Espiritualmente, ele é forçado a nascer – a receber uma alma: a luz do Criador – pelo Criador, por meio do sofrimento. Mas tem a capacidade de nascer independente, por meio da Cabala.

                O indivíduo não vive por sua própria vontade. Se não agir (viver) de acordo com sua vontade egoísta, a verdadeira e eterna existência espiritual será recompensada, o que, por certo, pode-se chamar de vida.

                O indivíduo não morre por sua própria vontade. Se não quiser morrer (espiritualmente), ou seu quiser permanecer no estado de morte espiritual (sem a alma; sem a luz do Criador), então não deve agir de acordo com sua própria vontade.

                O trabalho da linha média da alma começa com o trabalho com a linha direita, já que seu uso está proibido (restrição, “Tzimtzum”). A luz da sabedoria (“Ohr Hochmah”) mostra o egoísmo como mau (“aviyut”); e a pessoa sente que não existe um ato pior do que trabalhar em benefício de si mesmo. Porém, ela ainda não possui o desejo, nem a força, para trabalhar em favor de outros, isto é, de dar. Portanto, há necessidade de linha esquerda, que nos proporciona desejos altruístas e força.

                Os órgãos espirituais de percepção, tal como nossos cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), funcionam de acordo com uma meta particular estabelecida. O efeito da luz da sabedoria faz-nos reconhecer que não há nenhum benefício pessoal no uso dos cinco sentidos; isto é, não tem sentido trabalhar por nosso egoísmo.

                Na ausência do desejo de autogratificação – o que em geral induz os cinco sentidos a funcionarem – , experimentamos uma falta total de energia para realizar qualquer ato, a qual nos conduz à letargia e à inação. Nessa etapa, ainda não percebemos que a meta de nossos esforços pode ser o dar, isto é, que nossas ações podem ser altruístas.

                Por essa razão, precisamos da influência de outra qualidade espiritual, conhecida como a luz vermelha, a linha esquerda (“Malhut memuteket be Binah”). Essa qualidade é necessária para convencer nossos desejos a aceitarem trabalhar de maneira altruísta (as qualidades de “Binah”). Quando tivermos recebido a energia espiritual e o movimento altruísta tiver se iniciado, começaremos a agir com uma combinação de ambas as qualidades, da linha direita e da linha esquerda.

                Como resultado, receberemos a luz do Criador e nossos novos desejos (a linha média), e assim continuaremos recebendo prazer com a perfeição. Se estivermos prontos para receber os poderes da fé e do altruísmo, então eventualmente seremos capazes de receber a razão mais elevada.

               O princípio de rejeição da autogratificação – que foi adotado por uma das principais religiões do mundo, e princípio de conseguir prazer – que foi escolhido por outra – provêm das forças impuras (“klipot”), egoístas, das linhas direita e esquerda da ascensão espiritual. Portanto, o ponto no qual a Cabala trata o tema de impor limitações a si mesmo requer uma etapa preliminar: trabalhar em si – fazer uma tentativa de rejeitar a idéia de autogratificação, usando a própria força de vontade.

                As raízes de todos os diversos tipos de fé, de todas as tendências espirituais, de todos os grupos e de todas as filosofias religiosas podem ser localizadas na variedade de “klipot”. Estas circundam as linhas espirituais puras, esquerda e direita, que se mantêm no processo de pegar, captar (“ahizah”) ou por meio do sugar alimento (“yenikah”).

                No entanto, a meta de qualquer tarefa é alcançar a linha média, ascender para o infinito, que não tem fim ou limite, atingindo, assim, a percepção do Criador, ilimitada pelas particulares qualidades humanas.

                No vocabulário espiritual, um desejo é considerado um lugar. A ausência do desejo é considerada a ausência de um lugar. Isso é similar a quando uma pessoa declara que não tem nenhum espaço no estômago para o alimento, pois não tem mais desejo de comer.

                O lugar espiritual, ou o desejo de um indivíduo de perceber o Criador, é conhecido como o vaso (“Kli”), o recipiente da alma ou “Shekinah”. Esse vaso recebe a luz do Criador ou a Sua revelação, também conhecida como a alma da pessoa. O próprio Criador é conhecido como o “Shohen”.

                Posto que todos os nossos desejos estão impregnados com nosso egoísmo (o desejo de receber), a luz do Criador fica encoberta. À medida que o egoísmo é expulso de nossos desejos, fica disponível um lugar maior. Um desejo não corrigido é conhecido como egoísmo. Um desejo corrigido é chamado de “Israel”.

                Quando o lugar é esvaziado, como resultado de um desejo corrigido, a luz do Criador revela-se, mas Ele continua operando de uma maneira encoberta. Depois de termos corrigido e purificado nossos desejos (lugares, recipientes), perceberemos o processo da revelação do Criador como a aparência da luz. Porém, na realidade, nenhum movimento é realizado, pelo contrário, como no processo da revelação de um negativo, a luz aparece gradualmente em nossa percepção.

                Devido ao fato de não podermos percebê-la, mas somente seu efeito sobre nossos recipientes, dirigimos-nos ao Criador por meio do nome associado a Sua Revelação: “Shekinah”. Somente podemos determinar Sua essência pelas sensações e pelas emoções que Ele nos evoca. Por essa razão, a revelação do Criador é conhecida como “Shekinah”.

                Se Ele se ocultar, então se diz que a Shekinah está no exílio, ou que o Criador está escondido. Se um indivíduo conquistar o direito à revelação do Criador, então isso será conhecido como o regresso do exílio.

                O grau variável segundo o qual o Criador se nos revelará chama-se alma (“Neshamah”).

                Assim que formos capazes de corrigir pelo menos um de nossos desejos altruístas, receberemos uma imediata percepção do Criador.

                Nesse sentido, diz-se que a alma humana é parte do Criador.

                Quando alcançarmos a etapa final da correção, o Criador preencherá todos os nossos desejos, isto é, Ele se revelará no grau máximo em que planejou revelar-se a Suas criações. No início da Criação, todos os nossos desejos forma projetados para esse propósito supremo.

                “Shekinah” é a raiz e a soma de todas as almas individuais. Cada uma das almas é parte da revelação geral do Criador. Quando Ele se revela, está expressando Seu desejo de agradar Suas criações. Essa é a compreensão dos que alcançam a percepção do Criador.

                Não podemos responder à pergunta sobre o que levou o Criador a desejar nos criar com o propósito de nos agradar, porque essa pergunta abrange o processo que ocorreu antes da Criação. Podemos apenas compreender o que nos pode ser revelado, isto é, o que se desenvolveu depois da Criação.

                A etapa inicial na qual começamos a compreender a Criação é a percepção do prazer que emana do Criador. Por essa razão, a meta da Criação – “o desejo do Criador de agradar” – refere-se somente às criações que já O percebem.

                Todas as perguntas que se referem aos assuntos além deste nível estão acima de nossa habilidade de entendimento. Sempre devemos lembrar que toda a compreensão humana e o conhecimento derivam somente da percepção pessoal.

                A única coisa da qual somos constituídos é de nosso desejo de sermos satisfeitos.

                Todo nosso potencial físico e mental, todas as nossas capacidades e todo nosso progresso existem com o único propósito de nos permitir receber prazer de vários objetos, os quais continuamos inventando, descobrindo e considerando necessários, na moda ou aceitáveis. Isso assim é com o único objetivo de sermos capazes de receber prazer constantemente.

                Não podemos nos queixar das ilimitadas formas do desejo de receber prazer. Foi suficiente para o Criador gerar nada mais que um único desejo, a fim de induzir os seres humanos a se sentirem como seres independentes, que desejam e são capazes de se comportar de modo autônomo, com base em um único instinto, o de maximizar o prazer pessoal.

                Esse processo acontece com a ajuda de todas as nossas faculdades: intelectual, inconsciente, física, ética, e muitas outras. Também inclui todos os níveis de memória, desde a molecular e biológica até às de níveis mais altos de nosso intelecto.

                Por exemplo, um homem gosta de dinheiro, mas dispõe-se a renunciar a toda sua fortuna mediante uma ameaça de morte feita por um assaltante. Desse modo, ele troca uma fonte de prazer (o dinheiro) por um prazer ainda maior (permanecer vivo).

                Somos incapazes de fazer alguma coisa, sem termos a certeza de que, como resultado, ficaremos em uma posição mais vantajosa. É irrelevante a maneira como o benefício será conferido. O crucial é que o nível resultante de prazer exceda o nível inicial. Somente então agiremos.

                Qual é, então, a diferença entre o prazer recebido do egoísmo (de obter) e o prazer recebido do altruísmo (de dar)? A diferença significativa é que, ao recebermos prazer pelo egoísmo, nossa sensação de prazer é invariavelmente acompanhada por uma sensação de vergonha. Mas, ao recebermos para o benefício do doador, não sentimos nenhuma vergonha, e nosso prazer é absoluto.

                O ser espiritual original, conhecido como a alma comum ou o primeiro homem, não pode realizar essa transformação de pensamento, quando recebeu o grandioso prazer do Criador. Por conseguinte, foi dividido em 600.000 partes (almas). Cada parte, cada alma, recebeu uma pequena porção da carga do egoísmo que deveria corrigia. Quando todas as partes estiverem corrigidas, unir-se-ão novamente para formar uma alma comum corrigida. Quando tal estado for alcançado, completar-se-á o processo corretivo, conhecido como “Gmar Tikun”.

                Por exemplo, em nosso mundo, uma pessoa pode abster-se de roubar uma pequena quantidade de dinheiro porque isso representa uma quantidade insignificante de prazer. O medo do castigo, combinado com o sentimento de vergonha, prevalece acima do desejo de roubar. Porém, se a quantidade de dinheiro for suficientemente grande, então a atração pela gratificação será muito mais forte que a capacidade de resistir.

                Assim, o Criador gerou as condições necessárias para a liberdade de escolha de que precisamos para superar nosso egoísmo. Ele dividiu a alma em uma multiplicidade de peças, e depois separou cada uma em muitas etapas sucessivas de fases corretivas (nas quais obriga a peça a se vestir em um corpo humano). Depois, Ele fragmentou cada estado do ser humano em um certo número de ascensões e descensões requerido para o questionamento, a fim de alterar a natureza da pessoa.

                Se sentirmos amor pelo Criador, de imediato também deveremos procurar acrescentar em nós sentimentos de temor, com o propósito de garantir que nosso sentimento de amor não seja egoísta. O desejo de nos aproximarmos mais do Criador, e de maneira perfeita, existirá somente se o temor e o amor estiverem presentes.

                Aqueles que experimentam um anseio pela percepção espiritual, mas não percebem o Criador, enchem-se de pânico e confusão espiritual. Apesar de terem recebido do Divino o desejo de captar o Criador, tais indivíduos ainda não estão prontos para dar o passo adiante de maneira independente, rumo ao fim desejado. Por outro lado, escolhem esperar que lhes seja enviado um desejo divino muito forte, que servirá como um empurrão para a frente. Permitirá que percebam que cada sentimento e cada circunstância estão plenos do desejo do Criador de atrair sua atenção para Ele e de os incitar a se aproximarem d’Ele, então, possível detectar o chamado do Criador.

                É por essa razão que cada um de nós vê o mundo de maneira muito pessoal e interpreta de modo único tudo o que ocorre a sua volta. A regra que diz que “há tantos pontos de vista quanto pessoas” acentua o fato de que cada um de nós é único.

                Ao prestar atenção a nossos próprios sentimentos, podemos começar um diálogo com o Criador, de acordo com o princípio que diz que “cada pessoa é uma sombra do Criador”. Assim como a sombra se move com o movimento do indivíduo e todos os movimentos da sombra simplesmente repetem os do indivíduo, nossos movimentos internos – nossos desejos, aspirações, percepções, essência espiritual e a perspectiva sobre a vida – repetem os movimentos (os desejos) do Criador.

                Portanto, se uma pessoa experimentar repentinamente um desejo de perceber o Criador, deverá reconhecer de imediato que esse desejo não resultou de nenhuma ação individual, mas do fato de o Criador ter dado um passo adiante em direção a ela, criando um empuxo e uma atração para Ele.

                No começo do caminho, o Criador utiliza cada oportunidade apropriada para se comunicar conosco, despertando-nos nostalgia e angústia pela percepções espirituais. Porém, cada vez que Ele nos dá um puxão em direção ao plano espiritual, Ele espera uma reação igual de nossa parte.

                Portanto, se entendermos que o vigor com que desejamos perceber o Criador é tão forte quanto o vigor com que o Criador deseja nos aproximar d’Ele, deveremos desenvolver e fortalecer em nós mesmos esses sentimentos. Dessa maneira, podemos avançar rumo a Ele, até que possamos, finalmente, nos juntar a Ele em todos os desejos e qualidades.

                Mas, quando estamos ainda no princípio do caminho, não sentimos o Criador nem O entendemos. Depois de ter fracassado em várias tentativas de avançar em Sua direção, de repente parece-nos que, enquanto desejamos nos aproximar d’Ele, Ele faz pouco caso de nós.

                Em resposta, em vez de aumentar nosso anseio ao grau requerido para nos unirmos a Ele, em nossos corações começamos a culpá-Lo por nos ignorar. Ficamos zangados, e esquecemos completamente que Ele nos quer exatamente na mesma medida e, por essa razão, nos deu tais desejos com relação a Ele.

                Enquanto nos faltar a fé absoluta na unicidade do Criador, inevitavelmente repetiremos nossos erros muitas vezes, até que o Criador nos faça perceber que todo nosso desejos por Ele provém d’Ele próprio e que Ele aceitará todos os esforços de que precisamos e nos ajudará, revelando-se a nós demonstrando a verdadeira e completa imagem dos mundos e d’Ele mesmo.

                Somente poderemos nos unir ao Criador dirigindo todos os nossos anseios com alegria, “de todo o coração”. Isso compreende inclusive aqueles desejos que não são requeridos para chegar à equivalência de forma com o Criador.

                Se pudéssemos suprimir completamente todos os desejos egoístas que nos foram revelados antes, quando sentimos felicidade em nossos corações estabeleceríamos as condições que nos levam a encher nossos corações com a luz do Criador.

                Os aspecto mais importante da tarefa da auto-superação é alcançar um ponto no qual encontremos alegria nas ações que satisfazem o Criador, isso porque tudo o que se faz por benefício pessoal nos afasta d’Ele. Portanto, todos os nossos esforços devem visar nosso regozijo por nos dirigirmos ao Criador e por adquirirmos a doçura dos pensamentos e dos sentimentos acerca d’Ele.

                Quando nos sentimos vazios, este é o momento apropriado de buscar a grandeza do Criador e de encontrar apoio n’Ele. Quanto mais humildes nos considerarmos, e quanto mais percebermos o Criador, maior será o grau ao qual poderemos ascender após Lhe solicitar que nos salve e que alivie a situação em que nos encontramos.

                O Criador produz essa elevação depois de ter revelado Sua grandeza, a fim de oferecer a força necessária para seguir em frente. Nessa condição, precisamos do Criador e de Sua ajuda, posto que nossa razão está empurrando para uma direção completamente diferente. Portanto, a sensação de vazio existe justamente com o propósito de que a sintamos com a percepção da grandeza do Criador, chamada fé.

                Uma pessoa justa é aquela que, em tudo o que sente, seja bom ou mau, justifica as ações do Criador, independentemente dos sentimentos experimentados pelo corpo, pelo coração e pela razão. Ao justificar todas as sensações recebidas do Criador, é como desse um passo adiante em direção ao Criador, o chamado passo direito.

                Sob nenhuma circunstância devemos ignorar nosso verdadeiro estado e nossos sentimentos, independentemente de quão desagradáveis sejam. Mesmo se situações difíceis como esta forem requeridas, não devemos tentar anulá-las. Agindo dessa maneira, daríamos um passo esquerdo para frente.

                A perfeição no crescimento espiritual consiste no fato de constantemente avançarmos, alternando ambas as condições mencionadas.

                Uma pessoa absolutamente justa é aquela que justifica todas as ações do Criador para si mesma e para todo o resto das criações.

                O indivíduo que tenha conseguido a possibilidade de perceber todas as sensações deseja ser feliz ao dar. Em tal estado, a pessoa não pode experimentar quedas espirituais, pois cada acontecimento não é avaliado do ponto de vista do interesse pessoal.

                Assim, qualquer coisa que acontece, acontece para o bem. Porém, devido ao fato de a meta do Criador, na Criação, não ser essa, mas sim que os seres criados se beneficiem especificamente com seus próprios sentimentos – a conquista do nível da pessoa justa -, esse não é o estado final do homem.

                Portanto, depois de uma pessoa alcançar o nível do que é justo, é hora de começar gradualmente a restaurar o egoísmo que foi destruído após alcançar esse nível. Esse mesmo desejo egoísta que a pessoa justa restituiu a si pode ser acrescentado ao desejo de fazer o Criador feliz – este, adquirido por meio do trabalho espiritual.

                Devido a isso, o indivíduo pode não somente dar prazer, mas também receber prazeres dos desejos egoístas restituídos, sempre com a intenção de dar felicidade ao Criador. É como um altruísta deste mundo, que deseja fazer o bem aos outros pelo fato de que essas qualidades já estavam presentes nele desde o momento de seu nascimento.

                De fato, o altruísta não as recebeu do Criador como uma recompensa por seu trabalho em si mesmo. Na verdade, ele não quer nada, pois o gozo de conferir o bem aos outros enche seu ego. O altruísta é incapaz de agir de maneira diferente.

                Isso guarda semelhança com aquela situação na qual uma pessoa é convidada a comer na casa de um amigo. Quanto maior for o apetite do convidado e o prazer pelo oferecido, mais satisfação será recebida pelo anfitrião. Esse prazer não poderia ser recebido, se o convidado não tivesse fome. Mas, pela possibilidade de o convidado sentir vergonha por todo o prazer recebido, é possível que decline oferecimentos adicionais. Ao declinar com muita frequência, o convidado começará a sentir que, quando as delícias oferecidas forem aceitas, o anfitrião estará recebendo um favor. Então, todos os sentimentos de vergonha desaparecerão e o convidado experimentará o prazer em toda sua extensão.

                Nas sensações espirituais não existe o auto-engano, tal como a pretensão de que uma pessoa justa não queira receber prazer pro seu próprio interesse. Ganhando níveis de retidão, e com a ajuda do Criador, que substitui nossa natureza egoísta pela altruísta, a pessoa rejeitará verdadeiramente todo prazer egoísta, e desejará somente beneficiar o Criador.

                Mas, quando uma pessoa justa percebe que o Criador recebe prazer apenas quando suas criações se deleitam com os prazeres que d’Ele emanam – os prazeres que não são desprezados ou destruídos -, vê-ser novamente forçada a volta-se para o egoísmo. Porém, esta vez há uma meta diferente: experimentar prazer em favor do Criador.

                Ao fim e ao cabo, o Criador e o indivíduo convergem totalmente em suas intenções e ações, na medida em que cada parte tenta agradar a outra; e, por meio disso, obtêm prazer. Dessa maneira, não há limites para perceber o prazer.

                Por outro lado, quanto mais elevada for a sensação experimentada de prazer, maior será o nível espiritual conseguido. Há também prazer no reconhecimento da força infinita do poder e da energia sem nenhuma preocupação por si mesmo.

                Portanto, o nível de uma pessoa justa não é suficiente para satisfazer a meta da Criação. Ao receber prazer da luz que emana do Criador, são cruciais para a correção de nossas intenções saber “as razões pelas quais buscamos prazer”.

                A conquista do nível dos justos permite apenas que nos livremos da vergonha que experimentamos quando recebemos prazer do Criador. Assim como o egoísmo constitui nossa natureza neste mundo e o altruísmo é considerado uma noção utópica, eles são percebidos como contrários por aqueles que ocupam o reino do mundo espiritual.

                As dificuldades surgem da ocultação do Criador. Recebemos prazer somente quando satisfazemos nossos desejos. Mas a Cabala ensina que isso é mau, prejudicial para nós. Não entendemos por que isso é assim, posto que não podemos perceber prazer no sofrimento, e assim devemos acreditar que o sofrimento é bom para nós. Assim cada uma de nossas ações, ou pensamentos, produz uma multiplicidade de discernimentos.

                Mais ainda: quanto mais próximo estivermos da entrada do mundo espiritual (“Mahsom”), mais complexa se tornará a situação. Somente uma verdade fica evidente: “há muitos pensamentos no coração de uma pessoa, mas somente o conselho do Criador será estabelecido”.

                A diferença entre uma pessoa que deseja a elevação espiritual (isto é, que deseja adquirir as características espirituais semelhantes às do Criador) e uma pessoa que satisfaz Sua vontade em troca de pagamento (como resultado da educação recebida) é a seguinte: o último tem fé na recompensa e no castigo e, por essa razão, atende à vontade do Criador.

                O Criador é como um empregador que paga um salário; a pessoa é como um empregado que não se importa com o patrão, apenas com o salário: a recompensa e o castigo, neste mundo, ou no mundo vindouro. Isso dá ao empregado a força necessária para observar os mandamentos, sem ter que se perguntar: “por que estou fazendo a vontade do Criador?”. A resposta é: porque o empregado acredita em recompensas.

                Porém, aquele que procura fazer a vontade do Criador, sem receber pagamento em troca, pergunta-se constantemente: “por que estou fazendo isto?”; “Se esta é a Vontade do Criador, para que Ele precisa disto?”; “Ele é perfeito e completo, então por que nossas ações acrescenta-Lhe alguma coisas?”.

                Pode parecer que tais perguntas são apenas para a pessoa em questão, que depois começaria a se perguntar: “o que eu ganho por fazer a Vontade do Criador?”. Pouco a pouco, ela percebe que a recompensa por fazer a vontade do Criador é sua própria autocorreção, até que recebe do Divino a “Neshamah” (a alma) – a luz do Criador.

                A Cabala ensina que, para os pecadores, a má inclinação (o egoísmo) parece uma mecha de cabelo (um pequeno obstáculo), enquanto que, para a pessoa justa, parece uma montanha alta.

                A Cabala deve ser aplicada como se referisse justamente a uma pessoa cujos pensamentos e desejos característicos são chamados por uma multiplicidade de nomes de nosso mundo.

                Portanto, sob as categorias de pecadores e justos são descritos os estados de um único indivíduo. A ocultação refere-se não somente à ocultação do Criador, mas também à ocultação de uma pessoa de si mesma. Na realidade, nós não nos conhecemos, nem a nossas características verdadeiras. Estas nos são reveladas somente no grau em que formos capazes de corrigi-las. (Nesse sentido, a pessoa pode ser comparada a um cesto de lixo: quanto mais procura dentro de si, mais cheira mal.)

                Por essa razão o Criador demonstra àqueles que estão ainda no começo do caminho – os pecadores – que seu egoísmo não é tão grande que não possa ser superado. Isso acontece para que não percam a esperança e vislumbrem o trabalho inapropriado para a atual tarefa. Para os que já estão no caminho, O Criador revela uma medida maior do mal (egoísmo) dentro deles, e em grau apropriado ao sentimento de importância da correção e ao poder de resistência do seu egoísmo. Por fim, aos que desejam ser justos, o Criador revela a magnitude completa de seu egoísmo, que, por conseguinte, lhes parece uma montanha alta e insuperável.

                Portanto, à medida que a pessoa progride, o mal intrínseco é revelado mais e mais, em quantidades corrigíveis. Devido a isso, se uma pessoa repentinamente toma consciência de algo novo negativo dentro de si mesma, isso indica que é possível corrigi-lo nesse momento. Em vez de cair em desespero, deve pedir ao Criador que o corrija.

               Por exemplo, quando começamos a trabalhar em nós mesmos, podemos sentir apenas 10 gramas de prazer de todos os prazeres do mundo que nos cercam; e somos capazes de prescindir deles. Depois, o Criador nos dá para provar 15 gramas de prazer. No começo de nosso trabalho, devido a nosso gosto adicional pelos prazeres, sentimo-nos mais humildes (pela sensação de fascínio com coisas que não nos atraíam antes) e mais fracos (devido à diferença entre a força de nossa atração aos prazeres e o poder de nossa própria resistência a eles). Porém, em uma situação como esta, devemos nos dizer que, se o Criador acrescentou 5 gramas de prazer ao gosto dos prazeres que recebemos do mundo a nossa volta, ainda somos incapazes de nos corrigir, por isso devemos pedir Lhe força. Mas, ao recebermos a força necessária para superar os 15 gramas de prazer, obteremos 5 gramas adicionais de gosto pelo prazer, e mais uma vez nos sentiremos mais fracos e mais humildes, e o processo continua.

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14.1 – TRANSFORMANDO O EGOÍSMO EM ALTRUÍSMO

                Aquele que desejar experimentar o verdadeiro gosto da vida deve prestar atenção especial ao ponto espiritual em que se encontra seu coração. Cada um tem um ponto no coração. Porém, em geral, este não mostra sinais de vida e não ilumina, e, por isso, não temos consciência dele.

                Este é o chamado “ponto preto”, que é a semente da alma. A sua característica é ser altruísta, porque é uma semente do futuro vaso da alma, e sua luz é uma porção da do Criador.

                Porém, em seu estado inicial, esconde-se de nós, pelo fato de não o apreciarmos, e, por essa razão, esse estado é chamado de “Galut (exílio) da Shekinah” (Presença Divina). Tal estado da alma é o ponto.

                Se elevarmos a importância desse ponto acima de nosso próprio Eu, acima de nossa cabeças, ele será como uma coroa sobre elas, em vez do pó sob nossos pés. Então a luz será emitida do centro para o interior do corpo, e, nesse centro potencia, surgirá a fonte da força necessária para nossa elevação espiritual.

                Portanto, em vez de todas as nossas súplicas de ajuda ao Criador, nossa única prece deve ser pedir que tomemos consciência da importância de perceber o Criador como um meio para nossa melhora, em favor dele.

                A habilidade de realizar atos de bondade (atos altruístas) não é um meio, mas uma recompensa para aquele que deseja assemlhar-se ao Criador.

                A ordem sequencial do processo pelo qual uma pessoa afasta-se  do egoísmo e vai em direção ao mundo espiritual pode ser encontrada na Bíblia, no êxodo de Egito. O aparecimento dos vasos de outorga em uma pessoa chama-se êxodo do Egito.

                Porém, os desejos altruístas (vasos de outorga) significam que a pessoa deve seguir o caminho da fé, em vez o do conhecimento. Sair do egoísmo só é possível ao sentirmos a espiritualidade, quando percebemos o Criador; e a luz da sabedoria divide o “Yam suf” (mar Vermelho) ao meio. Nesse ponto, a pessoas passa pelo limite entre dois mundos.

                Para isso, o Criador realiza um milagre. Ele nos dá a luz da sabedoria (“Ohr Hochmah”), mesmo que não tenhamos o vaso apropriado para recebê-la. Com a ajuda dela, poderemos romper a barreira (“Mahsom”). Depois, findo o milagre, aqueles que tiverem entrado no mundo espiritual não voltarão ao nível de nosso mundo.

                Na etapa seguinte, adquiriremos um vaso para receber a luz da sabedoria, e isso se consegue no caminho do avanço no deserto espiritual, até que mereçamos receber a luz do Criador, ao ascender ao Monte Sinai. Nesse estado, observamos os mandamentos em virtude da fé acima do conhecimento, quando colocamos nossos próprios pensamentos e desejos abaixo da fé.

                O assim chamado estado menor (“Katnut”) – nesse caso, significa “Malhut” – tem somente a conotação de centro ou coroa (“Kéter”). Em tal presença mínima, nossas malvadas predisposições egoístas não podem nos dominar, porque colocamos a fé acima do conhecimento e da percepção.

                Este é um estado menor porque nele não levamos em conta o egoísmo, já que não temos força para combatê-lo. Essa situação pode ser comparada com a capacidade de alguém consumir apenas uma pequena quantidade de alimento e rejeitar a porção inteira.

                Porém, um vínculo com a luz do Criador só pode surgir, se formos capazes de recebê-la dentro de nós; isto é, se formos capazes de trabalhar de forma altruísta com nosso próprio egoísmo. À medida que o transformarmos em altruísmo, o vaso modificado será preenchido com a luz do Criador.

                Esse estado de nosso vaso espiritual (do egoísmo corrigido, o “Kli”) é chamado o estado mais grandioso (“Gadlut”). “Malhut” descende de Kéter” ao nível em que podemos resistir ao apelo da autogratificação e em que somos capazes de receber, mas não para nosso próprio prazer.

                Receber totalmente a luz do Criador, percebê-Lo em toda a extensão de nossa capacidade para se aferrar a Ele só é possível utilizando, ao máximo, nosso egoísmo em serviço do altruísmo. Tal estado é conhecido como o fim do processo de correção – a meta da Criação.

                Todas as nossas percepções são estritamente subjetivas, a visão do mundo disponível para nós depende inteiramente de nossos estados internos, espirituais e físicos, de nossos estados de ânimo etc. Mas, na percepção espiritual, as sensações compreendem a própria realidade, pois entendemos o presente segundo nossa posição espiritual.

                Nosso mundo é considerado nossa sensação imediata. O mundo vindouro é o que será sentido no instante seguinte. Não há dimensão de tempo, mas somente uma mudança de sensações. Se percebermos tudo pela fé acima do conhecimento, então viveremos completamente no futuro.

                Por exemplo, na vida diária, se formos donos de um negócio, determinaremos sistematicamente o resultado de nosso trabalho e de nossos lucros. Se virmos que nossos gastos e esforços não são justificados, isto é, o lucro é menor que o investimento, então fecharemos o negócio e abriremos um novo, porque a perspectiva de ganho permanecerá diante de nossos olhos. Sob nenhuma circunstância nos enganamos, mas determinamos com clareza nossos benefícios, em forma de dinheiro, honras, fama, tranquilidade, em qualquer forma que desejarmos.

                Poderíamos nos perguntar: “por que não somamos o resultado geral de nossas vidas, por exemplo, uma vez por ano?. E poderíamos considerar:  “com que propósito vivemos durante o anos passado?”; “Alem do mais, se lidamos, mesmo que ligeiramente, com nosso desenvolvimento espiritual, então por que precisamos nos questionar sobre cada momento?”

                   Nosso mundo é de falsidade

                Como resultado, nossos corpos não desejam enfrentar essas perguntas, porque, para elas, respostas, não podem ser dadas. Na realidade, qual poderia ser nossa resposta, quando o ano chega ao final ou quando final da vida se aproxima?

                Tudo passa – o bem e o mal – , e o que nos resta? Por que trabalharmos para as necessidades de nossos próprios corpos? Não há resposta, porque não há recompensa pela vida passada. Por isso, o corpo não nos permite fazer essas perguntas.

                A espiritualidade, por outro lado, posto que é verdadeira e sua recompensa é eterna, faz-nos a pergunta com a finalidade de nos despertar para que obtenhamos maiores benefícios por nossos esforços. Dessa maneira, nos corrigiremos em grau maior, e receberemos uma maior recompensa eterna.

                Por que, então, o Criador nos dá falsas preocupações na vida neste mundo? O processo de criar um vaso espiritual é muito complexo e longo. Acreditamos que devemos experimentar o espectro inteiro do egoísmo mundano para experimentar tudo, em toda sua baixeza, e saborear todos os seus falsos prazeres, até os seus mais baixos níveis.

                No transcurso de nosso trabalho, enquanto nos aproximamos do limite entre o reino físico e o espiritual, acumulamos experiências, até que, enfim, alcancemos o reino espiritual. Esse processo de adquirir experiência não ocorre em uma única revolução durante a vida neste mundo. Toda a informação é guardada em nossas almas e exibida no momento apropriado.

                Mas, até então, processo de aquisição esconde-se de nós, e experimentamos apenas nosso estado atual. Devido ao fato de toda a nossa essência centrar-se em nosso desejo de receber prazer, o Criador dá vida – conhecida como falsidade – a quem ainda não está pronto para a ascensão espiritual, com o que terá uma fonte de força para viver.

                Há uma luz que traz a diminuição do vaso dos desejos e há outra que traz consigo conhecimento e prazer. Em essência, é uma e a mesma luz do Criador; mas somos nós mesmos que dela extraímos a qualidade específica que queremos utilizar para nossos objetivos espirituais.

       “Abandona o mal e faz o bem”. A primeira etapa da correção chama-se o reconhecimento do mal, porque tão logo nos convençamos de que o egoísmo é o nosso inimigo mais perigoso e mortífero, o odiaremos e o abandonaremos. Nesse momento, uma situação como essa torna-se insuportável.

                Porém, não é necessário fugir do mal, mais sentir o que ele realmente é, e, depois, instintivamente nos separaremos do que é prejudicial. A percepção do que é o mal ocorre justamente ao estarmos sob a influência da realização de atos bons, enquanto cumprimos os mandamentos e aprendemos a Cabala, porque. Quando nos encontrarmos sob sua influência positiva, começamos a desejar a perfeição espiritual e a sentir o que exatamente nos está impedindo de experimentar a vida espiritual.

                A ocultação do Criador – o que se experimenta como sofrimento – , as perguntas sobre a Providência Divina, a falta de confiança n’Ele, assim como a interferência de pensamentos, tudo isso chama-se noite. A revelação do Criador – que se experimentar como prazer – , a confiança na Supervisão Divina, a sensação de estar conectado com o eterno, a compreensão das fontes superiores de todas as leis da natureza, tudo isso chama-se dia.

                Enquanto o Criador permanecer no estado de ocultação, deveremos trabalhar para adquirir a fé no fato de tal estado ser benéfico para nós, visto que, em todos os estados, o Criador nos faz somente o que é mais útil e benéfico.

                Se estivéssemos prontos para receber a luz do Criador sem nos prejudicar, indubitavelmente Ele se nos revelaria.

                Ma por não sermos capazes de controlar os prazeres que já sentimos, o Criador não nos outorga tais prazeres imensos, como os de Sua luz, visto que imediatamente nos tornaríamos escravos deles e jamais conseguiríamos fugir das correntes de nosso egoísmo. Por essa razão, ficaríamos, inclusive, mais distantes d’Ele.

               Cada nova geração, em sua maioria, determina o valor e a beleza das coisas, objetos, acontecimentos e categorias, rejeitando as normas da geração anterior. Portanto, não existem normas absolutas; por outro lado, a maioria em cada geração dita suas próprias normas de modo que o resto possa segui-las. Por essa razão, sempre há novas tendências e modelos de conduta aos quais uma pessoa pode aspirar. Portanto, tudo o que é ditado pela maioria é considerado maravilhoso e os que mantêm esses valores recebem respeito e honras. Em consequência, a pessoa esta disposta a fazer grandes esforços para alcançar aquilo que é valorizado pela sociedade. Por isso, é difícil adquirir as qualidades espirituais, já que as tendências atuais não ditam para a maioria ter esse objetivo em alta estima.

                Na realidade, é mesmo tão importante perceber o plano espiritual? De fato, a espiritualidade é extremamente importante. Porém, se isso é assim, por que o Criador a mantém oculta? A resposta é que, a fim de que não estraguemos tudo, Ele criou um “truque” especial chamado ocultação. Isso impede que toda a grandeza do mundo espiritual seja vista, pois não podemos controlar os sentimentos que já experimentamos, assim como já foi explicado. E, como agora se oculta de nós, somente podemos confiar na fé concernente à imensa importância de perceber o Criador. Porém, segundo a opinião da maioria das pessoas, o valor do apreço espiritual chega a zero; portanto, é detestado praticamente por todos.

                Esse processo ocorre, apesar de os padrões de beleza, a ordem das prioridades, as normas de comportamento e as leis da sociedade serem claramente determinados por personalidades desprezíveis, que mudam seus princípios constantemente, o que demonstra assim carecerem de substância e que suas normas são infundadas e falsas.

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15 – CORREÇÃO ESPIRITUAL GRADUAL

                A fé acima da razão permite-nos perceber nosso maior inimigo (o que se interpõe em nosso caminho para a conquista do bem) justamente pelo raciocínio. Podemos sentir e perceber o mal apenas no grau em que acreditamos no prazer espiritual acima da razão. Objetivamente, não há nada além do Criador, mas essa compreensão ocorre no mais alto nível da percepção cabalística.

                Porém, até então, também percebemos nós mesmo neste mundo. No processo de conquistar tal percepção, chegamos a entender o que é: 1. o Criador; 2. a primeira Criação; 3. as criações; e 4. o prazer que o Criador deseja conceder a Suas criações.

                A progressão completa, naturalmente, vai se desenvolvendo de acordo com a cadeia de “causa/efeito”, e não de acordo com o tempo. O Criador existe. O Criador deseja fazer surgir uma criação para satisfazê-la. Ele gera o desejo de se encanar justamente com esse prazer (tanto em quantidade, quanto em aparência) que deseja prover.

                O primeiro ser criado chama-se “Malhut”. A primeira percepção da luz do Criador pelo ser criado é conhecida como o mundo sem fim. Usa-se o termo “sem fim”, porque, neste estado. “Malhut” recebeu a luz do Criador sem que a sua quantidade fosse limitada. O ser criado obteve muito prazer como produto de recepção dessa luz. Porém, enquanto recebia o prazer, também sentiu o próprio Criador, Seu desejo de outorgar. Como “Malhut” desejava se parecer com Ele, rejeitou receber a luz e ela então se foi.

                Essa ação de “Malhut” chama-se restrição – a restrição da recepção da luz (“Tzimtuzum”). O Criador não tem nenhuma carência, portanto, “Malhut” não pode dar-lhe da mesma forma que Ele dá a “Malhut”.

                Como “Malhut” pode dar ao Criador? Pode, ao fazer sua vontade – que é outorgar o bem aos seres criado e d’Ele receber, agradando-O. Da parte do ser criado, isso é considerado dar.

                “Malhut” somente pode mudar a forma na qual recebe. Essa mudança pode acontecer, ao acrescentar ao ato de receber a intenção de satisfazer o Criador. A primeira etapa requerida para alcançar essa nova forma é a restrição, tendo-se retirado a luz. Depois, “Malhut”, essa parte restrita do Criador, divide-se em muitas partes ou almas, cada uma das quais como o propósito de corrigir separadamente seu egoísmo.

                Essas pequenas porções de “Malhut” desprovidas da luz do Criador colocam-se, então, na condição e situação que chamamos nosso mundo. Depois disso, pouco a pouco essas porções abandonam o desejo de receber para si mesmas, e adquirem, enquanto ainda estão em “nosso mundo”, o desejo de conferir.

                A força que ajuda a alma a sair das inclinações egoístas é conhecida como  a força salvadoro Messias. Os níveis da correção espiritual gradual são chamados mundos espirituais e os níveis internos são conhecidos como Sefirot.

                O objetivo da correção é o regresso ao estado original, antes da restrição, no qual o prazer é recebido não para benefício próprio, mas pelo bem do Criador. Tal condição é conhecida como o fim da correção.

                Todos os pensamentos e todas as perguntas que nos surgem sobre a meta da Criação e os nossos próprios esforços – tais como “Isto é necessário?”; “De qualquer maneira, o Criador agirá de acordo com Seu próprio plano e Seus desejos, então, por que Ele requer algo de nós?” etc. – surgem porque são enviados diretamente pelo Criador. E assim nos ocorre mais uma pergunta: “Para quê”.

                Se todas as perguntas que nos surgem com relação à Criação nos fortalecessem em nosso caminho rumo ao plano espiritual, então o significado de tais perguntas seria claro. Porém, para os recém-embarcados nessa viagem há constantes pensamentos sobre a dificuldade, a desesperança e as desvantagens desse caminho.

                Não existe outra força e outro desejo além dos do Criador, e tudo é criado por Ele para ganhar a compreensão sobre o propósito da Criação, incluído, evidentemente, as perguntas “prejudiciais”, os pensamentos e as forças que entorpecem nosso progresso em Sua direção.

                O Criador põe muitos obstáculos no caminho decidido por Ele para a nossa elevação espiritual, justamente a fim de que não tenhamos medo de não alcançar nossa meta de perceber. Sua grandeza e, para que, em vez disso, permaneçamos para sempre em nosso estado de humildade. Essa percepção pode convencer nossos corações a desejar o altruísmo.

                Devemos entender que somente o Criador pode abrir nossos olhos e nossos corações para o nosso reconhecimento da grandeza do plano espiritual. E as perguntas prejudiciais surgem justamente para sentirmos tal necessidade.

                Um dos questionamentos mais básicos feitos pelos principiantes pode ser expresso da seguinte maneira: “se o Criador o desejasse, Ele se revelaria a mim; e, se Ele assim o fizesse, então eu (meu corpo – o egoísmo, meu ditador atual) imediata e automaticamente concordaria em substituir meus atos egoístas pelos altruístas, e Ele se tornaria meu ditador”. “Não quero a liberdade de escolher minhas próprias ações. Acho que o Criador está certo, que o melhor, para mim, é não pensar sobre meus próprios ganhos. Somente então O merecerei verdadeiramente. Mas eu não posso mudar a mim mesmo, por isso deixo que Ele venha e o faça por mim mesmo, por isso deixo que Ele venha e o faça por mim, pois Ele me criou assim, e somente Ele pode corrigir o que fez”.

                Certamente, o Criador dá à pessoa o desejo e o sentimento pelo plano espiritual, assim chamado de despertar do Divino. Porém, se o Criador assim não o fizesse, nunca seríamos capazes de fugir do domínio ditatorial do desejo egoísta de nos gratificar a nós mesmo, e seríamos forçados a trabalhar pelo prazer, sem uma livre escolha.

                Não se considera que esse trabalho seja feito em favor do Criador mas com o fim de receber prazer. A meta do Criador é nos induzir a escolher o caminho correto na vida por nosso livre-arbítrio, justificando, assim, Suas ações na Criação. Poderemos entender isso apenas quando estivermos completamente livres do egoísmo, independentemente do prazer pessoal.

                Por essa razão o Criador determinou uma condição essencial para a elevação espiritual: a aceitação da fé n’Ele e em Sua justiça como nosso Supervisor. Devido a isso, nossa tarefa resume-se no seguinte:

  • Acreditar que há um Soberano no mundo
  • Reconhecer que, embora, para nós, a fé não seja importante, o Criador nos escolheu especificamente esse caminho.
  • Acreditar que devemos seguir o caminho de dar, e não o de receber.
  • Acreditar, enquanto trabalhamos “em favor do Criador”, que Ele aceita nosso trabalho, independente de como possa parecer diante de nossos olhos.
  • Atravessar, durante o processo de auto-evolução, duas categorias de fé acima da razão: a) proceder por meio dela, porque não temos outra alternativa; b) escolher segui-la até mesmo se nos tornarmos suficientemente conhecedores, de modo que não precisemos mais depender dela.
  • Saber que, se o trabalho foi feito dentro dos terrenos do egoísmo, os frutos de todo êxito – que em nossa imaginação esperamos alcançar – dirigem-se a nosso próprio prazer. Porém, quando uma pessoa ama o Criador, todos os benefícios serão alegremente entregues a Ele, e todos os frutos de seus esforços aos outros
  • Agradecer ao Criador pelo passado, porque disso depende o futuro, pois o grau de apreço pelo passado, o qual a pessoa agradece ao Criador, é igual ao apreço o qual recebe do Divino. É quando somos capazes de preservar e conservar a ajuda divina recebida.
  • Realizarmos o trabalho primário – que é principalmente avançar ao longo da linha direita – com uma sensação de plenitude. O indivíduo é feliz, até mesmo com uma pequena conexão com a espiritualidade. É feliz por ter merecido receber o desejo e as habilidades de realizar até mesmo o mais leve ato no reino espiritual perante o Criador.
  • Avançar também na linha esquerda. Não obstante, trinta minutos por dia são suficientes para refletir o quanto a pessoa prefere o amoro do Criador acima do amor próprio. No mesmo grau em que ela reconhecer qualquer carência, deverá orar ao Criador sobre esses sentimentos, de tal forma que Ele a aproxime mais do verdadeiro caminho, que combina as duas linhas.

                No trabalho em si, devemos concentrar nossos pensamentos e desejos em uma ordem específica:

  • Aprender os caminhos do Criador e os segredos da Cabala, de modo que esse conhecimento possa ajudar a fazer a vontade do Criador. Essa é a meta principal do indivíduo.
  • Desejar corrigir por completo a alma, e retorná-la a sua raiz: o Criador.
  • Desejar reconhecer o criador e aferrar-se a Ele com o conhecimento de Sua perfeição.

                O Criador está em um estado de repouso absoluto assim como a pessoa que alcança a meta da Criação. É evidente que esse estado de repouso pode ser apreciado apenas por alguém que tenha estado antes em condições de movimento, esforço e trabalho. Posto que aqui nos referimos ao repouso espiritual, evidentemente a intenção é que o movimento da pessoa, o esforço e o trabalho sejam também por natureza espirituais.

                O trabalho espiritual consiste em esforçar-se para levar prazer ao Criador.

             Todo nosso trabalho começa exatamente quando nosso corpo (o desejo de receber) opõe-se ao trabalho que carece de qualquer benefício pessoal. Isso porque o corpo (o egoísmo) não entende as implicações do trabalho altruísta, e nisso não vê nenhuma recompensa.

                Grandes esforços são exigidos de nós para resistirmos às queixas justificáveis (em princípio) do corpo. Por muito tempo torturamo-nos em uma tentativa de alcançar alguma compreensão do plano espiritual.

                O que recebemos em troca? Você conhece alguém que se tenha destacado nessa tarefa: Será possível que o Criador deseje que soframos desse jeito?

                Aprenda com sua própria experiência. O que você conseguiu? Em seu atual estado de saúde, você pode abusar de si mesmo como esta fazendo? Pense em você, em sua família, em seus filhos que estão crescendo.

                Se o Criador assim o desejasse, Ele continuaria nos conduzindo da mesma maneira que nos trouxe à Cabala, visto que a tudo só Ele governa e diriges! Todas essas queixas e muitas outras similares (ouvidas amiúde dos parentes, que também estão relacionados com o conceito de corpo) são absolutamente justificadas, mas não há respostas para elas.

                De fato, não são necessárias respostas, porque se desejarmos sair dos limites de nossos corpos simplesmente não devemos aceitar essas discussões e nem lhes prestar atenção. Por outro lado, devemos nos dizer: “nossos corpos estão corretos, as discussões são lógicas e suas queixas são verdadeiras. Porém, desejamos sair de nosso corpo, ou, em outras palavras, desejamos eliminar nossos desejos. Portanto, seguiremos o caminho da fé e não o do bom senso. Somente em nosso mundo, nosso raciocínio é considerado lógico.

                No mundo espiritual, não obstante, apesar de não o entendermos devido ao fato de ainda não termos a visão ou o intelecto espiritual, tudo funciona de acordo com uma lei diferente, que nos parece estranha neste momento, já que não esta fundada sobre a base da realidade física. “Tudo funciona de acordo com a lei da onipotência do Criador e pela rendição completa e voluntária a Ele, tanto em mente quanto em espírito, com a fé total em Sua ajuda, contrariamente ao desejo do corpo de receber e a seus protestos”.

                Esse trabalho em nós mesmos chama-se conferir pelo benefício de conferir, isto é, trata-se de um ato puramente altruísta, representado pela linha direita. Damos tudo simplesmente porque desejamos dar. O prazer que recebemos de tal trabalho emana de nossa semelhança com o Criador, pois somente damos, tal como o Criador. Isso se chama luz da fé ou luz da misericórdia ou “Ohr Hassadim”.

                Se uma pessoa procurar comportar-se deste modo, então o Criador nela abrirá o sentimento de Sua grandeza infinita e de Seu poder. A fé dará lugar ao conhecimento; o corpo sentirá a importância d’Ele, permanecendo disposto a fazer tudo em Seu favor, porque agora percebeu a importância de Sua magnitude e de Seu consentimento de receber qualquer coisa de nós.

                Isso é aceito como a conquista de prazer. Mas, neste caso, sentimos novamente que o progresso foi conseguido com o corpo. Não é a grandeza do Criador que determina nossas ações, mas o prazer e o grau de confiança pessoal no trabalho feito pelo bem de Sua magnitude. Assim, mais uma vez caímos nas mãos do egoísmo e do interesse pessoal.

                Nossa inabilidade pessoal para perceber o Criador permite-nos insistir no fato de que realizamos todas as ações em Seu favor, tanto altruísta quanto espiritualmente. A sua revelação, representa pela linha esquerda, é conhecida como o conhecimento da luz da Sabedoria.

                Portanto, a revelação do Criador faz com que nos seja necessário aplicar restrições estritas na aquisição do conhecimento, na manipulação e na percepção de Sua grandeza. Isso balanceia a fé e o conhecimento e a ausência da percepção e o deleite no Criador em uma proporção que garantiria que não caíssemos de novo como presas do egoísmo.

                Ao acrescentar uma pequena porção de egoísmo ao estado original, podemos usar essa pequena porção e ainda proceder como se não tivéssemos aprendido nada, tal como no estado original. Ao balancear a linha direita com uma pequena quantidade da linha esquerda, criamos uma linha média.

                A parte da linha esquerda na linha média determina a elevação de nosso nível espiritual. O estado espiritual, por si mesmo, é considerado o estado de magnitude. O grau seguinte leva ao final, o nível mais alto: nossa fusão com o Criador em nossas qualidades e desejos.

                Isso ocorre pelo aumento gradual e alternado das linhas direita e esquerda. O equilíbrio entre ambas as linhas ocorre em cada nível de escada espiritual. No estado da linha direita, devemos estar felizes sem nenhuma razão, somente pelo pensamento de que o Criador existe em nosso mundo. Não precisamos de nenhuma outra condição para a felicidade. Tal estado é conhecido como estar feliz com o que se tem. Se nada puder nos tirar dessa condição, ela é considerada absoluta. Mas, se começarmos a examinar nosso estado espiritual, veremos que de jeito nenhum nos aproximamos do Criador. Por também termos experimentado o fato de que não podemos corrigir a nós mesmos, pedimos ajuda ao Criador. A Sua luz, que nos ajuda a superar o egoísmo do corpo (o desejo de receber), é conhecida como a alma.

                A forma mais segura de determinar se um ato é altruísta ou egoísta é ver se sentimos que estamos prontos para ignorar qualquer resultado, seja prazer ou pagamento, independente do imenso ímpeto de gratificação que tenhamos como resultado de nosso próprio trabalho.

                Somente neste caso, tendo recebido prazer, podemos insistir que o fizemos em favor do Criador, e não para nós mesmos.

                O caminho completo da ascensão espiritual é uma negação gradual para receber prazeres cada vez maiores: primeiro, os prazeres de nosso mundo, e, depois os prazeres espirituais verdadeiros; mais especificamente, a percepção do Criador. Ele se ocultou, a fim de permitir que nos adaptemos gradualmente a essa tarefa. Portanto, a ocultação do Criador deve ser vista como um aspecto de nossa correção, e devemos pedir-Lhe que se nos revele, pois assim que formos capazes de percebê-Lo sem nos prejudicarmos, Ele se revelará.

                Se pudéssemos sentir o prazer de perceber o Criador em nosso estado egoísta inicial, nunca reuniríamos força suficiente para nos desprender de nosso egoísmo, para pedir-Lhe que os conceda a força de vontade para resistir à atração da satisfação. Assim como as mariposas precipitam-se para a luz que as mata, faleceríamos nas chamas do prazer, mas não seríamos capazes de resistir-lhes.

                Somente quem experimentou a falta de força mediante um grande prazer entende que não seríamos capazes de nos abster do prazer, se o gozo fosse maior que nossa força de vontade e nosso reconhecimento do mal.

                O Criador oculta-se de nós justamente para nosso próprio bem, para que não sejamos sufocados pelos prazeres e para que, desse modo, nos seja possível trilhar o caminho da fé, a fim de adquirir os vasos de outorga. Se desejarmos fazer algo que não seja para nosso benefício, então nossos corpos (egoísmo) exigirão uma contabilidade exata, com o objetivo de saber se vale a pena fazê-lo.

                Por não termos uma meta, sem a recompensa do prazer não somos capazes de trabalhar e procuramos todo tipo de deficiências, desejos espirituais e defeitos em nossa meta ou propósito espiritual. Nossos corpos perguntam-se, então: “com que propósito temos que nos envolver nisso?’. Nessa situação, o corpo chama-se a inclinação ao mal. Na etapa seguinte, impede-nos de conquistar o que havíamos planejado. Então, chama-se Satã (em hebraico, “satã” derivado do verbo “listot”, que significa virar), porque deseja nos fazer virar no (mudar de) caminho. Depois disso, mata nossa espiritualidade ao nos arrebatar todos os sentimentos de espiritualidade de nossa aprendizagem e de nossa relação com a Cabala, e, em específico, nos dá prazeres envolto em vestimentas mundanas. Nesse caso, chama-se o anjo da morte.

                Há apenas uma resposta para todos os agravos do corpo: “Eu sigo adiante, apesar do que você me diz sobre a força da fé, porque o Criador assim o quer”.

                Essa condição do Criador é conhecida como a lei dos mundos do além. Não temos a força para resistir ao prazer, a menos que nos convençamos de que isso prejudica. Isto é, a menos que coloquemos nossas mentes contra nossos corações.

                Porém, ainda neste caso, será preciso calcular o que é benéfico para nós: o prazer imediato e o sofrimento consequente, ou evitar o prazer e permanecer em nossa situação atual. Sempre que rejeitarmos o prazer, deveremos dar a nossos corpos uma conta exata do motivo pelo qual não nos convém derivar prazer do que veio a nós.

                Assim, podemos responder a nossos corpos no mesmo idioma que eles entendem – o do prazer – , ao qual convém livrar-se de imediato de seus prazeres tontos e ocasionais em favor dos prazeres do mundo vindouro. Podemos responder também no idioma do sofrimento, o qual não convém desfrutar agora, mas depois de passar pelo sofrimento do inferno. Desse modo, devemos construir a linha de defesa contra nossos corpos.

                Devemos ter em conta, porém, que, assim fazendo, o desejos pelos prazeres pode prevenir uma contabilidade delicada e esboçar uma imagem falsa da correlação entre os prazeres e o sofrimento. A única solução segura é dizer ao corpo que decidimos trabalhar pela espiritualidade, sem nenhum benefício para nós.

                Nesse caso, cortamos todas as conexões entre a ação e o corpo, e este já não pode mais interferir em seus cálculos ou questionar se vale a pena trabalhar ou não. Essa resposta chama-se o trabalho do coração, posto que é ele que deseja prazeres.

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16-QUALIDADES INTERNAS E ASPECTOS EXTERNOS

                A resposta ao intelecto deve ser assim: “eu acho que o Criador escuta todos os meus pedidos e todas as minhas orações por ajuda”. Se formos capazes de nos manter firmes em nossas respostas a ambos – o intelecto e o coração -, então o Criador se revelará a nós, de modo que veremos e sentiremos somente Ele.

                Em cada um de nós há setenta desejos fundamentais. Estes se chamam as setenta nações do mundo. Portanto, nossas almas correspondem ao “Partzuf de Zeir Anpin” no mundo de “Atzilut”, que inclui setenta “Sefirot”. Depois de começarmos a buscar uma maior proximidade com o Criador, e de recebermos a luz da Cabala, ser-nos-ão outorgados sentimentos e desejos que nunca imaginamos existir.

                Os setenta desejos derivam de duas fontes, pois avançamos na combinação das duas linhas: a da direita e a da esquerda. Nossas ações segundo a linha direita são combatidas por nossas más (egoístas) inclinações (casca, “Klipah”), que se opõem ao trabalho do coração, chamado “Klipat Yishmael”.

                O trabalho na linha esquerda é combatido por uma força maligna, contrária ao trabalho do intelecto, chamada “Klipat Eisav”. Porém, ao progredirmos mais em nosso trabalho, vemos que, para entrar no reino espiritual, devemos nos livrar de ambas as “Klipot” (“Eisav” e “Yishmael”), porque elas não desejam receber as leis do reino espiritual. Assim como menciona a Bíblia, o Criador, antes de dar a Torah (as leis do reino espiritual) a “Israel, ofereceu-a a “Eisav” e a “Yishmael, mas estas não quiseram recebê-la. Somente depois de vermos que não somos capazes de receber as leis espirituais altruístas, seja pela força direita ou pela esquerda, progrediremos cuidadosamente para a linha média, que se traduz em faremos e depois ouviremos, o que significa com o propósito de outorgar. É, então, que se considera Israel.

                Devido ao fato de todos nós, junto com nossos pensamentos, intenções e desejos, estarmos completamente submersos em nosso egoísmo, não somos capazes de pensar de maneira independente, objetiva e altruísta. Portanto, somos incapazes de nos criticar. Em geral, não temos nenhuma necessidade disso, posso que já sabemos que tudo o que fazemos está baseado em nossos desejos egoístas. Porém, no trabalho em nós mesmos, ao empenharmos-nos contra nossos desejos e investirmos esforços no desenvolvimento dos desejos espirituais, precisamos examinar nosso estado. Nós mesmos devemos avaliá-lo, não o Criador, que já sabe qual é nossa situação.

                A maneira mais segura de testar nosso verdadeiro estado espiritual é ver se sentimos alegria quando trabalhamos pelo bem o Criador. Assim sendo, vemos que a prova não é determinar se fazemos grandes esforços físicos ou emocionais, mas examinar nosso estado interno.

                Mantemos a mesma alegria, sem nos importar se recebemos do Criador o que imaginamos ser ou não necessário para nós?

                A Cabala diz que o indivíduo é como o mundo inteiro, posto que, dentro de cada um de nós, se encontra tudo o que nos cerca: o universo, as nações, os gentios, os justos das nações do mundo, Israel, o Templo e até mesmo o Criador – o ponto em nossos corações.

                Em primeiro lugar, a Cabala ensina o referente a nossas qualidades internas, e depois prossegue com os aspectos externos, considerados consequências das qualidades internas e, portanto, designados com os respectivos nomes. Além disso, o estado espiritual das qualidades internas afeta de forma direta tanto o estado espiritual dos aspectos externos quanto a influência deste último sobre nós.

                Como seres humanos, nosso estado espiritual inicial é o egoísmo. Quem começa a se esforçar para se aproximar do Criador é conhecido como uma pessoa justa dos povos do mundo Como alguém pode verificar se já está, de fato, nesse nível?

                Pelo fato de o homem possuir somente desejos egoístas, tudo o que carece da satisfação do ego é percebido como se houvesse sido arrebatado, como se o desejado houvesse sido possuído e depois roubado do indivíduo.

             Temos esse sentimento porque, em nosso passado espiritual – em níveis espirituais anteriores -, nossas almas foram preenchidas completamente pelo bem; mas, quando descendemos espiritualmente a este mundo, tudo isso se perdeu. Por conseguinte, o momento em que sentimos um desejo por algo equivale a estar cheio de queixas contra o Criador, pelo que foi expropriado ou pelo que nunca foi oferecido – aquilo que se deseja.

                De tal forma, se formos capazes de dizer, de todo o coração, que tudo o que é feito pelo Criador é pelo bem de todos nós, se formos capazes de sentir alegria e amor por nosso Criador, como se houvéssemos realmente d’Ele recebido tudo o que poderíamos imaginar, e ainda se formos capazes de justificar tudo o que Ele supervisiona, então teremos completado, com sucesso, a prova de nossas intenções (“kavanah”). Que tenha obtido êxito desse modo é conhecido como uma pessoa justa dos povos do mundo.

                Se, com a ajuda do Criador, continuarmos a trabalhar na correção de nosso desejo de receber, então os nossos pensamentos já não serão mais o objeto da verificação, mas sim nossas ações. O Criador dá-nos tudo o que sempre desejamos, recebemos apenas a parte que somos capazes de captar em favor d’Ele, mas devemos estar preparados para devolver tudo.

                Em muitas situações, experimentamos as provas como uma opção entre duas possibilidades: sentimos como se uma metade de nossos desejos nos guiasse para um lado e a outra, para o outro. Em geral, não sentimos dentro de nós nenhuma luta entre as forças opostas do bem e do mal, visto que apenas as forças do mal nos governam por dentro; o problema que persiste é qual força nos trará o máximo de benefício. Quando as forças opostas são equivalentes, não podemos escolher, ou preferir uma em detrimento da outra, pois sentimos que estamos entre duas forças que nos influenciam. Nesse ponto, nossa única solução é nos dirigirmos ao Criador, para que Ele nos conduza para o lado do bem.

                Assim, somos obrigados a considerar tudo o que nos acontece como se fosse um julgamento divino. Quando assim fizermos, ascenderemos rapidamente para a meta da Criação. A fim de entendê-la em geral e os detalhes do que nos acontece, devemos entender o seu objetivo final. Depois, entenderemos as ações do Criador, pois todas elas dependem e emergem da meta final.

                Isso é similar a nosso mundo, no qual, se não reconhecermos o resultado futuro das ações de uma pessoa, seremos incapazes de entendê-las. Diz-se “Não mostre algo por inteiro, se estiver, na metade do trabalho”.

                O Criador representa a Criação inteira, a luz. Sua meta é satisfazer-nos com essa luz. Por conseguinte, a única coisa que Ele deve criar é o desejo de sermos satisfeitos. Tudo o que existe representa a luz e o desejo de estarmos satisfeitos. Todo o resto criado, afora nós, tem como único propósito ajudar-nos a alcançar a meta final da Criação.

                Existimos dentro do Criador, no oceano da luz que enche tudo com si mesma. Mas podemos percebê-Lo somente no grau em que formos comparáveis a Ele em Suas qualidades. A luz poderá penetrar apenas os desejos similares aos do Criador que mantivermos.

                Na medida em que nos diferenciamos das qualidades e dos desejos d’Ele, não O percebemos, porque Sua Luz não nos pode penetrar. Se todas as nossas qualidades forem opostas às d’Ele, então não O perceberemos totalmente, e imaginaremos a nós mesmos como os únicos no mundo.

                O Criador esforça-se para nos dar prazer, por meio de Sua qualidade do desejo de dar. Por essa razão, Ele criou todos os mundos e seus habitantes com a qualidade contrária, o desejo de receber. Ele gerou todas as nossas qualidades egoístas; portanto, não somos culpados por nosso estado inferior. Não obstante, deseja que nos corrijamos e, assim, nos tornemos seres como Ele.

                A luz dá vida a todas as substâncias: inanimada, vegetal, animal e o ser humano. Em nosso mundo, ela se oculta e, assim, não podemos senti-la. Ao nadarmos no oceano de luz do Criador, se uma parte dela nos penetrar, chamaremos de alma. Pelo fato de a luz do Criador dar vida, emitir energia vital e prazer, os que não a recebem, mas apenas obtêm um resplendor insignificante para sustentar sua existência física, são considerados mortos espiritualmente e carentes de alma.

                Somente uns poucos neste mundo, conhecido como cabalistas (Cabala deriva da palavra “lekabbel”, que significa receber os ensinamentos sobre o método de adquirir a luz), consegue a capacidade de adquirir a luz. Cada um de nós começa a partir de seu estado original, no qual não temos absolutamente consciência do oceano de luz em que nadamos.

                Devemos, portanto, conquistar a reposição completa da luz, ou seja, esta é a meta da Criação ou a correção final. Estado este que deve ser alcançado durante uma de nossas vidas terrenas.

16.1 – NÍVEIS ESPIRITUAIS

           As etapas do processo em que vamos nos enchendo gradualmente de luz do Criador chamam-se níveis espirituais ou mundos. As provas e tribulações da vida forçam-nos a nos dirigir para a meta da Criação. Porém, em vez de prazer, o ego experimenta grandes sofrimentos. A fim de acabar com eles, está disposto a renunciar ao desejos de receber, pois não receber nada é preferível a receber tormentos.

                Diversas aflições perseguem-nos, até que renunciamos ao impulso de receber, e desejamos somente dar. A única diferença entre as pessoas está nos diferentes tipos de prazer que esperam receber. Há os prazeres animalistas (corporais; também encontrados nos animais), os humanos (fama, horma, poder) e os cognitivos (descobertas, conquistas).

           O ímpeto para cada um desses prazeres é composto de proporções única especificas das pessoas. O intelecto humano ajuda-nos a encontrar formas de atingir uma variedade de metas, apresentando-se simplesmente como uma ferramenta para nos ajudar a conquistar nossos desejos. Esses, por sua vez, podem mudar.

                Quando o ego começa a sofrer, deixa o desejo de desfrutar e tem a propensão de se transformar em um desejos a dar. Diz-se que o período necessário para erradicar completamente o ego é de 6.000 anos. Porém, esse número não tem nenhuma relação com nosso conceito de tempo.

                O egoísmo é conhecido como corpo. Quando estamos sob sua influência, nós o sentimos morto espiritualmente. Ao sair do corpo, nós o matamos em cinco etapas, desde a mais simples até a mais egoísta.

                Para os desejos egoístas que resistirmos, recebemos a luz do Criador. Dessa maneira, recebemos cinco tipos de luz sequencialmente: “Nefesh”, “Ruach”, “neshamah”,”Hayah” e “Yehidah”.

 As etapas de nossa elevação espiritual incluem:

  1. A busca pelos prazeres egoístas deste mundo. Pode acontecer de terminarmos nossas vidas sem sair dessa etapa, a menos que comecemos a estudar a Cabala. Depois, passaremos à segunda etapa.
  2. O reconhecimento do egoísmo como mau e prejudicial para nós, seguido de nosso renúncia a ele. Exatamente no centro de nossos desejos egoístas encontra-se a fonte ou semente de nossa espiritualidade. Em certo momento de nossas vidas, começamos a sentir desejo e anseio pela compreensão e percepção da espiritualidade. Se nos comportarmos de acordo com esses desejos, desenvolvendo-os e os cultivando, em vez de suprimindo-os, eles começarão a crescer. Mais adiante, ao acrescentar a intenção apropriada, adquirida como produto do direcionamento de nosso Mestre, começaremos a sentir pela primeira vez a luz espiritual em nossos novos desejos espirituais. Sua presença nos ajudará a conquistar a confiança e a força de que precisamos para continuar corrigindo nosso egoísmo.
  3. A conquista do estado no qual, por meio de cada uma de nossas ações, desejamos apenas satisfazer ao Criador.
  4. A correção do desejos recém-adquirido de dar para desejos de receber em favor do Criador. Para fazê-lo, devemos desejar obter prazer, mas com a intenção em favor do Criador. O começo dessa tarefa chama-se o renascer dos mortos. Nesse estado, transformamos os desejos egoístas rejeitados em seus opostos, ganhando, assim, em dobro. Somos capazes de usufruir pelo Criador e por nossa semelhança com Ele. A conclusão do processo de transformar o egoísmo em altruísmo é conhecida como o final da correção.

                 Cada vez que corrigimos uma parte de nossos desejos recebemos uma porção de nossas almas, cuja luz permite-nos continuar, até que nos transformemos por completo e recuperemos nossas almas. Essa quantidade de luz, parte do Criador, corresponde exatamente a nosso protótipo de egoísmo assim como foi criado por Ele.

             Ao transformar totalmente nosso egoísmo em altruísmo, podemos eliminar qualquer barreira restante para a recepção da luz do Criado. Pode ser que, nesse ponto, nos sintamos plenos do Criador, fundindo-nos por completo com Ele – ao percebermos todo o oceano de luz a nossa volta e ao desfrutá-lo

               Repetindo, fomos feitos para termos consciência de nosso limitado potencial para entender o Criador. Todas as nossas percepções são o resultado de sensações subjetivas, são reações de nossos corpos aos estímulos externos. Em outras palavras, recebemos e percebemos somente a quantidade de informações que nos é seletivamente enviada, de acordo com a qualidade e quantidade, ou profundidade, de nosso potencial de percebê-la.

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16.2 – QUATRO PERSPECTIVA FUNDAMENTAIS

FUNDAMENTAIS

                Por carecermos das informações concretas sobre a estrutura e a função de noções superiores evasivas as quais não podemos sentir, permitimo-nos filosofar e discutir sobre como poderiam ser construídas e como poderiam funcionar. Isso é parecido com as discussões das crianças sobre quem tem razão em relação a alguma assunto totalmente desconhecido.

                Quando filosofias religiosas, seculares, científicas e pseudocientíficas procuram definir a alma e o corpo, focam quatro perspectivas fundamentais.

16.2.1 – PERSPECTIVA RELIGIOSA

                Tudo o que existe em qualquer objeto é sua alma. Cada alma diferencia-se de outra por suas qualidades, conhecidas como qualidades espirituais de uma pessoa. As almas existem independente dos corpso, antes de seu nascimento; isto é, antes de serem vestidas do corpo e depois da morte deste. Esse último processo é totalmente biológico – proteínas que se decompões em parte. (O conceito de um crente não é igual ao de um religioso).

               Assim, a morte do corpo físico não afeta a alma em si mesma, mas serve somente para separar a alma do corpo.

              A alma representa algo eterno, pois não é composta de materiais deste mundo. Por natureza, é indivisível. Não consiste em várias partes e, por isso, não pode ser dividida nem desintegrada; por conseguinte, não pode morrer.

                O corpo físico biológico é a vestimenta externa da alma. É a roupa com a qual a alma se veste e, agindo por meio do corpo, exibe suas qualidades intelectuais e espirituais, assim como seu caráter. Isso pode ser comparado ao momento em que guiamos um carro, exibindo nossos próprios desejos, caráter e intelecto na maneira como o dirigimos.

                Além disso, a alma dá vida e movimento ao corpo, e também o protege. O corpo, em si mesmo, é matéria mortal, tal como se parece depois de a alma o deixar no momento da morte. Sem a alma, faltam vida e movimento ao corpo. O momento da morte é chamado a saída da alma do corpo. Como resultado, todos os sinais de vida dependem e são determinados pela presença da alma.

16.2.2 – PERSPECTIVA DUALISTA

          Como resultado dos progressos científicos, surgiu uma nova perspectiva com relação ao corpo físico: a crença de que ele pode existir sem nenhum tipo de componente espiritual que o alimente. De fato, o corpo pode existir absolutamente independente da alma. Isso foi comprovado por meio de experimentos biológicos e médicos que agora são capazes de reviver o corpo ou seus órgãos. Porém, o corpo, em um estado como esse, não é mais que um objeto biológico, um composto de substâncias albuminosas existindo de forma independente. O fator que determina diversas qualidades pessoais é a alma, que descende ao corpo do Divino, como sugere o enfoque religioso.

                A diferença entre os dois enfoques reside no fato de o enfoque religioso propor que a alma tanto provê ao corpo vida quanto lhe confere suas qualidades intelectuais e espirituais.

         Já o ponto de vista dualista sustenta que a alma concede ao corpo apenas qualidades espirituais, visto que, com base em experimentos, é evidente que o corpo pode existir por si mesmo, sem a ajuda de nenhum poder superiro adicional. Assim, a única função da alma é ser a fonte de todas as boas qualidades espirituais, mas não materiais.

        Mais ainda: nesse enfoque apesar de sua capacidade de existir de maneira independente, o corpo é o produto da alma. Assim, a alma é primordial, posto que é responsável pelo nascimento e pela manutenção do corpo.

16.2.3 – PERSPECTIVA DO NÃO CRENTE

                Um não crente é alguém que nega a existência de qualquer estrutura espiritual, assim como a presença da alma no corpo. O não crente reconhece apenas a existência de substância materiais e suas propriedades.

            A interpretação é a seguinte: pelo fato de não haver alma, o intelecto do ser humano, assim como suas demais propriedades, é o resultado do corpo que o gerou. O corpo é um sistema que controla suas características enviando diretrizes por meio de sinais elétricos pro condutores dos nervos. Um não crente não é a mesma coisa que um não religioso).

               Os não crentes dizem que todas as sensações do corpo ocorrem pela interação de terminações nervosas equipadas com estimuladores externos. As sensações passam pelos condutores dos nervos para o cérebro, onde depois são analisadas e classificadas como dor ou prazer.

             A mente reage a um órgão específico em resposta à percepção de dor ou de prazer. Além disso, acredita-se que tudo esta construído como em um mecanismo com sensores, por meio dos quais os sinais são transmitidos, processados e emitidos pelo dispositivo do cérebro.

             Também são controlados por meio da reação inversa. O cérebro funciona de acordo com o princípio de seu próprio distanciamento da dor e aproximação do prazer. A dor contra os sinais de prazer determinará a atitude da pessoa na vida e suas consequentes ações.

              Percebemos o raciocínio como um reflexo de nossos processos físicos, igual a uma fotografia. A principal diferença entre um ser humano e um animal é o fato de que o cérebro humano é mais desenvolvido. De fato, todos os processos que ocorrem nos seres humanos condensam-se em uma imagem tão exaustiva, que os percebemos como a razão e lógica. Mas todo nosso intelecto é resultado de nossas percepções físicas e nossos conhecimentos.

                Indubitavelmente, de todos os enfoques para entender o problema, este é o mais lógico, científico e compreensível, posto que se fundamenta na experiência e, portanto, trata somente de nossos corpos, em vez de algumas noções efêmeras conhecidas como alma. Por conseguinte, este enfoque é o mais confiável, já que se ocupa de nossos corpos.

                Porém, o seu defeito é que é insatisfatório e repugnante, até mesmo para os não crentes. Esse conceito apresenta os seres humanos como robôs nas mãos da natureza cega (qualidades predeterminadas do caráter, leis de evolução social, exigências de nossos corpos para sustentar a vida e buscar o prazer etc.). Tudo isso priva-nos do estado de seres pensantes.

               Desse modo, se um ser humano é simplesmente um mecanismo forçado a agir de acordo com dados previamente preparados e com as normas aceitas pela sociedade, então essa teoria nega a ideia global do livre-arbítrio e do direito de escolher nos nossas ações (pensamentos objetivos).

            Embora nós, seres humanos, sejamos criados pela natureza, consideramo-nos mais sábios que ela.

            Como resultado, essa visão não pode ser aceita nem por aqueles que não acreditam no intelecto superior, posto que a s pessoas parecem ser completamente governadas por uma natureza cega, que carece de qualquer plano ou meta, que simplesmente joga com os seres (seres pensantes) sem nenhum propósito, sem dar nenhuma razão a suas vidas ou a suas mortes.

             A fim de suavizar de alguma maneira esse enfoque cientificamente lógico, embora espiritualmente inaceitável, sobre a questão de nossa existência, a humanidade, em nossos tempos, gradualmente adotou uma perspectiva “moderna” sobre si mesma.

16.2.4 – PERSPECTIVA MODERNA

                Esta se tornou popular, em especial nos dias de hoje, apesar de nossa tendência a aceitar o anterior enfoque materialista da Criação como o mais cientificamente confiável e compreensível. Esta em voga também admitir que algo eterno, imortal e espiritual existe dentro de nós, que se veste com o envoltório material do corpo. Especificamente, esta é a nossa essência espiritual, conhecida como alma, ao passo que o corpo é somente a sua vestimenta.

              Não obstante, os seguidores desse ponto de vista não podem explicar como a alma se reveste com o corpo, qual é a relação entre eles, entre a fonte e a essência da alma. Assim, ao fechar os olhos a todas essas dúvidas, os seres humanos recorrem a um velho e comprovado método de complacência pessoal: esquecem-se de todas as suas preocupações na torrente de cargas insignificantes e prazeres diários, vivendo hoje como o fizeram ontem.

                Quem pode entender perguntas tais como: “o que é o corpo e o que é a alma?”; “Qual é a relação entre ambos?”; Por que nos percebemos como seres compostos de duas partes, uma material e outra espiritual?”; “Em qual delas podemos encontrar a nós mesmos, a nosso ‘eu’ eterno?”; “O que ocorre com o nosso ‘eu’ antes de nosso nascimento e depois de nossa morte?”; “Resta o mesmo ‘eu’, tal como o percebemos agora?”; “Ele é o mesmo que o sentido dentro de nosso corpo e fora dele antes do nascimento e depois da morte?”.

           O mais importante é que utilizamos nosso intelecto físico para analisar tais questionamentos, e propor alternativas possíveis. É assim que avaliamos de que maneira nossas almas são transformadas e recicladas e como nossos corpos transformaram-se em algo material.

             Essas imagens serão verdadeiras ou simplesmente produtos de nossa imaginação, fabricadas por nossas mentes materiais? A mente cria imagens do mundo espiritual, do caminho desse mundo ao nosso e do regresso do nosso a ele de acordo com sua compreensão terrena e pela falta de qualquer outra informação.

             A mente pode operar somente com base no modo como percebe o mundo nela impresso e, desse modo, produz fantasias e suposições.

            De maneira similar, não podemos conceber um ser extraterrestre totalmente diferente de nós em todos os aspectos e sem nenhum elemento de nossa estrutura física.

            Enfrentamos a seguinte pergunta: “O que aconteceria, se tudo o que somos capazes de imaginar, que é a base de nossas teoria de vida, não fosse mais que o esforço de nossas mentes para captar algo além de nossa capacidade?”.

                Se aceitarmos como verdade as noções que nossas mentes produzem com base em nossas experiência neste mundo (na falta de qualquer alternativa melhor), então deveremos perguntar se, neste mundo, de acordo com nossas capacidades de perceber, existe alguma resposta à pergunta: “o que são a alma e o corpo?”.

         Já mencionamos, em outras partes deste livro, a respeito de nossa limitada capacidade de entender. No nível em que não podemos realmente ver, perceber ou examinar qualquer objeto neste mundo, também não podemos verdadeiramente julgar nossas almas, e, por essa razão, nossos corpos.

              Dada as quatro categoria como entendemos um objeto – isto é, sua composição material, sua forma externa, sua forma abstrata e sua essência -, podemos apenas perceber a sua forma exterior tal como aparece diante de nós e, depois de examiná-lo, a matéria da qual consiste. No entanto, não temos conhecimento sobre a forma subtraída do objeto – suas qualidades não materiais (sua essência).

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17-FUNDIR-SE COM O CRIADOR

                A Cabala chama-se a ciência do oculto porque revela a quem a estuda o que estava previamente escondido. A imagem verdadeira da existência é revelada apenas a quem a capta, como está escrito no poema do Rabino Ashlag:

A milagrosa verdade irradiará

E a boda proferirá somente essa verdade,

E tudo o que será revelado confidencialmente

Você o verá, e ninguém mais!

                 A Cabala é o ensinamento do secreto, visto que se oculta do leitor comum e vai se revelando somente sob condições muito especiais. Aqueles que a estudarem verão que gradualmente esses segredos irão aparecendo dos próprios ensinamentos, junto com uma orientação especial que dirige os desejos e os pensamentos do leitor.

                Somente aqueles para quem a Cabala deixar de ser um ensinamento oculto e se revelar verão e entenderão a construção do mundo. Para eles, alma e corpo serão vistos entendidos. Não obstante, ainda eles serão incapazes de transmitir as revelações percebidas da Criação a outros, por não terem o direito de transmitir essa informação, salvo no seguinte caso: durante a ascensão espiritual, uma pessoa aprende a verdade sobre a Criação – Não há nada mais, além do Criador!

             Os órgãos sensoriais com os quais fomos criados são capazes de perceber somente uma pequena parte de toda a Criação, conhecida como nosso mundo. Todos os mecanismos que inventamos ampliam o alcance desses órgãos. Somos incapazes de imaginar quais os órgãos sensoriais que nos fazem falta, porque não sentimos nenhuma privação por sua ausência.

                Isso pode ser comparado a não sentir a necessidade de um sexto dedo na mão. Por não termos os sentidos requeridos para perceber outros mundos, não os podemos sentir. Portanto, apesar de estarmos cercados por um entorno tão rico, somos capazes de ver apenas um pequeno fragmento dele. Mais ainda, até este pequeno fragmento que percebemos é bastante distorcido, já que apenas captamos uma pequena parte dele.

             Porém, ao utilizar o que percebemos como uma base, criamos nossas perspectivas de toda a existência. Assim como aqueles que vêe tudo como uma radiografia, na qual se percebe a imagem do esqueleto que bloqueia os raios-x, nós temos uma visão distorcida do universo. Assim como não podemos receber uma imagem verdadeira deste universo, por meio da visão radiográfica, também não podemos entender a imagem verdadeira da Criação, por meio de nossos limitados sentidos.

          Nenhuma medida de imaginação pode compensar nossa falta de habilidade de perceber, visto que até mesmo nossas fantasias são construídas com base em experiências passadas. Apesar disso, vamos tentar criar um conceito simples do chamado outro mundo, aquele que existe do outro lado de nossa concepção, que está além do alcance de nossos órgãos sensoriais.

              Primeiro, imagine que você está em um vazio. À sua frente, abre-se um caminho. Ao longo do caminho, em certos intervalos, há marcas, as quais partem do zero, onde você está parado agora, e seguem até o final. Essas marcas dividem o caminho em três partes.

        Não percorremos o caminho pelo avanço alternado de nossos pés, mas por mudanças alternadas nos desejos.

         No mundo espiritual, o lugar, o espaço e o movimento não existem como os conhecemos. O mundo espiritual é o mundo das emoções que existem fora do reino dos corpos físicos.

               Os objetos são as emoções. O movimento é a mudança de qualidades dos objetos. O lugar é certa qualidade, e está catalogado por suas características. Portanto, o movimento espiritual é definido como a mudança das qualidades das emoções do indivíduo, similar ao conceito do movimento em nosso mundo físico.

            A distância entre objetos espirituais é definida e medida pela diferença em suas qualidades. Quanto mais similares forem as qualidades, mais próximos serão considerados os objetos. A proximidade ou a distância entre os objetos é definida pela mudança relativa em suas características. Se dois objetos são idênticos, então se fundem em um. Porém, se aparecer uma nova qualidade em um dos objetos espirituais, essa qualidade específica se separará da primeira, e, deste modo, nascerá um novo objeto espiritual.

          No final do caminho, o próprio Criador está diante de nós. Seu atributo – a completa vontade de oferecer – determina Sua distância de nós. Por nascermos neste mundo apenas com características egoístas, estamos distanciados d’Ele como o leste do oeste. E a meta que o Criador põe diante de nós é conquistar Suas qualidades, enquanto vivermos neste mundo, para que possamos nos fundir espiritualmente com Ele.

            Nossa trajetória deve nos conduzir a uma mudança gradual de nossas qualidades, até que estas sejam exatamente como as do Criador. A única qualidade d’Ele que define Sua essência é a ausência absoluta de qualquer rastro de egoísmo.

            A isso se segue a ausência de qualquer pensamento sobre si mesmo ou a condição e o poder de cada um. Isto é, a ausência de tudo o que constitui a essência de nossos pensamentos e aspirações. Mas, por existirmos neste mundo dentro de determinado envoltório externo, devemos nos preocupar o imprescindível para mantê-lo. Isso não é considerado egoísmo.

          Em geral, podemos determinar se um pensamento, ou um desejo, do corpo é egoísta, por meio de uma prova simples. Se desejarmos nos livrar de algum pensamento ou alguma ação, mas nossa sobrevivência depender disso, então esse pensamento ou essa ação serão considerados involuntários, não egoístas, e, portanto, também não nos separarão do Criador. O Criador faz-nos avançar em direção à nossa meta da seguinte maneira: Ele nos dota de um mau desejo, ou de sofrimento, o que pode ser comparado com avançar com o pé esquerdo.

            Se encontrarmos, dentro de nós, a força necessária para pedir ajuda ao Criador, então Ele nos dará um bom desejo, ou prazer, o que pode ser comparado com avançar com o pé direito. Uma vez mais, recebemos do Divino um mau desejo, ainda mais forte, ou dúvidas a Seu respeito, e, de novo, com um esforço ainda maior da vontade, devemos pedir-Lhe que nos ajude. O Criador nos ajudará, proporcionando-nos um bom desejo ainda maior, e assim sucessivamente.

             Assim, continuamos avançando. Não há marcha à ré. Quanto mais puros forem os desejos de uma pessoa, mais longe ela estará do ponto de partida do egoísmo absoluto. O movimento para adiante pode ser descrito de várias maneiras, mas é sempre um avanço alternado por todos os sentimentos.

        Depois de uma sensação de algo espiritual, uma percepção inconsciente da existência do Criador, segue-se uma sensação de confiança, que, em seguida, dá lugar a uma alegria. Depois, esse sentimento começa a se desvanecer, indicando que subimos outro degrau na ascensão espiritual, o que não podemos perceber, devido à falta de órgãos sensoriais com os quais poderíamos experimentá-lo por completo. Devido ao fato de ainda não termos alcançado o nível seguinte pelo sofrimento, esforço e trabalho (não construímos os vasos apropriados), a percepção desse nível seguinte ainda não nasceu.

              Os novos órgãos sensoriais para a etapa seguinte (o desejo de prazer e a sensação de sofrimento pela carência desse prazer) podem ser desenvolvidos de duas maneiras:

  1. O Caminho da Cabala: aqui, começamos a perceber o Criador, depois perdemos nossa conexão. Em seu lugar, aparece o sofrimento, por que Não podemos sentir prazer.

             O sofrimento é necessário, para que eventualmente sintamos prazer.

           Assim, então, nascem novos órgão sensoriais que nos permitem perceber o Criador em cada etapa consecutiva. Assim como em nosso mundo, sem o desejo de uma meta, ou objeto, somos incapazes de experimentar prazer com isso.

          As diferenças entre o homem e o animal são determinadas por aquilo que escolhem para que lhes forneça prazer. Portanto, o avanço espiritual não é possível sem primeiro sentir uma carência. Devemos sofrer pela falta do que desejamos.

  1. O Caminho do sofrimento: se uma pessoa fosse incapaz – por meio do esforço, dos estudos, das súplicas ao Criador e dos rogos de amigos – de se elevar aos novos desejos de amar e temer o Criador; se mostrasse pouca profundidade de pensamento, falta de respeito pelo espiritual e atração pelos prazeres baixo, então ela descenderia ao nível dos poderes do mal.

      Nesse caso, a pessoa caminharia ao longo da via esquerda, nos níveis correspondentes aos mundos malvados (egoístas) ABYA (“Atzilut”, “Beriah”, “Yetzirah”, “Assiyah”). Não obstante, o sofrimento se tornaria um vaso dentro do qual uma nova percepção do Criador poderá ser recebida.

              O progresso feito pelo caminho da Cabala diferencia-se do feito pelo caminho do sofrimento pelo fato de estarmos dotados da luz do Criador. Esta é a sensação da presença do Criador, que depois nos é subtraída.

           Quando carecemos desse prazer, começamos a ansiar pela luz. Esse anseio é o vaso, ou um grupo de órgãos sensoriais por meio dos quais podemos receber uma percepção do Criador. Essas metas nos impulsionam para adiante, até que recebemos as percepções desejadas.

      Quando avançamos por meio do sofrimento, somos empurrados por ele, diferentemente do caminho da Cabala, em seguimos pelo caminho do desejo do prazer. O Criador dirige-nos de acordo com Seu plano, para nos levar, nos transferir a todos e a cada um de nós e toda humanidade, nesta vida ou nas seguintes, ao ponto final desta via onde Ele se encontra.

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(…) continuação

                Esse caminho representa os passos que daremos, para nos aproximarmos d’Ele, enquanto assumimos mais de Suas características. Somente fundindo nossas qualidades com as d’Ele conquistaremos a verdadeira percepção da criação do mundo, e veremos que não existe nada além d’Ele.

             Todos os mundos e seus habitantes, tudo o que sentimos à nossa volta, assim como nós mesmos, compreendem somente uma parte d’Ele. Mais exatamente, nós somos Ele. Todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações são determinados por nossos desejos. O intelecto serve apenas para nos ajudar a alcançar o que desejamos. Ao recebermos nossos desejos, eles nos são conferidos pelo Divino, e somente o próprio Criador pode mudá-los.

            Ele fez isso intencionalmente, para que entendamos que tudo o que nos aconteceu no passado, o que ocorre no presente e o que acontecerá no futuro, em cada área da vida, depende exclusivamente d’Ele. Nossas situações podem melhorar apenas se o Criador assim o desejar, posto que Ele é a única causa do que aconteceu, acontece e acontecerá.

            Isso é necessário para que possamos reconhecer e sentir a necessidade de uma conexão com Ele. Podemos rastrear esse processo, até quase o final, quando nos teremos apegado a Ele completamente.

            Quando uma pessoa experimenta repentinamente um desejo de se aproximar mais do Criador, um desejo e uma atração pelo plano espiritual, isso assim ocorre como resultado da Sua condução para atraí-la para Ele, que a ela infunde tais sentimentos. Em uma situação inversa, percebe-se que, ao decair em suas aspirações, ou até mesmo em seu status material, social ou qualquer outro, por meio de carências e privações, a pessoa começa gradualmente a compreender que isso também é feito intencionalmente pelo Criador.

             Desse modo, o indivíduo pode se sentir dependente da Fonte de tudo o que ocorre, entendendo que somente o Criador pode ajudar, de outro modo, perecerá. O Criador assim o faz de propósito, para nos despertar uma firme necessidade d’Ele, para que O estimulemos a mudar nosso estado espiritual. Dessa maneira, ansiamos por mais proximidade d’Ele, e isso pode, de acordo com nossos desejos, nos aproximar d’Ele.

             Imediatamente depois, vemos que o Criador nos ajuda, salvando-nos de um sonho espiritual ou de uma situação na qual permanecemos contentes com nosso estado atual. Com o propósito de que progridamos para a meta definida por Ele, o Criador nos envia sofrimento e fracasso, tanto físico quanto espiritual, por meio de nosso entorno, família, amigos, colegas e conhecidos.

            Fomos criados de modo a perceber que qualquer coisa agradável é o resultado de nossa aproximação d’Ele. Também sentimos o contrário: que tudo de desagradável é causado por nosso distanciamento d’Ele. Por essa razão, nosso mundo esta construído de tal maneira que dependemos da saúde, da família, do amor e do respeito dos que nos cercam.

         Para o Criador, tudo isso funciona como um mensageiro, de modo que Ele pode exercer influências negativas que nos forçam a buscar soluções para as pressões, para que,j por fim, reconheçamos que todo o mundo depende somente d’Ele. Então, com força e paciência suficientes, podemos vir a ser dignos de associar tudo o que acontece na vida com o desejo d’Ele, mais que com qualquer outras causa, ou até mesmo com nossas próprias ações e pensamentos do passado. Com o tempo, ficará claro que somente Ele é a causa de tudo o que acontece.

         Este é o caminho para cada um de nós, e para toda a humanidade. Partindo do ponto inicial – aquele em que nos encontramos segundo nossos desejos atuais (nosso mundo) – para o destino final – ao qual chegaremos, mesmo contra nossa vontade (o mundo vindouro) –, nosso caminho divide-se em quatro etapas, ou estados, ou níveis, espirituais:

17.1 – AS QUATRO ETAPAS ESPIRITUAIS

  1. A falta absoluta de percepção (a ocultação absoluta) do Criador.

     As consequências desse estado são: ausência de crença no Criador e na Sua Supervisão Divina; crença no próprio poder do indivíduo, no poder da natureza, das circunstâncias e do acaso.

         Toda a humanidade esta nessa etapa. Quando estamos nesse nível espiritual, nossas vidas tornam-se, devido aos vários sofrimentos enviados, um processo de acumulação de experiências em nossas almas.

        A alma acumula experiências pelos repetido retornos a este mundo em diversos corpos. Quando ela adquire uma quantidade suficiente de experiências, a pessoa é capaz de perceber o primeiro nível espiritual.

  1. A nebulosa percepção do Criador

        As consequências desse estado são uma crença no castigo e na recompensa, e uma crença de que o sofrimento é o resultado do distanciamento do Criador. O prazer é visto como o resultado da proximidade do Criador.

         Sob a influência dessas grandes dificuldades, podemos voltar a uma etapa anterior. Porém, inconscientes do processo e acumulando experiências, continuamos aprendendo, até que percebemos que somente nosso reconhecimento completo do governo do Criador nos dará força para progredir.

     Nas duas situações anteriores, temos a capacidade de acreditar na supervisão superior. Se tentarmos, apesar de todos os distúrbios enviados, fortalecer nossa fé e trabalhar para perceber o governo do Criador em Seu mundo, então, depois de um número específico e intensidade de esforços, Ele nos ajudará, revelando tanto a Si mesmo quanto ao panorama da existência.

  1. A revelação parcial de Seu governo no mundo

        Nesse nível, somos capazes de ver a recompensa pelas boas ações e o castigo pelos maus fatos. Portanto, somos incapazes de fazer algo que não seja o bem e nos abstemos do mal; cada um de nós é incapaz de não fazer o bem ou de prejudicar a si mesmo.

       Porém, essa etapa do desenvolvimento espiritual não é a final, posto que, nesse momento, todas as nossas ações são involuntárias, como resultado de nosso conhecimento do castigo e da recompensa. Portanto, há uma etapa adicional do desenvolvimento espiritual: conquistar a percepção de que tudo o que foi feito pelo Criador assim foi – com amor absoluto e eterno – para os seres que criou.

  1. A revelação do panorama completo da administração do Criador sobre o mundo

       Nesse nível, tem-se uma clara percepção de que o governo do Criador no mundo baseia-se não na recompensa e no castigo pelas ações de uma pessoa, mas em Seu ilimitado amor por Suas criações.

         Atingimos tal etapa de desenvolvimento espiritual, quando vemos claramente que, em todas as circunstâncias, com todas as criações em geral e com cada uma em particular, sem julgar se suas ações são boas ou más, o Criador sempre as manipula e as supervisiona apenas com amor absoluto e ilimitado.

        Quando sentimos esse nível espiritual superiro, já percebemos o estado futuro de cada um. Podemos perceber a situação de quem ainda não o atingiu, assim como a daqueles – do passado e do presente – que já o atingiram. E também aprendemos o conhecimento, para experimentar a mesma etapa como indivíduos e como um todo.

          Essa apreensão resulta da revelação do design interior da Criação e da relação do Criador com cada alma em cada geração, pela duração completa da existência de todos os mundos.

          Esses mundos foram criador com um único propósito: fornecer prazer aos seres por Ele criados. É o único propósito que determina todas as ações do Criador.

             Isso continua do princípio ao fim da Criação, de modo que todos juntos e cada um separadamente possam experimentar um prazer ilimitado com o apego a Ele. Como resultado, quando pudermos ver claramente que as ações d’Ele são somente para fazer o bem e beneficiar os seres por Ele criados, se formarão dentro de nós essas mesmas ações.

            Assim, somos imbuídos de um sentimento de amor ilimitado pelo Criador, e, como resultado da similaridade de sentimentos, o Criador e a pessoa fundem-se em uma entidade.

       Por essa etapa representar a meta final da Criação, as três primeiras etapas compreendem os passos preliminares necessários para atingir a quarta.

            Todos os desejos de um indivíduo parecem estar alojados no coração porque são sentidos nele de uma maneira fisiológica. Portanto, nossos corações são considerados representativos de todos os desejos do corpo e de nossa essência. As mudanças nos desejos do coração revelam as mudanças na personalidade. Desde nosso nascimento, isto é, desde o momento em que aparecemos neste mundo, nossos corações estão ocupados com nada além das preocupações com o corpo; e somente os desejos do corpo lhes dizem respeito. O coração está cheio apenas de desejos do corpo e deles vive.

         Porém, no mais profundo do coração, na profundidade de todos os desejos, por detrás dos desejos mais mesquinhos, há um ponto escondido que não percebido por nós. É a necessidade da sensação espiritual. Esse ponto é uma parte do próprio Criador.

           Se, conscientemente, por meio do poder de nossos esforços para superar e saltar por cima da indiferença e da ociosidade do corpo, buscamos na Cabala as maneiras de nos aproximarmos mais do Criador, esse ponto irá se enchendo gradualmente de desejos puros e bons. Assim, ganharemos a percepção do Criador do primeiro nível espiritual, o nível do mundo de “Assyyah”.

          Depois, percebendo todas as etapas do mundo de “Assiyah”, podemos começar a perceber o Criador no mundo de “Yetzirah”, e assim sucessivamente, até que alcançamos o mais alto nível: a percepção do Criador, no mundo de “Atzilut”.

           E cada etapa experimentamos todas as nossas percepções no mesmo ponto interno de nossos corações. No passado, quando nossos corações estavam sob a influência dos desejos do corpo, o ponto interno no coração não recebia absolutamente nenhuma percepção do Criador. Conseguíamos apenas pensar nos desejos que o corpo nos forçava a ter, e a desejar somente o que ele nos forçava a desejar.

           Se enchermos nossos corações de desejos puros e altruístas, por meio de orações e pedidos a Ele para nossa redenção espiritual, começaremos a perceber o Criador. Então, seremos capazes de pensar somente n’Ele, pois nos terão brotados pensamentos e desejos relacionados a esse nível espiritual.

             Assim, sempre desejamos somente o que somos forçados a desejar pela influência espiritual que recebemos, e de acordo com a etapa em que nos encontramos.

         Isso posto, torna-se claro que não devemos nos esforçar para alterar nossos próprios pensamentos, mas devemos suplicar ao Criador para que os mude, pois todos os nosssos desejos e pensamentos são simples consequências do que recebemos, ou, mais exatamente, do grau no qual percebemos o Criador.

             Com relação à Criação completa, é evidente que tudo deriva do Criador, mas Ele nos criou com um certo grau de livre-arbítrio.

               A capacidade de dirigir os próprios desejos aparece somente nos que atingem as etapas ABYA. Quanto mais alto ascendermos espiritualmente, mais alto será nosso grau de liberdade.

            A fim de esclarecer, podemos comparar o processo de nosso desenvolvimento espiritual com o desenvolvimento da natureza material de nosso mundo. Toda a natureza e o universo não representam nada além do único desejo de autogratificação, que existe em cada indivíduo em um grau variável. Com o aumento desse desejo, seres mais avançados chegam a nosso mundo, porque o desejo induz a mente a trabalhar e a desenvolver o intelecto para a satisfação das necessidades do individuo.

              Nossos pensamentos são sempre o resultado de nossos desejos. Eles seguem e são dirigidos para conquista de nossos desejos. Além disso, os pensamentos têm um papel especial: com sua ajuda, podemos aumentar nossos desejos.

              Se constantemente aprofundarmos e expandirmos nossos pensamentos acerca de algo, e nos esforçarmos por nos voltar continuamente para esse pensamento, gradualmente esse desejo começará a aumentar com relação a outros desejos. De modo, podemos modificar a correlação de nossos desejos. Com pensamentos constantes sobre um pequeno desejo, poderemos aumentá-lo e torná-lo um desejo tão grande que ofuscará todos os outros e determinará nossa essência.

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17.2 – FASES DA REVELAÇÃO

          O nível mais baixo na escala espiritual assemelha-se à parte inanimada da natureza, similar aos corpos no espaço ou aos minerais, e assim sucessivamente. Esse nível inanimado chama-se também não vivo. Alguém que se encontre no nível inanimado no plano espiritual não é capaz de agir de uma maneira independente. Também não pode revelar características próprias de si mesmo, posto que seu desejo de ter prazer é tão pequeno, que é definido como simples guardião de suas características, e não como promotor de seu desenvolvimento. A falta de individualidade, nesse nível da Criação, é enunciada no fato de não se possuir nada independente. Sua função é focada é focada cegamente, realizando os desejos de seu Criador automaticamente, pois não pode conceber qualquer outra coisa, já que não tem nenhum desejo individual.

            Pelo fato de o Criador querer que os objetos inanimados se comportem exatamente dessa maneira, Ele lhes deu o mais baixo nível de desejos, o que não requer seu desenvolvimento. Assim, não tendo nenhum outro desejo, salvo os originalmente implantados pelo Criador, esses objetos realizam cegamente suas tarefas, preocupando-se unicamente com suas necessidades de uma natureza espiritual inanimada, sem perceber seus arredores. Do mesmo modo, nas pessoas ainda espiritualmente inanimadas também existe a falta de qualquer desejo individual. Somente os desejos do Criador os guiam, e, devido a sua natureza, devem seguir essa direção meticulosamente e inconscientemente, de acordo com o programa neles implantados pelo Criador.

                Portanto, apesar de o Criador ter idealizado a natureza humana desse modo, para Seu próprio propósito, nesse estado espiritual os indivíduos não podem perceber nada além de si mesmos. Como consequência, também não podem fazer nada pelos outros, somente trabalhar para seu próprio benefício. Assim, esse nível de desenvolvimento espiritual chama-se inanimado.

                Um grau mais alto de desenvolvimento pode ser encontrado na natureza das plantas. Pelo fato de o Criador ter conferido a esse grupo um desejo maior de prazer que o dado aos objetos inanimados, as plantas requerem certo movimento e certo crescimento para satisfazer suas necessidades. No entanto, estes são atributos de um grupo, não uma aspiração individual.

                Em pessoas que pertencem ao nível vegetativo do desejo aparece um certo grau de independência espiritual do Criador, que é quem determina o programa. Posto que o Criador construiu toda a natureza com base no egoísmo absoluto (o desejo de autogratificação), no nível vegetativo esses indivíduos começam a desenvolver inclinações para se distanciarem dos desejos neles implantados, Como consequência, começam a agir sem consideração pelos outros, isto é, contra sua natureza.

                Apesar de as plantas neste mundo crescerem em todas as direções e possuírem uma certa liberdade de movimento, este ainda é considerado um movimento coletivo. Afinal, nenhuma planta é capaz – devido à falta absoluta do desejo apropriado – nem mesmo de sondar a possibilidade de movimento individual.

                Do mesmo modo, uma pessoa pertencente ao nível vegetativo dos desejos não é capas de aspirar esforços individuais divergentes das normas do coletivo, da sociedade e de sua formação. Ela tem como propósito preservar e obedecer todas as normas e leis de seu ambiente vegetativo, que compreende um grupo de pessoas similares, que pertencem ao mesmo nível vegetativo de desenvolvimento.

                Portanto, assim como a planta, a pessoa desse nível não tem uma vida separada e individual, mais sim vive como parte de uma comunidade, entre muitos seres similares em natureza.

                Tanto para as plantas quanto para as pessoas desse nível só se pode encontrar um vida comunitária, em vez de uma vida individual para cada um dos seres. Todas as plantas, em geral, podem ser comparadas a um único organismo vegetativo, em que cada planta pode ser comparada a um galho separado do corpo.

                As pessoas que pertencem ao nível espiritual vegetativo também podem ser comparadas com esse exemplo. Embora às vezes se desviem de suas naturezas egoístas, não obstante permanecem confinadas pelas leis da sociedade e por seu entorno – posto que seu desenvolvimento espiritual é mínimo. Não tem nenhum desejo individual, ou força, para se opor à sociedade ou a sua formação, apesar de, em alguns aspectos, irem contra sua própria natureza e agirem em benefício de outros.

                Na graduação espiritual do desenvolvimento, o nível vegetativo é seguido pelo animalista. Este é considerado mais alto porque, nele, os desejos do Criador desenvolvem os seres a tal ponto que encontram satisfação na capacidade de se mover e de pensar independentemente de outros, com o fim de satisfazer seus desejos.

                Cada animal tem um caráter individual e sentimentos não relacionados com o ambiente circundante. Consequentemente, uma pessoa, nessa etapa de desenvolvimento, tem uma maior capacidade de funcionar de forma contrária às inclinações egoístas e pelo bem de outros.

          Mas, apesar de se ter conseguido um grau de independência do coletivo, conduzindo a uma vida pessoal individual, não formada pelas opiniões da comunidade, os sentimentos próprios continuam sendo supremos.

                  Os que existem no nível humano (falante) do desenvolvimento já são capazes de agir contra sua natureza e em sentido oposto ao coletivo (diferente da planta).

                Essas pessoas são totalmente independentes da sociedade na escolha de seus desejos. Podem compadecer-se de qualquer outro ser e, portanto, podem se preocupar com os outros. Podem ajudá-los em sua busca pela melhora de si mesmo, identificando-se com seu sofrimento. As pessoas desse nível, diferentemente dos animais, podem perceber o passado e o futuro e, portanto, podem agir guiadas pelo reconhecimento de um propósito central.

             Todos os mundos e as etapas atribuídas a eles podem ser visto como uma sequência de telas que nos é ocultada (a luz do Criador). Ao adquirirmos a força espiritual para superar nossas próprias naturezas, cada uma de suas forças, cada uma das tela, consecutivamente desaparece, como se dissolvesse.

                  O conto a seguir ilustra a progressão de nossa busca espiritual para dissolver as telas, e viver como Um, com o Criador.

18 – O MAGO ONIPOTENTE QUE NÃO CONSEGUIA FICAR SOZINHO

                  Um conto para os mais velhos

                 Sabe por que os velhos contam lendas? Porque as lendas são as histórias mais inteligentes do mundo! Tudo no mundo muda; somente as verdadeiras histórias permanecem. As lendas são sabedoria. Para saber contá-las, é preciso ter grandes conhecimentos, ver o que os outros não veem. E, para isso, é preciso ter vivido bastante. Como esta escrito no maior e mais antigo livro, O Zohar, “um velho é alguém que adquiriu sabedoria”. Eis por que os velhos sabem como contá-las.

                 As crianças gostam de escutar lendas porque tem a imaginação e o cérebro para conceber tudo, não somente o que os outros veem. Pelo fato de verem o que os outro não veem, elas sabem que a imaginação é real. Se uma criança cresce e continua a ver o que os outros não veem, torna-se alguém sábio e inteligente, adquire sabedoria. Permanecem como uma criança sábia, como também está escrito no Zohar.

                  Era uma vez um mago, grande, nobre e benévolo, com todos os atributos que os livros infantis em geral lhes dão. Mas, mesmo sendo tão benévolo, ele não sabia com quem compartilhar sua bondade. Não tinha a quem dar seu afeto, com quem brincar, com quem passar o tempo, em quem pensar.

               O mago também precisava se sentir querido, porque é muito triste estar sozinho. O que deveria ele fazer? Pensou em criar uma pedra, só uma pequena, mais linda, e talvez essa fosse a resposta.

                “Acariciarei a pedra e sentirei que há algo constantemente a meu lado, e ambos nos sentiremos bem, porque é muito triste estar sozinho”, pensou.

                Agitou, então, sua varinha e, em um instante, havia uma pedra ao seu lado, e exatamente como ele queria.

           Começou a acaricia-la, a abraçá-la e a lhe fazer, mas ela não respondia. Permanecia fria, e não lhe retribuía o que ele a ela fazia. Apesar de tudo o que fizesse à pedra, ela permanecia o mesmo objeto insensível.

            Isso não pareceu nada bem ao mago. “Como é possível que a pedra não responda?” Criou mais pedras, depois rochas, colinas, montanha, terrenos, a Terra, a Lua e a Galáxia. Mas todas eram a mesma coisa… nada. Ele ainda se sentia triste e completamente sozinho.

                Em sua tristeza, pensou que, em vez de pedras, deveria criar uma planta, que floresceria maravilhosamente. Ele a regaria, dar-lhe-ia um pouco de ar, um pouco de sol, tocaria um pouco de música para ela e ela ficaria feliz. Então, ambos ficariam contentes, porque era triste estar sozinho.

                Agitou, então, mais uma vez a sua varinha e, em um instante, havia uma planta, exatamente como desejara, Estava tão feliz que começou a dançar em volta dela, mas a planta não se mexia. Não dançou com ele nem seguiu seus movimentos. Apenas lhe respondeu nos termos mais simples. Se lhe dava água, crescia; se não lhe dava, morria. Isso não era suficiente para um mago tão benévolo, que queria dar de todo o coração. Ele tinha que fazer algo mais, porque é muito triste estar sozinho. Então criou todo tipo de plantas, de todos os tamanhos, criou campos, selvas, hortas, plantações e arvoredos. Mas todos se comportaram da mesma maneira que a primeira planta, e de novo ele estava sozinho, triste.

                “O que devo fazer? Cria um animal! Que tipo de animal?”, pensou o mago. “Um cachorro”?, concluiu. Sim, um simpático cachorro, pequeno, que com ele sempre estaria. Ele o levaria a passear, e o cachorro pularia, brincaria e correria. Quando voltasse a seu castelo, lá estaria o cachorro, que ficaria tão contate por vê-lo que correria a cumprimentá-lo. Ambos ficariam felizes, porque é muito triste ficar sozinho.

                Mais uma vez, o mago agitou sua varinha, e havia um cachorro, exatamente como ele desejava. Começou a cuidar do cachorro, a alimentá-lo, a lhe dar de beber, e sempre o acariciava. Até corria junto com ele, lavava-o e levava-o a passear.

                Mas o amor de um cachorro resume-se a estar ao lado de seu dono onde quer que este esteja. O mago estava triste por perceber que o cachorro não podia ser recíproco, mesmo brincando tão bem e indo a todos os lugares com ele. O cachorro não podia ser seu amigo verdadeiro, não podia apreciar o esforço que fazia por ele e não compreendia seus pensamentos e desejos.

                Mas era o que o mago queria: ter um amigo verdadeiro. Então agitou a varinha e criou outras criaturas: peixes, aves, outros mamíferos, mas tudo sem nenhum proveito – nenhuma delas o entendeu. Era muito triste estar tão sozinho.

           O mago sentou-se e pensou muito. Depois percebeu que, para ser um amigo verdadeiro, devia ser uma criatura que buscasse pelo mago, que o desejasse muito. Seria como o mago, assemelhar-se-ia a ele, seria capaz de amar, de entender, de ser companheiro. Companheiro? Amigo Verdadeiro?

            Teria que ser algo próximo a ele, que compreendesse o que lhe daria e que pudesse retribuir, dando-lhe tudo de volta. Os magos também desejam amar e ser amados. Assim, ambos ficariam contentes, porque é muito triste estar sozinho.

               E o mago, então, pensou em criar um homem. Poderia ser seu amigo verdadeiro! Um homem poderia ser como ele. Apenas precisaria de sua ajuda para isso. Depois, os dois se sentiriam bem, porque é muito triste estar sozinho.

                Ma, o mago pensou que, a fim de o primeiro homem se sentir bem, este deveria antes se sentir sozinho, e ficar triste sem o mago

             Mais uma vez, o mago agitou a sua varinha e fez um homem, e se manteve à distância.

             O homem não sentiu que o mago havia feito todas as pedras, as plantas, as colinas, os campos, assim como a Lua, a chuva, os ventos. Ele não sabia que o mago havia criado um mundo inteiro cheio de maravilhas, até com computadores e futebol, que os faziam sentir-se bem e sem carências.

                  O mago, por outro lado, sentia-se triste porque ainda estava sozinho.

                E o homem não sabia que havia um mago que o havia criado, que o amava e o esperava, e que dizia que, juntos, se sentiriam bem, porque é muito triste estar sozinho.

              Mas como o homem, que se sente contente, que tem tudo, até mesmo computador e futebol, que não conhece o mago, pode desejar encontrá-lo, conhecê-lo, aproximar-se dele, amá-lo, ser seu amigo e dizer: “Venha, ambos nos sentiremos bem, porque é muito triste estar sozinho, sem você”?

                O homem conhece apenas seus arredores, faz o que os outros homens perto dele fazem, fala como falam, deseja o que desejam, procura não ofender, pede presentes com boas maneiras, um computador ou uma bola de futebol.

                Como é possível ao homem saber que há um mago triste por estar sozinho?

             Mas o mago é benévolo e constantemente cuida do homem, e, quando chega o momento oportuno, agita a sua varinha e toca o coração do homem muito silenciosamente.

                O homem, então, pensa que está buscando algo, e não percebe que é o mago que o está chamando, dizendo: “Venha, ambos nos sentiremos bem, porque é muito triste estar sozinho sem você”.

             Então, o mago outra vez agita sua varinha, e o homem sente sua presença. Começa a pensar no mago, a imaginar que seria bom estarem juntos, porque é muito triste estar sozinho, sem o mago.

             Outro movimento da varinha do mago, e o homem sente que há uma torre mágica – cheia de bondade e de força – na qual ele, o mago, o espera. O homem percebe que somente ali se sentirão bem, porque é muito triste estar sozinho.

              “Mas onde fica essa torre? Como posso alcançá-la? Qual é o caminho?”, pergunta-se o homem, desconcertado e confuso. “Como posso encontrar o mago?”, questiona-se.

           O homem, então, sente mais uma vez a sacudida da varinha do mago em seu coração, e não consegue dormir. Com frequência, vê magos e torres poderosas, e não consegue nem comer.

              Isso é o que acontece quando alguém deseja muito algo, não consegue obter, e está triste por estar sozinho.

             Mas, para ser como o mago – sábio, grandioso, nobre, benévolo, carinhoso e amigo -, agitar a varinha não é o suficiente. Deve-se aprender a fazer maravilhas por si mesmo.

                Então o mago, secreta e sutilmente, suave e inofensivamente, conduz o homem ao maior e mais antigo livro, o Zohar, e lhe mostra o caminho para a torres poderosa.

                O homem aferra-se ao livro para poder encontrar rapidamente o mago, juntar-se a seu amigo e dizer-lhe: “Venha, ambos nos sentiremos bem juntos, porque é muito triste estar sozinho”.

               Porém, há uma parede alta que circunda a torre e muitos guardas repelem o home, sem deixar que ele o mago fiquem juntos, e se sintam bem.

               O homem se desespera, o mago se esconde na torre, atrás de portões bloqueados. A parede é alta, e os guardas vigilantemente impedem o acesso a ela. Nada pode ultrapassá-la.

               O que acontecerá? Como o homem e o mago poderão estar juntos, sentir-se bem, porque é triste estar sozinho?

              Cada vez que o homem se debilita e se desespera, repentinamente sente a varinha se agitar, e ele corre de novo para a parede, tentando evitar os guardas a qualquer preço! Deseja ultrapassar os portões, chegar à torre subir os degraus da escada e alcançar o mago.

                Cada vez que aparece e quanto mais se aproxima da torre e do mago, mais alertas ficam os guardas, mais fortes e difíceis, empurrando-o sem misericórdia.

                Mas, a cada assalto, o homem torna-se mais valente, mais forte e mais sábio. Aprende a usar todo tipo de truque, a inventar o que somente um mago poderia fazer.

                Quanto mais o empurram para trás, mais ama o mago. Sente que seu amor por ele é cada vez maior. Mais do que qualquer outra coisa no mundo, deseja estar com o mago e ver seu rosto, porque será bom estarem juntos. E, mesmo se lhe concedessem tudo no mundo, sem o mago se sentiria sozinho.

                Então, quando já não consegue mais suportar estar sem o mago, os portões da torre se abrem. E o mago – o seu mago – corre para ele e diz: “Venha, ambos estaremos bem juntos, porque é muito triste estar sozinho”.

                 E, desde então, são amigos fiéis, estreitamente ligados; não há melhor prazer do que o existente entre eles – para sempre, até o infinito.

                Sentem-se tão bem juntos que nunca lembram, nem sequer ocasionalmente, que foi tão triste estarem sozinhos.

                FIM

18.1 – CONCLUSÃO

               A sequência das telas nos oculta o Criador. Essas telas existem em nós mesmo e em nossas almas. Porém, o Criador é tudo o que está fora de nós e de nossas almas, com suas respectivas telas interferentes. Só conseguimos perceber a pequena parte do entorno externo que pode penetrar nossa tela.

                Tudo o que está fora de nós foge completamente de nossa percepção. Da mesma maneira, neste mundo apenas vemos os objetos refletidos na superfície interna do olho, quando entram no alcance de nossa visão.

                Nosso conhecimento dos mundos espirituais chega das percepções e sensações conquistadas pelas almas dos cabalistas, que transferem para nós.

                Porém, suas conquistas são restringidas pelo alcance de sua visão espiritual. Portanto, todos os mundos espirituais conhecidos por nós existem somente em relação a essas almas.

                Isso posto, a Criação inteira pode ser dividida em três partes.

                  1.O Criador

             Nós não podemos discutir com ele, pois só podemos julgar os fenômenos que estão ao alcance de nossa percepção espiritual depois de estes terem atravessado as telas interferentes.

                  2.O propósito da Criação

                  Este é nosso ponto de partida; devemos explorar a intenção do Criador.

               Alguns argumentos que sua essência está na satisfação de Suas criações, mas, devido a falta de informações, não podemos dizer nada mais sobre a relação d’Ele conosco.

                O Criado desejou que sentíssemos Sua influência como prazer, e, por isso, criou nossos receptores sensoriais de tal maneira que nos permitam senti-la como tal.

               Mas, como toda percepção é captada pela alma, não faz sentido falar sobre outros mundos sem relacionar o assunto com aqueles que podem perceber esses mundos. Sem a capacidade da alma de perceber, os outros mundos não existem.

                  As telas de interferência colocadas entre nós e o Criador realmente apresentam esses mundos. “Olam” deriva da palavra “haalamah” que significa ocultação. Os mundos existem somente com o propósito de transmitir, apesar de pequena parte, o prazer (luz) que emana do Criador para a alma.

                   3.Almas

           Estas são entidades geradas pelo Criador que percebem a si mesmas como existindo independentemente. Essa sensação é muito subjetiva e, em essência, traduz-se na alma, isto é, na própria individualidade. Foram assim feitas especificamente pelo Criador. Porém, na realidade, são uma parte integral d’Ele.

                O caminho espiritual total do desenvolvimento de uma pessoa, desde a etapa inicial até a final, na qual ela se funde por completo com o Criador em todas as suas qualidades, divide-se em cinco etapas. Cada uma delas, por sua vez, divide-se em cinco etapas secundárias, que depois se fragmentam em mais cinco. No total, há 125 etapas.

                 Em cada etapa, uma pessoa experimenta as mesmas sensações e influências que outra pessoa nessa mesma etapa. Possui os mesmos órgão sensoriais espirituais de outra na mesma etapa, sentido portanto a mesma coisa.

              Do mesmo modo, cada pessoa, em nosso mundo, possui os mesmo órgãos perceptivos, que produzem percepções idênticas, mas que não permitem a percepção de outros mundos.

                Por conseguinte, os livros de Cabala podem ser compreendidos somente por aqueles que atingem a etapa do autor, posto que, então, o autor e o leitor terão experiências comuns. Isso também se aplica aos leitores e autores que descrevem os acontecimentos deste mundo.

                Dos mundos espirituais, a alma recebe o reconhecimento da proximidade do Criador, assim como a gratificação espiritual e a iluminação que acompanham a unificação com ele. A alma também recebe, da compreensão de Seus desejos e das leis de Seu domínio, a chamada luz do Criador, ou a capacidade de percebê-Lo.

            À medida que avançamos em nosso caminho espiritual, percebemos gradualmente que estamos sendo levados para mais perto d’Ele. Essa é a razão pela qual adquirimos uma nova perspectiva da revelação do Criador em cada fase de nosso caminho.

                Para aqueles que podem captar apenas nosso mundo, a Biblia parece uma coleção de leis e eventos históricos que descrevem o comportamento dos seres humanos neste mundo. Porém, para os que estão mais avançados em seu caminho espiritual, acontece a percepção das ações espirituais do Criador por trás dos nomes de objetos e ações de nosso mundo.

                Com tudo isso, torna-se mais claro que, na Criação, há dois participantes: o Criador e o ser humano, que foi criado pelo Todo-poderoso.

                Todas as outras visões que nos surgem, seja a percepção de nosso mundo ou mesmo a percepção dos mundos superiores, são somente as diversas fases da revelação e da divulgação do Criador em Seu caminho para se aproximar de nós.

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19 – NÍVEIS ESPIRITUAIS

                Toda a Criação pode ser descrita como uma função de quatro parâmetros: tempo, alma, mundo e fonte de existência. Estão regulados por/pela vontade e pelos desejos do Criador.

                Tempo: uma sucessão de acontecimentos de causa e efeito que se dão com cada alma e com toda a humanidade em sua totalidade, similar ao desenvolvimento histórico da humanidade.

                Alma: todo o universo orgânico (vivo), incluindo os seres humanos.

                Mundo: todo o universo inorgânico (sem vida). Nos mundos espirituais, isso corresponde ao nível inorgânico de desejos.

                Fonte de existência: o plano para o desenvolvimento dos acontecimentos, que ocorre com cada um de nós em particular e com a humanidade em geral; é o plano para governar toda a Criação, e levá-la à condição pré-determinada no início.

                Quando decidiu criar todos os mundos e neles os seres humanos para levá-los para perto d’Ele, o Criador gradualmente diminuiu Sua presença, diminuindo Sua luz em nosso mundo. As quatro fases de ocultação gradual (de cima para baixo) da presença do Criador são conhecidas como os mundos, que são:

                “Atzilut”: aquele em que os presentes encontram-se totalmente unificados com o Criador.

                “Beriah”: aquele em que os presentes têm uma conexão com o Criador.

               “Yetzirah”: aquele em que os presentes percebem o Criador.

          “Assiyah”: aquele em que os presentes quase não percebem ou não percebem totalmente o Criador. (Esse nível inclui nosso mundo – o último, o mais baixo e o mais afastado do Criador.)

                Todos os mundos mencionados emergiram um do outro e, de certo modo, são réplicas um do outro. Cada mundo inferior, mais afastado do Criador, é uma versão mais tosca, embora uma réplica exata do anterior.

                É interessante que cada mundo seja uma réplica nos quatro parâmetros: mundo, alma, tempo e fonte de existência. Assim, tudo em nosso mundo é resultado direto de processos que já ocorreram no passado em um mundo mais elevado, e tudo o que aconteceu lá é o resultado do que ocorreu antes, e assim sucessivamente, até o ponto em que os quatro parâmetros – mundo, tempo, alma e fonte de existência – fundem-se em uma única fonte de existência, o Criador! Esse lugar é conhecido como “Atzilut”.

               O arranjo do Criador nas vestimentas dos mundos “Atzilut”, “Beriah” e “Yetzirah” (Seu aparecimento diante de nós, por meio de iluminações através de telas que debilitam esses mundos) é conhecido como Cabala. O arranjo do Criador na vestimenta de nosso mundo, o mundo de “Assiyah”, é conhecido como Torah escrita.

             Porém, na realidade, não há diferença entre a Cabala e a Torah deste mundo, A fonte de tudo é o Criador.

                 Em outras palavras, estudar e viver de acordo com a Torah, ou estudar e viver de acordo com a Cabala, é determinado pelo nível espiritual do aluno. Se este estiver no nível deste mundo, então verá e perceberá este mundo e a Torah como tudo.

             Porém, se o aluno passar para um nível superior, surgirá um panorama diferente. O envoltório deste mundo desaparecerá, e o que restará serão os envoltórios dos mundos “Yetzirah” e “Beriah”.

                No nível de “Yetzirah”, a Torah e toda a realidade lhe parecerão diferentes, como parecem para os que alcançam esta etapa. Também a Bíblia, com todas suas histórias sobre animais, guerras e objetos deste mundo, se transformará numa descrição do mundo “Yetzirah”, em Cabala.

                Se a pessoa se elevar ainda mais, para o mundo de “Beriah”, ou de “Atzilut”, então aparecerá um quadro completamente novo do mundo e do mecanismo que o governa, em conformidade com seu estado espiritual.

                Não há diferença entre os acontecimentos da Bíblia do mundo espiritual e da Cabala. A diferença está no nível espiritual dos envolvido. Na realidade, se duas pessoas lessem o mesmo livro, uma nele veria acontecimentos históricos e a outra a descrição do domínio sobre os mundos claramente percebido como o do Criador.

                Aqueles para quem o Criador está completamente oculto existem no mundo de “Assyah”. Essa é a razão pela qual, afinal, para eles, nada parece bom. Devido à ocultação do Criador, o mundo lhes parece cheio de sofrimento, pois não o podem perceber de outra maneira. Se, de fato, experimentam prazer, parece simplesmente ser um prazer advindo do sofrimento.

                Somente ao alcançar o nível de “Yetzirah”, o Criador revela-se parcialmente à pessoa e lhe permite ver Seu governo por meio do castigo e da recompensa. Assim nascem, na pessoa, o amor (dependendo da recompensa) e o medo (dependendo do castigo).

                O terceiro degrau – o amor incondicional – aparece quando a pessoa percebe que o Criador nunca nos fez mal, apenas o bem. Isso corresponde ao nível de “Beriah”. Quando o Criador revela o quadro completo da Criação e de Seu domínio sobre todas as criações, então surge na pessoa um amor absoluto pelo Criador, pois Seu amor absoluto por todas as Suas criações se torna visível. Essa compreensão eleva a pessoa ao nível do mundo “Atzilut”.

                Portanto, nossa capacidade de entender Suas ações depende do grau no qual o Criador Se nos revelará, posto que somos criados de tal maneira que a Sua conduta nos afeta (nossos pensamentos, qualidades e atos) automaticamente. Por isso é que só podemos pedir a Ele que nos modifique.

                Independente do fato de todos os atos do Criador serem intrinsecamente bons, há forças, também originárias d’Ele, que parecem funcionar de maneira contrária a Seus desejos. Essas forças com frequência invocam a crítica de Seus atos e, portanto, são conhecida como impuras.

                Em cada degrau, desde o primeiro até o último de nosso caminho, existem duas forças opostas. Ambas foram criadas pelo Criador. Elas são as forças puras e impuras. A força impura deliberadamente nos provoca desconfiança e nos empurra para longe do Criador. Mas, se a ignorarmos e de qualquer modo nos esforçarmos, suplicando ao Criador que nos ajude, então fortaleceremos nosso vínculo com Ele e, em troca, receberemos a força pura. Isso nos elevará a um nível espiritual superior e, nesse momento, a força impura deixará de nos afetar, visto que já terá cumprido seu papel.

                A força impura do mundo “Assiyah” (passo 1)

                Essa força pretende infundir acontecimentos por meio da negação da existência do Criador

                A força impura do mundo “Yetzirah” (passo 2)

                Essa força pretende nos convencer de que o mundo é governado não por meio do castigo e da recompensa, mas por meio da arbitrariedade.

                A força impura do mundo “Beriah” (passo 3)

                Essa força pretende neutralizar nossa percepção do amor do Criador por nós, que, por sua vez, invoca nosso amor por Ele.

                A força impura do mundo “Atzilut” (passo 4)

                Essa força pretende nos provar que o Criador nem sempre age de acordo com o amor absoluto por todas as Suas criações, tentando, assim, prevenir nossos sentimentos do amor absoluto pelo Criador.

                Portanto, torna-se claro que nossa elevação a cada um dos consecutivos níveis espirituais, em busca da revelação do Criador e da conquista do prazer por nos aproximarmos d’Ele, requer a superação das respectivas forças opostas. Estas surgem nas formas de pensamento e desejo. Somente quando forem superadas é que poderemos ascender ao nível seguinte, e dar outro passo para adiante em nosso caminho.

                De tudo isso, concluímos que o campo de ação das forças espirituais e dos sentidos dos quatro mundos – “Assiyah”, “Yetzirah”, “Beriah” e “Atzilut” – tem um alcance correspondente a forças opostas e paralelas e a sentimentos provenientes dos quatro mundos impuros de “Assiyah”, “Yetzirah”, “Beriah” e “Atzilut”. O movimento para frente é um processo de alternância.

                Somente depois de superar todas as forças e obstáculos impuros enviados a nós pelo Criador, e depois de pedir-Lhe que se revele – dotando-nos, assim, da força necessária para suportar o poder das forças, os pensamentos e os desejos impuros –, poderemos alcançar a etapa pura.

                Desde o nascimento, cada um de nós se encontra em um estado no qual o Criador está completamente encoberto. A fim de avançar no caminho espiritual descrito, é necessário:

  1. Perceber nosso estado atual como insuportável.
  2. Sentir, pelo menos em certo grau, que o Criador existe.
  3. Sentir que dependemos apenas d’Ele.
  4. Reconhecer que somente o Criador pode nos ajudar.

                Revelando-se, o Criador pode alterar nossos desejos de imediato e nos dotar de uma inteligência com uma essência nova. O aparecimento desses fortes desejos desperta em nós de imediato os poderes para satisfazê-los.

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(…) continuação

                A única coisa que define nossa essência é a combinação e a coleção de nossos desejos.

                 Nosso raciocínio existe somente para nos ajudar a conquistar nossos desejos. Na realidade, o raciocínio serve apenas como uma ferramenta de ajuda.

                Avançamos ao longo de nosso caminho em etapas, e passo por passo, sendo influenciados de forma alternada pela força egoísta impura (esquerda) e pela altruísta pura (direita). Ao superar as forças da esquerda com a ajuda do Criador, adquirimos as características da direita.

                O caminho é, então, como dois trilhos: o esquerdo e o direito, como duas forças que repelem e atraem o Criador, similar a dois desejos: o egoísmo e o altruísmo. Quanto mais longe nos movermos de nosso ponto de partida, mais fortes serão as forças opostas.

                Ao nos tornarmos mais parecidos com o Criador, tanto em desejos quanto em amor, avançamos, posto que o amor do Criador é o único sentimento divino para nós, do qual emergem todos os outros sentimentos. Ele só nos deseja fazer o bem, levar-nos ao estado ideal, que só pode ser um estado semelhante ao d’Ele. Esse é o estado da imortalidade, pleno do ilimitado prazer por sentir o amor infinito pelo Criador, que nos transmite igual sentimento. Alcançar esse estado é o propósito da Criação; todos os demais desejos são considerados impuros.

                A meta do Criador é nos levar ao estado de semelhança a Seu próprio estado. Essa meta é imperativa para cada um de nós e para a humanidade em geral, quer queiramos ou não. Para nós, é impossível almejá-la, simplesmente porque só conseguimos perceber todos os prazeres e encontrar a redenção de todo o sofrimento na unificação com o Criador.

                O sofrimento é enviado pelo próprio Criador para nos forçar a avançar, para nos obrigar a mudar nossos ambientes, hábitos, nossas ações e perspectivas, posto que, instintivamente, estamos preparados para nos libertar do sofrimento. Além disso, não podemos experimentar prazer sem antes experimentar o sofrimento, assim como não pode haver nenhuma resposta, se não houver uma pergunta; nenhuma saciedade, se não houver fome.

                Assim, para experimentar qualquer sensação, devemos primeiro experimentar o oposto. Portanto, para experimentar a força de atração e o amor pelo Criador, devemos experimentar os sentimentos exatamente opostos, tais como a raiva e o alinhamento das ideias, dos hábitos e desejos.

                Nenhum sentimento pode nascer de um vazio; deve haver um desejos definitivo de conquistá-lo. Por exemplo, uma pessoa deve ser instruída para entender e, portanto, amar a música. Uma pessoa inculta não pode captar a felicidade de quem é educado, de quem, depois de esforços vigorosos, descobre algo novo que esteve almejando por muito tempo.

                O desejo de algo é conhecido, na terminologia cabalística, como vaso (“kli”), devido ao fato de a sensação de carência ser justamente uma condição necessária para que o prazer a preencha. A magnitude do prazer que a pessoa receberá no futuro depende, evidentemente, da magnitude do vaso.

                Mesmo em nosso mundo podemos observar que não é o tamanho do estômago, mais sim o do desejo, a sensação de fome, que determina quanto prazer determina o tamanho do vaso, e isso, por sua vez, determina a quantidade de prazer a ser recebido.

                O prazer que satisfaz o desejo de ser gratificado é conhecido como luz, porque esta dá ao vaso uma sensação de plenitude e satisfação.

                Portanto, deve existir um desejo tão forte que a pessoa sofra por sua carência. Somente, então, pode-se dizer que o vaso está preparado para receber a abundância que a pessoa tanto espera.

                O propósito da criação das forças impuras (desejos), conhecidas como               “klipot”, é criar em uma pessoa um desejo de magnitude infinita. Se não fosse pelos desejos da “Klipot     “, nunca experimentaríamos a urgência de algo além das necessidades básicas do corpo. Permaneceríamos no nível de desenvolvimento da criança. São elas, então, que nos obrigam a buscar novos prazeres, já que constantemente criam novos desejos, os quais requerem atendimento, o que nos força rumo ao desenvolvimento.

                A conquista das qualidades que caracterizam o mundo “Atzilut” é conhecida como a ressurreição dos mortos, pois, dessa maneira, transformamos todos os desejos impuros (mortos) em uma forma pura. Antes do mundo de “Atzilut”, como se deslocasse sobre dois trilhos de um trem, a pessoa só pode mudar os desejos por contrários, mas não pode transformar todos os desejos em puros.

               Ao entrar no mundo de “Atzilut”, podemos corrigir desejos passados, alcançados, assim, etapas superiores de elevação espiritual. Esse processo é conhecido como a ressurreição dos mortos (os desejos).

                É evidente que a ressurreição, nesse caso, não se refere a nossos corpos físicos. Eles, como os de todas as criações que povoam este mundo, desintegrar-se-ão quando a alma os abandonar e não tem nenhum valor sem a presença dela.

                Se, como resultado pelo trabalho em nós mesmos, já não formos controlados pelos desejos impuros, de qualquer jeito continuaremos sendo distraídos por eles e incapazes de nos conectarmos com o Criador. Essa situação chama-se “Shabbat” (sábado). Mas se nossos pensamentos e anseios pelo Criador fossem desviados, seja por nós ou por meio da influência dos pensamentos de outros, e permitíssemos que esses pensamentos ou desejos estranhos entrassem (violação do Shabbat), então não os consideraríamos estranhos, mas os assumiríamos como próprios. Teríamos, sem dúvidas, certezas de que esses são os pensamentos corretos, em vez daqueles que antes nos guiaram diretamente em nosso caminho rumo ao Criador.

                Se um grande homem, expert em certa área, associa-se com outros do mesmo campo, mas de segunda categoria, e eles o convencem de que é melhor trabalhar sem entusiasmo que com toda sua alma, então esse grande especialista perderá seu talento gradualmente.

               Porém, se um especialista, proveniente de área de perícia diferente, se encontrar entre trabalhadores medíocres, então tal pessoa não será prejudicada, pois não haverá associação entre ela e os outros trabalhadores. Portanto, quem deseja verdadeiramente ter sucesso em um campo específico de destreza deve se esforçar por ser parte de um ambiente de especialistas que tratam seus trabalhos como uma arte.

                Além disso, a diferença mais evidente entre um especialista e um trabalhador comum é que o especialista obtém prazer com o trabalho e com seus resultados, e não com o salário percebido por esse trabalho. Como consequência, aqueles que desejarem verdadeiramente se elevar espiritualmente devem verificar com cuidado o entorno e os que o cercam.

                Se for um ambiente de pessoas que carecem de fé no Criador, então os que buscam a elevação espiritual serão como experts entre especialistas em um campo diferente. A meta do expert é crescer espiritualmente, ao passo que a dos outros especialistas é adquirir o maior prazer deste mundo.

                Portanto, as opiniões dos especialistas não representam grande perigo. Mesmo se por um instante a pessoa adotasse o outro ponto de vista, no momento seguinte ficaria evidente que este se originara nos não crentes. Nesse momento, ele seria descartado, e as metas originais seriam restabelecidas.

                Porém, a pessoa deve ter cuidado aqueles que acreditam, mas não prestam a atenção apropriada às razões corretas de cumprir os mandamentos.

                Essas pessoas antecipam a recompensa que as espera no mundo vindouro e cumprem os mandamentos somente com esse propósito. Elas devem ser evitadas a todo custo.

                O indivíduo deve ser especialmente cauteloso com aqueles que chamam a si mesmos de cabalistas, ou místicos, e deles deve afastar-se o máximo possível. Tais pessoas podem prejudicar as novas capacidades adquiridas pelo individuo nessa área.

                A Cabala apresenta a Criação como algo consistente em dois componentes: o Criador e o Seu desejo de ser gratificado com a proximidade a Ele. Esse desejo de satisfação, como fonte do infinito, o prazer absoluto, é conhecido como alma. É igual a todos os nossos desejos, mais existe sem forma física.

                A causa e a meta da Criação é o desejo do Criador de gratificar nossas almas. O desejo da alma é que ela seja recompensada pelo Criador. Os desejos do Criador e o da alma são atendidos quando um se aproxima do outro e ambos se unificam. Quando as qualidades e os desejos concordam, o resultado é unificação e proximidade.

                Do mesmo modo, em nosso mundo consideramos uma pessoa próxima a nós devido à sensação de proximidade que experimentamos, e não pela proximidade da pessoa em si. Assim como em nosso mundo, quanto maior for a distância inicial da separação, maiores serão os obstáculos postos no caminho do desejado e maior será o prazer obtido ao conquistar aquilo pelo que nos esforçamos.

                Por essa razão, o Criador coloca a alma na condição mais distante e contrária a Ele: oculta-se por completo como a fonte de todos os prazeres e planta a alma em um corpo com o desejo de obter prazer com tudo o que o cerca.

                Apesar da ocultação do Criador e dos obstáculos impostos elos desejos de nosso corpo, podemos desenvolver um desejo interior para nos aproximarmos e nos aferrarmos a Ele. Então, justamente devido a esses obstáculos causados pela oposição do corpo, sentiremos um desejo muito maior de receber prazer do Criador do que aquele que foi possível antes da entrada de nossas almas em nossos corpos.

                O método ou a instrução sobre como podemos nos aferrar ao Criador é conhecido como Cabala. A palavra cabala deriva do verbo “lekabbel”, que significa receber prazer do Criador. Com a ajuda de palavras e descrições de nosso mundo, a Cabala relata-nos as experiências do mundo espiritual.

                De acordo com a Cabala, tudo o que a Bíblia diz (o que inclui os Cinco Livros de Moisés, as Escrituras e os Profetas) é para nos ensinar a alcançar a meta da Criação.

                A Cabala vê os seguintes significados nas palavras: “no começo (no começo do trabalho sobre si mesmo, no início de uma maior aproximação do Criador), nossos antepassados (o estado inicial dos desejos de uma pessoa) eram adoradores de ídolos” (todos os desejos pessoais foram dirigidos à geração de prazer). “E, depois, o Criador escolheu um deles (de todos os desejos do indivíduo, escolheu um, que é unir-se ao Ele) e deu-lhe a ordem            de se separar de sua terra e de seu povo e se estabelecer em um lugar diferente” (a fim de perceber o Criador, devemos elevar um desejo acima de todos os outros – o desejo de perceber o Criador – e nos distanciarmos de outros desejos).

                Se podemos escolher apenas um dos desejos, vamos cultivá-lo e viver somente por ele – pelo desejo de união ao Criador. Então, isso será como se passássemos a uma vida diferente, à vida da espiritualidade. Se desejarmos avançar, ou se já estivermos no caminho direto para o Criador, então seremos chamados de “Israel”. A palavra Israel deriva de “yashar” (direto), e “El” (ao Criador).

                A Criação do mundo, incluindo sua concepção e manipulação, permite a ele existir e avançar de acordo com o plano predeterminado para o fim pelo qual foi criado.

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20 – O RETORNO AO CRIADOR

                A fim de implementar a supervisão divina e permitir, assim, a livre escolha nas ações do homem, dois sistemas de governo foram criados. Em oposição a cada força pura e positiva, há sempre uma força contrária – impura e negativa. Quatro mundos de “ABYA de Kedushah” (positivos) foram criados, opostos a quatro mundos negativos e impuros de “ABYA de tu’ah” (impureza).

                Em nosso mundo, a diferença entre os poderes puros e impuros não é aparente, assim como também não parece haver nenhuma diferença entre alguém que está ascendendo espiritualmente rumo ao Criador e que não está.

                Nós mesmos não somos capazes de saber a verdade sobre nós: se progredimos ou se permanecemos estáticos. E não podemos determinar se uma força positiva, ou negativa, age sobre nós. Portanto, a percepção e a confiança de que nossos caminhos são verdadeiros e corretos é extremamente enganosa e, com frequência, é possível não escolhermos de forma correta.

                Mas, se estamos no começo de nossa viagem espiritual, como podemos avançar de modo correto a fim de alcançar a meta da Criação e a de nossa existência? Sem uma compreensão definitiva do que constitui o bom e o mau para nosso destino final e para nosso bem-estar verdadeiro e eterno, em vez da satisfação ilusória e efêmera como podemos encontrar o caminho correto neste mundo?

                Toda a humanidade vaga perdida, como em um bosque, criando teorias equivocadas sobre a meta essencial da vida e sobre como atingila.

                 Mesmo aqueles, dentre nós, que se encontram no ponto inicial do caminho apropriado não tem nenhum alvo visível e são incapazes de determinar se seus pensamentos e desejos são corretos ou não.

                Será possível que o Criador nos tenha criado sem nos preparar com algum tipo de ajuda para superar nosso estado de desespero não solucionável? O bom senso diz que não é razoável criar algo com uma meta clara, e depois abandonar o processo nas mãos de criatura tão fracas e cegas como nós.

                É certo que o Criador não teria agido dessa maneira. Assim, provavelmente em todas as situações, Ele nos deu uma maneira de encontrar o caminho apropriado. De fato, o único modo é caminhar acima da razão. Em todos os nossos caminhos, experimentamos fracassos e aprendemos por onde não devemos ir. Não temos sucesso em uma ação, a menos que tropecemos primeiro. Ao sentirmos que chegamos a um estado de desespero, precisaremos do Criador.

                De fato, existe uma confirmação muito importante sobre a exatidão do caminho escolhido, e essa é a ajuda d’Ele! Aqueles que escolhem o caminho dos mundos “ABYA” impuros e egoísta não alcançam seu destino espiritual, perdem toda sua força no processo e, por fim, chegam à barreira do desespero máximo, posto que não ganham do Criador a divulgação do panorama completo da Criação.

                Por outro lado, os que seguem os caminhos do mundos “ABYA” puros são recompensados com a percepção e a compreensão de toda a Criação, outorgadas como uma benção do Criador. Esses tem a capacidade de alcançar o mais alto estado espiritual.

                Portanto, essa é a única prova, em nosso mundo (em nosso estado), de “Assiyah”, quanto ao caminho que devemos seguir, como devemos agir e quais pensamentos devemos escolher para nos ajudar a atingir nossas metas, independentes dos pensamentos e desejos que recebamos de ambos os mundos, o puro e o impuro.

                A diferença entre os que seguem o caminho correto e os que erram é que, aos primeiros, o Criador se revelará e d’Ele os aproximará, e não o fará aos últimos.

                 Assim, se percebermos que os segredos da Cabala não se tornam aparentes para nós, então deveremos concluir que esse caminho é incorreto, apesar de o entusiasmo, a firme convicção e a imaginação indicarem outra direção e mostrarem que já alcançamos certa altura espiritual. Esse é o final comum aos envolvidos em estudos não profissionais da Cabala e de filosofias “místicas”.

                Nosso caminho completo de ascensão espiritual ao longo das etapas dos mundos “ABYA” pode ser descrito como o emprego alternativo de forças que emanam de cada uma das etapas consecutivas em que nos encontramos em qualquer momento. Cada uma dessas forças é representada por uma letra específica do alfabeto hebraico. Isto é, cada letra simboliza uma força espiritual que governa uma certa fase nos mundos “ABYA”. Mas somente uma força pode nos salvar e libertar do domínio dos desejos egoístas: a bênção do Criador, representada pela letra ‘beit”.

                Não há força oposta correspondente nos mundos impuros de “ABYA”, posto que a bênção tem origem no único e incomparável Criador, e não pode haver nada igual a Ele em qualquer mundo impuro. Portanto, o mundo existe somente pela bênção do Criador, e somente ela pode iluminar a distinção entre o bem e o mal, ou mais especificamente, entre o que traz o bem a uma pessoa e o que funciona em seus prejuízo.

                Somente com a bênção do Criador a pessoa pode distinguir as forças puras das impuras e pode superar as últimas ao longo de todo o caminho da vida rumo ao final da Criação. Isso demonstra com clareza se a pessoa engana-se a si mesma ou se está verdadeiramente entrando nos mundos espirituais.

                Cada força no reino das forças impuras do mal existe somente porque recebe sustento de uma força correspondente, mas contrária e existe no reino das forças puras. A única exceção é a força derivada da bênção do Criador.

                Assim, este mundo não poderia ter sido criado por qualquer outra força, somente pela única nascida da bênção do Criador. Sem ser diminuída no início do processo, essa força emana do Criador e impregna o espectro inteiro dos mundos, alcançando todo o caminho para baixo até a mais inferior das etapas: o nosso mundo.

                Essa força é capaz de retificar as criações, dando-lhes a força para melhorarem e começarem a ascender espiritualmente. É com a ajuda dessa força que o universo foi criado. As forças egoístas impuras não podem diminuir o seu poder nem aproveitá-lo em seu próprio benefício, pois só têm efeitos onde as forças puras estão fracas.

                Portanto, essa ajuda-nos a distinguir entre os pensamentos puros e os impuros, e, tão logo nossos pensamentos se voltem para longe do Criador, o poder da força da bênção desaparecerá.

                Os sons das letras (“nekudot”) simbolizam o fluxo da luz, a percepção do Criador. Cada percepção d’Ele, qualquer sentimento espiritual, compreende dez “Sefirot”. Começando pela mais alta delas (“kéter), os sons correspondem à seguinte graduação: 1) “kamatz” 2) “patach”; 3) “segol”; 4) “tseireh”; 5) “shvah”; 6) “holam”; 7) “hirik”; 8) “kubutz”; 9) “shuruk”; e 10) sem som, isto é, o correspondente a “Malhut”, a etapa final de percepção que nunca chega a ser preenchida.

                Às vezes, no processo de avanço para a meta de nos aproximarmos mais do Criador, de repente nos sentimentos fracos, pois carecemos do conhecimento da Cabala e somos incapazes de realizar qualquer ato desinteressado. Em vez de estudá-la, nossos pensamentos somente se preocupam com nosso sucesso neste mundo.

                Então caímos no desespero e dizemos a nós mesmos que a capacidade de aproximar do Criador foi dada, de nascença, a pessoa especiais, com poderes, qualidade, pensamentos e desejos especiais, apropriados a essa meta, pessoas cujos corações anseiam pela Cabala e pelos automelhoramento.

                Mas, depois, surge outra sensação: o reconhecimento de que cada um tem um lugar preparado ao lado do Criador e que cada um, cedo ou tarde, será merecedor dos prazeres espirituais ao aferrar-se a Ele. Então saímos flutuando de nosso desespero e reconhecemos que o Criador é Todo-poderoso e planeja o caminho de cada um, sabe o que cada um de nós sente, nos conduz e espera que o busquemos com o nosso pedido para d’Ele nos aproximarmos mais.

                Em seguida, lembramos que mais de uma vez já nos dissemos isso, mas nada mudou. No fim das contas, permanecemos submersos em pensamentos sobre nossa depreciável debilidade e insignificância. Mais adiante, percebemos que essa sensação foi enviada a nós pelo Criador para que a pudéssemos superar.

                Então, começamos a nos empenhar em melhorar, utilizando toda a vontade que possuímos. De repente, recebemos algo da condição futura à qual aspiramos. Isso significa que a luz do estado futuro brilha ao longe, posto que não pode brilhar por dentro, enquanto nossos desejos ainda forem egoísta por natureza. A luz (prazer espiritual), não pode entrar e brilhar (nos satisfazer) com tais desejos.

                Como criações, somos uma essência concentrada de desejos egoístas e somos conhecidos como seres humanos.

              O Criador, por outro lado, está totalmente despojado de egoísmo. Por conseguinte, retornar ao Criador, aferrar-se a Ele e percebê-lo vem como consequência de nos tornarmos equivalentes, em forma, a Ele. Esse retorno ao Criador é chamado um retorno superior.

                 Essa é a razão pela qual o retorno a Ele, a fusão com Ele, o reconhecimento de Sua existência, não pode ser considerado de outra maneira, senão por meio da similaridade com Ele em certas qualidades. Esse retorno ao Criador é conhecido como “Teshuvah”.

                A pessoa pode determinar que atingiu tal retorno somente se o próprio Criador “atestar”. O que é esse testemunho? É quando a pessoa tem a capacidade de sentir. Sua Presença constantemente o que torna possível estar com Ele em todos os pensamentos. E, assim, a pessoa pode se desvincular dos desejos do corpo.

                Somente nós, como indivíduos, podemos sentir se, de fato, voltamos ao Criador. A força adquirida quando percebemos o Criador permite que nos voltemos por completo para Ele, e, gradualmente, transformemos todos os desejos egoístas em altruístas.

                Quanto mais desejos “maus” possuirmos no início de nosso caminho tanto mais auto-aprimoramento empreenderemos, e, como consequência, mais perto chegaremos do Criador. Essa é razão pela qual jamais devemos lamentar nossas más qualidades, mas, em vez disso, pedir sua correção. Devemos nos voltar para esse modo de pensar cada vez que vierem à mete pensamentos de falta de coragem.

                Todos esses pensamentos e sentimentos são despertados em nós devido ao fato de nos sentirmos distantes do Criador. Eler nos envia esses sentimentos, e não a outros, mas somente se estivermos preparados para os receber. Outros não consideram a si mesmos como maus, e não percebem seu egoísmo. Pelo contrário, tem certeza de que são justos.

                Esses pensamentos não são enviados pelo Criador para nos fazer sofrer ou cair em desespero, mas para nos estimular a pedir Sua ajuda, exigindo ser libertados de nós mesmos e de nossas debilidades.

                Cada vez que nos sentimos sem coragem e fracos – já tendo experimentado os mesmos sentimentos no passado –, lembraremos que não precisamos voltar a esses sentimentos de fracasso e derrota. Devemos lembrar que, a cada vez que passamos por esse processo, experimentamos novas correções, as quais se acumulam, e o próprio Criador as junta.

                Todos esses sentimento negativos sobre nós concernentes à nossa distância do Criador, ao descontentamento com nosso caminho espiritual, as nossas queixas sobre os inúmeros estados de estancamento – experimentamos tudo isso no grau requerido, para que mereçamos conhecer o Criador e obter o prazer que d’Ele emanam. É então que os portões das lágrimas são aberto, e é somente ao atravessá-los que podemos entrar nos vestíbulos do Criador.

                Mesmo se nos sentirmos sufocados pelas fortes reações e pela teimosia de nossos egos, não devemos dizer que o Criador não nos deu força suficiente para enfrentá-los, ou que nascemos carecendo de talento, paciência, equanimidade e acuidade mental. Também não devemos lamentar que o Criador não nos tenha dado as condições apropriadas para nos corrigirmos e para sermos capazes de conseguir o que alguém mais possa conseguir.

                Também nos é proibido afirmar que o sofrimento é resultado de nossos pecados anteriores, ou que é “o que nos cabe”, ou que atos em encarnações passadas nos conduziram a tal estado. Também não nos é permitido renunciar à esperança sem nada fazer, pois se utilizarmos corretamente a mínima força e os talentos que temos/teremos muito sucesso.

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20.1 – O CAMINHO DA CABALA

                O caminho desejável da ascensão espiritual é o da Cabala. O caminho do sofrimento nos aguarda somente se não houver outra maneira de sermos incitados a atingir a perfeição.

                Como foi dito antes, o caminho da Cabala é uma oportunidade nos dada pelo Divino para criar em nosso interior os desejos necessários para o crescimento espiritual, demonstrando, por meio de ascensões e descensões espirituais, que a luz espiritual é sua ausência é sofrimento.

                Dessa maneira, começamos a desejar a luz, a ascensão espiritual e a percepção do Criador. Sem que primeiro tenhamos recebido a luz espiritual superior e depois ela nos tenha sido tirada não podemos sentir o desejo por ela.

                Quanto maior for a luz inicialmente nos enviada pelo Criador, e depois “tirada”, maior será nosso desejo de recebe-la de novo. Esse caminho é o caminho da Cabala, ou o caminho da luz. Existe também o caminho do sofrimento, aquele em que a pessoa busca constantemente a maneira de fugir do sofrimento insuportável na vida, e não pelo desejo de restaurar prazeres perdidos. Ambos os caminhos conduzem a uma meta, mas um conduz ao prazer e à consequente perfeição; o outro empurra por trás, incitado a fugir da dor.

                Por meio do caminho da Cabala, o desejo de ser preenchido pela luz espiritual como a fonte vivificante de redenção é despertado.

               A fim de que o ser humano seja capaz de analisar os fatores externos e as sensações internas, são dados dois meios de percepção: o amargo e o doce, percebidos pelo coração, e o falso e o verdadeiro, percebidos pelo intelecto.

                A conquista espiritual não pode ser apreciada pelo coração, posto que é absolutamente contrária à sua verdadeira natureza. Essa é a razão pela qual é percebida sempre como amarga, enquanto que qualquer prazer pessoal é percebido como doce. Por esse motivo, o trabalho em si próprio, de voltar a tratar dos próprios desejos, é considerado o trabalho do coração.

                O trabalho da mente é completamente diferente em natureza, porque não podemos confiar em nossas próprias mentes e lógica para analisar os acontecimentos circundantes. Assim, somos forçados, apesar de nós mesmos, a confiar na mente natural egoísta.

                Somos incapazes de nos livrarmos disso, porque cada um de nós foi criado deste modo pelo Todo-poderoso. Essa é a causa pela qual há somente um caminho: dar totalmente as costas à típica inclinação de analisar seu entorno e, por outro lado, aceitar os conselhos dos sábios expostos nos livros da Cabala e explicados pelos mestre que atingiram o nível espiritual da consciência.

                Se formos capazes, com a ajuda do Criador, de realizar até a mínima tentativa de analisar por meio da fé, em vez de fazê-lo mediante a razão, e discernir, com nossos corações, a amargura do egoísmo, receberemos de imediato a compreensão espiritual do nível alcançado, que compreende a luz espiritual e a força (tela).

                O Criador revela, então, a etapa inferior seguinte do egoísmo, que havia previamente sido encoberta, porque, se captássemos de imediato a magnitude completa de nosso próprio egoísmo, não teríamos tido força para superá-lo. Em vez disso, com certeza nos teríamos sentido desalentados com a tarefa.

                Porém, devemos perceber que esse ego protuberante sempre existiu dentro de nós, desde o começo. Mas esteve oculto e, gradualmente, nos é revelado, enquanto o Criador nos dá a capacidade de corrigi-lo e a força para fazê-lo. Esse é o motivo pelo qual os que ascendem aos níveis espirituais, superando de maneira gradual a “própria” razão, sentem-se cada vez mais perplexos e tensos com relação ao direcionamento dado pelos sábios nos livros cabalísticos e por seus instrutores.

                Mas, na medida em que diminuímos a importância de nosso próprio entendimento, nos é concedida uma compreensão superior. Com o tempo, em vez de ficarmos mais desconcertados por nos termos distanciado da lógico egoísta deste mundo, tornamos-nos incomparavelmente mais sábios.

                Se ainda não tivermos alcançado uma compreensão superior nem alterado nossa forma de análise, começarmos a sentir a doçura em vez da amargura dos pensamentos não egoístas; e, se também não tivermos começado a ver a verdade da fé em comparação à falsidade do intelecto – limitado pela natureza de nosso mundo -, de qualquer modo poderemos progredir mediante o método de nossos Mestres, escutando-os e seguindo seu exemplo em tudo. Nisso reside o conselho dos sábios: se um único cabalista possuir a verdadeira compreensão espiritual da mente e do coração liderar a humanidade, cada um des nós pode alcançar a meta da Criação não pelo caminho do sofrimento, mas por meio do caminho fácil e indolor da Cabala!

                Por outro lado, as calamidade e os fracassos serão nosso destino, se os escolhidos para transitar primeiro por esse caminho – aqueles com quem o Criador acerta constas prioritariamente e de quem exige o máximo – escolherem como líderes quem não entender Seu propósito superior ou o projeto de Seu domínio.

                Somente durante guerras, catástrofes ou outras desgraças, quando parece que nossos problemas não podem ser resolvidos, vemos claramente a mão do Criador e a Sua ajuda, Mas isso ocorre apenas enquanto nos encontramos nos momentos críticos, posto que recusamos adquirir e utilizar a sabedoria cabalística para recolher a providência divina no mundo.

                Por que as pessoas nascem com diferentes capacidades de perceber as forças mais sutis a nossa volta e de captar de maneira lógica e prudente a natureza das coisas? E de quem é a culpa por uma pessoa não ser criada igual aos gênios, aqueles de pensamentos e emoções profundas? Por que é que, ao nascermos, recebemos do Criador desejos mentais e espirituais desiguais, assim como capacidades diferentes?

                Indivíduos nascidos com aspirações grandiosas, com grandes corações e com mentes agudas, são mencionados na Bíblia como “os inteligentes”, porque são capazes de receber a mais alta compreensão. Por outro lado, os nascidos com capacidades mentais e espirituais limitadas são catalogados como “gente tola”. Mas pelo fato de cada alma ter seu próprio propósito especial pelo qual “descendeu” a este mundo, ninguém deveria se envergonhar das inclinações específicas com que nasceu.

                Nem deveríamos nos envergonhar por nossos maus pensamentos, pois eles também nos foram enviados pelo Criador.

                Porém, devemos prestar especial atenção e estarmos conscientes da maneira como reagimos aos maus pensamento, se lutamos contra eles ou se os obedecemos cegamente, se nos corrigimos – cada um segundo as capacidades natas – e o que fazemos para corrigir a nós mesmos.

                É disso que cada um de nós deve se envergonhar e é por isso que cada um terá que responder a o Criador. Mas, ainda assim, como uma pessoa tola pode atingir as alturas espirituais? O Criador disse: “Criei os sábios e criei os tolos. E coloquei sábios em cada geração para ajudar os tolos, de modo que, tendo sujeitado seus corações àqueles que estão ascendendo, eles também possam alcançar a união completa comigo’.

               Por que as pessoas tolas são necessárias neste mundo? Afinal de contas, se compararmos a quantidade de sábios e a de tolos, veremos que, para os poucos homens sábios do mundo, há uma imensa multidão de tolos!

                A razão disso está no fato de que cada qualidade espiritual requer em separado seu próprio portador. As pessoas com capacidades espirituais limitadas são as portadoras do egoísmo. Os sábios, por outro lado, desejando ascender infinitamente em seu serviço ao Criador e tendo corrigido seu próprio egoísmo, precisam ajudar os tolos a trabalhar com seu egoísmo.

                Para continuar a ascender, os sábios devem absorver constantemente o egoísmo “alheio” e corrigi-lo. Assim, ambos – os tolos e os sábios – precisam uns dos outros.

                Mas, neste mundo, devido ao fato de as massas poderem dar aos sábios apenas seu próprio egoísmo insignificante, que consiste no desejo dos prazeres mesquinhos e transitórios deste mundo, para cada pessoa sábia há bilhões de tolos.

                Não obstante, se os tolos agirem de acordo com as diretrizes dos sábios, seguindo-os de maneira consciente em tudo o que fizerem, de todas as maneiras, cada um poderá alcançar a meta de sua existência: a unidade absoluta com o Criador.

                Embora o trabalho espiritual de elevar o altruísmo acima do egoísmo seja realizado dentro do coração, enquanto que a elevação da fé acima das asseverações do intelecto é realizada dentro da mente, ambos dependem de nossa rejeição da autogratificação da auto-afirmação.

                Isso porque, mesmo enquanto trabalha para os propósitos altruístas, a pessoa prefere ver e saber quem os proporciona e quem recebe os frutos do trabalho individual, e, nesse caso, ela não tem nada além da fé na existência do Criador e na crença de que Ele esta aceitando os frutos de seu trabalho.

                Aqui, encontramos a noção da unicidade do Criador de acordo com o princípio que diz que “não existe nada além do Criador”. Devemos reconhece-lo como o Único que envia tudo o que sentimos e percebemos em nossas mentes, levando-nos a uma linha específica de pensamentos, que por sua vez, nos conduz a certas decisões e resoluções.

                Somente depois de termos aceitado tudo o que foi dito anteriormente poderemos ter a perspectiva apropriada de tudo o que ocorre. Então, seremos capazes de corrigir nossos desejos e pensamentos de acordo com o desígnio do Criador.

                A Cabala concentra-se totalmente no Criador e em Suas ações. Por essa razão, ela é chamada pelos nomes do Criador. Assim como o nome de um indivíduos indica a quem estamos nos referindo, da mesma forma cada palavra da Cabala é um nome do Criador, pois expressa Sua ação e indica o que Ele nos está enviando em cada momento.

                A Cabala fala sobre nós como uma parte do Criador a qual ele distanciou de Si Mesmo e conferiu o egoísmo. Por essa razão, nossas almas são compostas de duas partes opostas.

                A primeira delas é a divina, que mostra, em alguns de nós, o próprio desejo de perceber o Criador e faz com que comecem a buscar algo espiritual, a fim de se sentirem internamente satisfeitos. Ao mesmo tempo, os prazeres perseguidos por outros à volta já não satisfazem os que buscam a satisfação espiritual.

                A segunda parte da alma, experimentada por todas as pessoas, é a natureza egoísta especialmente criada. É o desejo de tudo possuir, de tudo saber, de tudo fazer, de ver o resultado de todas as suas ações, isto é, de ver parte de si mesmo em todo seu entorno. Essa parte da alma é a única que foi criada, visto que a porção altruísta é uma parte do próprio Criador. Tendo tomado Seu desejo de Seu interior e havendo-o dotado de egoísmo. Ele distanciou essa parte de Si Mesmo e esta se tornou alma, uma criação separada d’Ele.

                A alma é considerada uma criação exatamente porque contém uma parte de algo novo – seu egoísmo –, uma qualidade que não existia antes, posto que nada desse tipo existe no Criador.

                É da noção de alma – que consiste em uma parte do Criador e uma parte do sentido egoísta recém-criado “para receber tudo no interior de si mesmo” – que a Cabala trata. É da alma, em vez do corpo, que se fala na Bíblia, porque o corpo, feito de carne e osso, é como a carne e os ossos dos animais, e seu final é a decomposição e o retorno aos elementos deste mundo.

                Sentimo-nos como corpos porque não percebemos almas. Mas, no momento em que começamos a perceber a alma, o sentido do corpo físico, de seus desejos e de suas dores diminui – é quando a alma se afirma mais e mais.

                Quando estamos mais adiantados no caminho espiritual, não sentimos todos os desejos do corpo de uma vez, porque somente prestamos atenção à alma, a parte do Criador dentro de nós.

                Assim, o corpo começa a representar os desejos espirituais em vez dos deesjos de carne e osso, os quais a pessoa já quase não sente mais.

                A Bíblia não fala de nossos corpos físicos – a massa de carne e ossos –, mas das duas aspirações da alma: o desejo da parte divina de perceber o Criador e de unir-se a Ele e o desejo da parte egoísta de autogratificação, auto-saciedade e percepção de si mesma em vez do Criador.

                Na Cabala, ambas as aspirações são conhecidas como o corpo. Ela se refere a ambos os corpos: o egoísta e o físico – o corpo de nosso mundo, posto que somente nosso mundo é caracterizado pelo ego; e o corpo espiritual, visto que os desejos altruístas são os desejos do Criador, característicos do mundo espiritual.

                Em todos os casos, a Bíblia descreve como nossas almas são afetadas em vários cenários e circunstâncias. Também trata de nossos desejos, em especial o modo como o Criador os altera e como cada um de nós pode modifica-los, ou, em vez disso, como podemos pedir-Lhe que os modifique, já que nós mesmos somos incapazes de modifica-los.

                Mas o principal desafio do principiante é manter-se com força de vontade e concentrar-se no fato de que, apesar da multiplicidade de pensamentos e desejos, todos eles emanam do Criador; todos, tão enormemente diferentes e às vezes tão baixos, são enviados por Ele.

                O Criador assim o faz para que, apesar de todos os obstáculos, o indivíduo continue persistentemente mantendo ligação com Ele, conservando a fé na crença de que todos esses pensamentos e desejos são por ele enviados. De modo que lutar contra eles deverá fortalecer nossa fé no fato de que tudo d’Ele emana.

                Ao fortalecer essa convicção dentro de nós, poderemos alcançar um nível tal que esse sentido sempre estará presente, apesar dos obstáculos cada vez maiores que por Ele serão enviados e que tem a intenção de fortalecer ainda mais esse sentido.

                Então, nossa fé constante na onipresença do Criador se combinará com a sensação de Sua presença dentro de nós e ele se vestirá de nós, determinando, assim, todos os nossos pensamentos e desejos. Nesse momento, nos tornaremos parte d’Ele.

                Devemos entender que a própria sensação de distanciamento do Criador é exatamente o meio pelo qual seremos capazes de percebê-Lo.

                Na Cabala, esses dois sentidos são conhecidos como “kli” (vaso) e “orh” (luz).

              O primeiro é o desejo de experimentar o Criador. Este desejo nasce gradualmente em nós, enquanto experimentamos obstáculos, os pensamentos e desejos. Estes deliberadamente nos distraem dos pensamentos n’ele e em Sua unicidade, e, ao mesmo tempo, nos fazem aumentar o poder de nossa fé ao exercermos nossa força de vontade, conservando, assim, nossos pensamento n’Ele.

                O segundo, a luz em si mesma, é uma resposta a nosso desejo de receber a percepção do Criador. Quando Ele veste a Si Mesmo do desejo de uma pessoa, a luz penetra o vaso, e a ordem do crescimento espiritual é tal que desperta o desejo pelo espiritual, pela percepção do Criador, pela necessidade de descobrir a si mesmo, pela imensa sensação de vida, pela inspiração derivada da proximidade dos sentimentos espirituais, pela sensação de totalidade. Tudo somente sobe o efeito da luz.

                Mas, então o indivíduo é invariavelmente visitado por pensamentos estranhos. Mediante sua influência, começa uma descensão do nível que já havia alcançado de volta ao nível dos desejos e pensamentos comuns. E depois de um tempo, a pessoa começa a lamentar essas preocupações e pensamentos mesquinhos e temporais.

                Isso, por sua vez, traz amargura e cólera contra si mesmo, e às vezes até mesmo contra o Criador, que envia tais pensamentos e desejos que fazem com que a pessoa se afaste do espiritual. É em resposta a esse sentimento amargo de pesar por seu próprio estado espiritual que a pessoa recebe a luz divina, a sensação de se aproximar mais d’Ele.

                E, então, surge a vontade, boa, de renunciar a tudo por essa percepção do Criador, pelos sentimentos de segurança, pela confiança em si mesma que a pessoa adquire ao se aproximar mais da eternidade e perfeição transmitidas por Ele. Nesse momento, toda a vergonha por seus pensamentos anteriores vai embora, junto com os medos de qualquer coisa neste mundo.

                Quando a pessoa percebe a alma como parte do Criador e, portanto, como sendo imortal, está de acordo com Ele em tudo, justifica tudo o que ele faz com suas criações e está disposta a negar seu próprio intelecto e segui-Lo, ela é preenchida com a Sua luz e torna-se um desejo servidor das percepções espirituais.

                Porém, mais uma vez, depois de passado um tempo, a pessoa é visitada por um pensamento estranho. E, assim, gradualmente, depois de muitos ciclos de pensamentos perturbadores e de ascensões espirituais, aparece um sentimento tão firme de necessidade espiritual que ela, por fim, recebe a onipresente luz do Criador.

                O rabino Baruch, certa vez, perguntou a seu avô, Baal Shem Tov: “É sabido que, em épocas antigas, aqueles que desejavam experimentar o Criador submetiam-se constantemente a todo tipo de restrições. Porém, você anulou isso com o pensamento de que, ao se submeter voluntariamente a privações, se transgride as leis espirituais e se deve responsabilizar por isso. Então, o que é mais importante no trabalho do indivíduo consigo mesmo?”

                Baal Shem Tov respondeu? “Vim a este mundo para mostrar o outro caminho. Uma pessoa deve esforçar-se para dominar três coisas: o amor pelo Criador, o amor pelas pessoas e o amor pelo espiritual. Então, não há necessidade de privações voluntárias”.

                A capacidade de agradecer ao Criador já é uma bondade conferida por Ele.

                A benevolência do Criador esta no fato de que podemos amá-lo. Sua força reside no fato de que podemos teme-lo.

                Por que, então, um indivíduo que se esforça por se aproximar do Criador, e considera que está se aproximando d’Ele, de repente se sente distante?

                Baal Shem Tov responde a isso da seguinte maneira: “É como ensinar uma criança a andar; enquanto ela esta sendo apoiada, dá vários passos em direção ao pai, mas este, desejando ensiná-la a andar independentemente, afasta-se, até que ela o siga e aprenda a andar sozinha”.

                Em outro de seus pensamentos, destaca: “O trabalho de um indivíduo sobre si mesmo consiste em uma luta constante contra o egoísmo – uma luta até o último suspiro –, que deve resultar sempre na substituição do egoísmo pelo Criador.

                A esse respeito também oferece outra explicação: “O Criador, como um grande governador, senta-se no centro de Seu palácio. Ele erigiu muitas paredes e obstáculos a Sua volta. Ele espalhou dentro das paredes de Seu palácio uma grande fortuna e aos que superam os obstáculos distribui honras e títulos. Quando a pessoa as recebe do Criador, alegra-se. Mas somente quem rejeita tudo, desejando estar com Ele, em si, ganha o direito de subir à Sua presença”.

                Na natureza, há um estado transitório entre a semente e o broto no qual a decomposição completa da semente, seu desaparecimento absoluto, é necessário. Do mesmo modo, enquanto não atingirmos o estado de negação completa do “eu”, não poderemos receber a nova natureza espiritual.

                O Criador gerou o eu humano do n ada, e, por isso, devemos voltar do estado do eu ao estado do nada para nos unirmos a Ele. Essa é a razão pela qual se diz que o salvador (Messias) nasceu no dia da destruição do Templo.

                Portanto, cada vez que chegamos ao estado de completo desespero percebemos que tudo é “pó e vaidade”. É exatamente desse estado que surge um novo degrau em nossa ascensão espiritual, porque nesse ponto podemos renunciar a tudo

                Maggid de Mezrich, um grande cabalista do século passado, proclamou: “Há dez regras no trabalho espiritual. Como uma criança, pode-se aprender três delas; com um ladrão, pode-se aprender sete”.

                A criança:

                1 – É feliz sem nenhuma razão;

                2 – Não descansa nem por um minuto;

                3 – Exige o que deseja com todo seu poder.

                O ladrão:

                1 – Trabalha à noite;

                2 – Procura ganhar numa noite o que não ganhou a noite anterior;

                3 – É leal a seus camaradas;

                4 – Arrisca sua vida para obter até mesmo as coisas mais insignificantes;

                5 – Não valoriza o que foi roubado e o vende por centavos;

                6 – Recebe golpes, mas não se afasta de seu caminho;

                7 – Vê as vantagens de sua ocupação e não deseja modifica-la

                Ele também acrescentou: Há uma chave para cada fechadura, mas se a fechadura não ceder, um ladrão corajoso a quebrará. O Criador ama quem rompe seu próprio coração para entra na casa d’Ele.

                Quando aprendemos sobre os níveis espirituais, sob o nosso próprio ponto de vista passamos a ser insignificantes, e, então, podemos nos inclinar em direção ao Criador, percebendo que não temos necessidade de nada – nem de nossa própria redenção espiritual, nem de qualquer ascensão espiritual, nem da eternidade, mas apenas d’Ele.

                Durante um descensão espiritual pode parecer que o Criador está se ocultando, e nos é difícil sustentar a fé em Sua existência e em Sua providência. Mas, se realmente sentirmos que o Criador se encobriu, então na verdade não estaremos experimentando a ocultação do Criador, mas sim uma condição na qual ele espera que façamos um esforço para avançar rumo a Ele.

                O Criador é considerado O Lugar (“Hamakom”), exatamente porque a pessoa deve chegar a Ele com todo seu ser, de modo que ele a cerque e seja onde ela mora. (Como já foi notado, moramos em um oceano de luz do Criador, e devemos nos conscientizar desse fato.)

                Durante o tempo de oração, devemos controlar constantemente o lugar para onde dirigimos nossa atenção e nossos esforços: para a leitura do texto e para o seguimento de uma ordem estrita dos fragmentos deste em um livro específico de orações; para a profunda investigação do significado dos nomes e das combinações das letras; para a clara pronunciação das palavras; para o seguimento estrito das intenções mentais (“kavanot”) em um livro de orações específico; e para o mais importante: o coração da pessoa no apego pelo Criador.

                O mais importante é nossa intenção: uma oração para perceber o Criador! Aqueles que rezam reconhecem a existência do Criador, mas os que rezam pela capacidade de perceber o Criador experimentam-na!

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21 – CORRIGINDO O EGOISMO

                Todo o corpo espiritual da lei tem a intenção de nos ajudar a superar nosso egoísmo. Portanto, a lei espiritual “ama a teu próximo como a ti mesmo” é um resultado natural do apego ao Criador. Por não haver nada além d’Ele, quando a pessoa entende isso todas as criações, incluindo nosso mundo, fundem-se em nossa percepção do único Criador.

                Assim, torna-se claro como nossos antepassados foram capazes de observar todas as leis espirituais muito antes que elas fossem transmitidas. Uma consequência da elevação espiritual encontra-se no fato de começarmos a amar nossos piores inimigos e os de todas as nações. Portanto, pode-se considerar que o maior trabalho é a oração por nossos inimigos.

                Quando o Rabino Levi Yitzhak de Berdihev foi atacado por seu extenso trabalho no ensino da maneira correta de servir o Criador, os rumores chegaram ao rabino Elimelech de Lizhensk, que exclamou: “Qual é a surpresa? Isto acontece constantemente! Se não acontecesse, nenhuma nação jamais poderia nos escravizar”.

                Ha duas etapas de batalha contra os desejos egoístas. Na primeira, nós os procuramos. Depois, na segunda, tentamos deles fugir somente para perceber que continuam nos perseguindo.

                Aqueles de nos que negam a unicidade do Criador ainda não sentem que Ele e tudo o que acontece no mundo, incluindo tudo o que acontece com cada indivíduo, são um e o mesmo.

                O Rabino Yihiel Mihal (HaMaggid mi Zlothiv), um cabalista do século passado, viveu em grande pobreza. Seus alunos lhe perguntaram: “Como o senhor consegue recitar a benção ao Criador por ter-lhe dado tudo de necessário quando tem tao pouco?”. Ele respondeu: “Posso dar a benção ao Criador, que me deu tudo, porque aparentemente e de pobreza que preciso para mais me aproximar d’Ele, por isso Ele ma da”

                Não há nada que negue mais o governo do Criador do que a depressão. Curiosamente, cada pessoa chega a esse estado por diversas razoes: sofrimento, um sentimento de impotência pessoal, ausência do que se deseja etc. É impossível sentir alegria pelos golpes que recebemos, a menos que reconheçamos a necessidade e o imenso valor deles; então, cada golpe poderá ser tornado como remédio.

                A única preocupação de uma pessoa deveria ser por que se preocupa. “A pessoa não deveria considerar o sofrimento mau”, explicou o Rabino Moshe de Kovrin, “posto que não há nada mau no mundo, so um pouco amargo, pois o remédio é sempre amargo”.

                O esforço mais intenso deve ser feito para “curar” os sentimentos de depressão, porque a consequência da fé é a alegria; somente ao aumentar sua fé, a pessoa pode salvar-se do abatimento. Por essa razão, quando se diz, na Mishnah, que “a pessoa deve estar agradecida pelo mal”, o Talmud acrescenta de imediato “E deve recebe-lo com alegria, porque não existe o mal no mundo!

                Por percebermos apenas o que de fato penetra nossos sentidos e não o que permanece fora de nós, podemos captar o Criador somente na medida em que Ele atua sobre nós. Portanto, precisamos de nossos sentidos para negar a unicidade de sua fonte; eles existem especificamente para que, ao fim e ao cabo, a pessoa sinta e revele a unicidade do Criador.

                Diz-se que, depois de atravessar o mar Vermelho, as pessoas acreditaram no Criador e começaram a cantar. Somente a fé nos permite cantar com entusiasmo. Se um indivíduo sente que, por meio do automelhoramento, será capaz de se corrigir, deve examinar sua atitude em relação à crença na onipotência e na unicidade do Criador, porque apenas por meio d’Ele, por meio da oração pela mudança, é possível modificar algo em si mesmo.

                Diz-se que o mundo foi criado para o deleite dos seres criados. “Olam” (o mundo) deriva da palavra ‘he’elem” ou “há’alamá” – que significa ocultação. É ao experimentar tanto as tendência contrárias da ocultação quanto a revelação que uma pessoa sente o prazer. E esse é o significado da expressão “criei uma ajuda contra você” (“ezdr ke-negdoh”)

                O egoísmo foi criado como um auxílio para a humanidade

              Gradualmente, enquanto se luta contra ele, cada pessoa adquire todos os sentidos necessários para experimentar o espiritual. Por essa razão, cada uma deve enfrentar todos os obstáculos e sofrimentos com a consciência completa do Seu propósito, isto é, deve induzir-se a si mesma a pedir a ajuda do Criador, a fim de receber a redenção como fruto do sofrimento. Então, o egoísmo e outros aspectos desagradáveis transformam-se em “ajuda contra você”, o que na realidade é contra o próprio egoísmo.

                É também possível oferecer uma interpretação alternativa. Imagine o egoísmo parada “diante de nós”, em vez d’Ele, tampando-nos e cobrindo-nos a visão do Criador, como que dizendo: “Eu estou parado entre Ele e você”.

                Desse modo, o eu, ou o si mesmo, da pessoa fica entre ela e o Criador. Por isso, existe a regra de primeiro “recordar o que nos foi feito” por “Amalek”, e depois “apagar toda recordação” d’Ele.

                Não devemos buscar dentro de nós mesmos os pensamentos que servem como obstáculos, devemos, por outro lado, nos apegar ao primeiro que surge em nossos corações e mentes a partir do momento do despertar e liga-lo ao Criador. É assim que os “obstáculos” nos ajudam a devolver nossos pensamentos ao Criador. Disso, vemos que o pior é quando nos esquecemos d’Ele.

                Na mesma medida em que o egoísmo nos empurra para o pecado também nos empurra para sermos excepcionalmente justos. Em ambos os casos isso nos afasta da verdade. Na mesma medida em que podemos fingir ser justos mediante os outros, as vezes até, sem perceber que estamos nos enganando, começamos a acreditar que somos realmente justos.

                o rabino Jacobo Yitzhak de Lublin (haHozeh mi Lublin) disse: “Tenho mais amor pelos pecadores que sabem que são pecadores do que pelos justos que sabem que são justos. Mas os pecadores que pensam que são justos jamais encontrarão o caminho correto, porque, mesmo no umbral do inferno, pensam que foram levados para lei para salvar os outros”. o verdadeiro cabalista quer que os alunos temam e respeitem o Criador mais do que temem e respeitam seu Mestre. Da mesma maneira, eles também são estimulados a depender e a confiar no Criador mais do que em seu Mestre.

                Quando o rabino Nahum de Ruzhin, um cabalista do século passado, encontrou seus alunos jogando damas, contou-lhes sobre a similaridade entre as regras do jogo que tinham nas mãos e as regras da espiritualidade: em primeiro lugar, vocês não podem fazer dois movimentos simultaneamente; em segundo, podem avançar, mas não retroceder; em terceiro, quem chega no final pode se movimentar como quiser, de acordo com seus desejos.

                Se pensamos que alguém está falando sobre nós, interessamo-nos no que está dizendo. Aquilo que é desejado, mas está encoberto, é conhecido como um segredo. Se lermos a Bíblia e  sentirmos que fala sobre nós, então se considera que começamos a estudar a sabedoria oculta da Cabala, em que leremos sobre nós mesmos, embora ainda não estejamos conscientes disso.

                A medida que progredirmos em nosso caminho espiritual, perceberemos que a Bíblia fala sobre nós, e então de encoberta ela se transformará em revelada. Aqueles que leem a Bíblia sem fazer nenhuma pergunta sobre si mesmos não podem discernir as partes ocultas das partes nela reveladas; para esses indivíduos, ela parece simplesmente um relato histórico ou uma coleção de estatutos legais.

                Para os que estudam a Cabala, diz-se que a Bíblia fala somente do presente. Do ponto de vista do egoísmo, não há nada mais estranho, antinatural, irreal e absurdo do que “vender” a si mesmo a escravidão do Criador, apagar dentro de si todos os pensamentos e desejos e escravizar-se a Sua vontade, seja qual for, sem saber de antemão qual é.

                Todas as exigências espirituais parecem igualmente injustificadas para quem está distanciado do Criador.

                E, em contrapartida, tão logo a pessoa experimenta a ascensão espiritual, concorda em permanecer sem a resistência ou crítica da razão. Então, já não se envergonha mais de seus pensamentos e aspirações dirigidos à entrega de si mesmo ao Criador.

                Esses problemas contraditórios nos são dados exatamente para nos ajudar a perceber que nossa redenção do egoísmo esta acima da natureza e é concedida somente pela vontade do Criador. Até então, existimos em um estado de insatisfação, porque comparamos nosso estado atual com o passado ou o comparamos com nossas esperanças do futuro e, portanto, sofremos com a ausência da experiência desejada

                Se soubéssemos dos grandes prazeres que poderíamos receber do Divino e que não o recebemos atualmente, sofreríamos incomensuravelmente mais. Porém, pode-se dizer que, com relação aos prazeres espirituais, eles se ocultam de nosso conhecimento e permanecemos em um estado de inconsciência, sem perceber sua ausência.

                Assim, é vital que sintamos a presença do Criador. Se, posteriormente, perdemos tal percepção, fica claro que de novo ansiaremos por ela. Como está escrito no Salmo 42: “Como um cervo anseia correntes de água, minh’alma clama por Ti, Deus”.

                O desejo de perceber o Criador chama-se aspiração de “elevar-se” à presença do Criador da Terra, isto é, elevar-se do estado mais baixo de nossa compreensão, em que tudo nos parece mais precioso que a capacidade de sentir o Criador.

                Aqueles que cumprem os mandamentos devido à sua educação – que é em si uma manifestação do desejo d’Ele – assim o fazem da mesma maneira que os que almejam captar o Criador. A diferença está na percepção do indivíduo em questão. Isso é de importância primária, posto que o Seu desejo é beneficiar Suas criações, dando-lhes a sensação de Sua proximidade.

                Assim, a fim de renunciar à observância habitual dos mandamentos e de agir livremente, devemos entender com clareza o que recebemos como resultado de nossa formação e da sociedade e a que aspiramos no momento, como indivíduos independentes.

                Por exemplo, considere alguém que tenha recebido uma educação de acordo com o sistema do “Mussar” ´que ensina que nosso mundo não é nada. Nesse caso, o mundo espiritual é percebido como um pouco mais que nada.

                Por outro lado, a Cabala ensina que este mundo, tal como é percebido, está cheio de prazeres. Porém, ensina que o mundo espiritual, o mundo de sentir o Criador, é incomparavelmente mais maravilhoso.

                Portanto, o espiritual emerge não como simplesmente um pouco mais que nada, mas como o maior de todos os prazeres de nosso mundo. É impossível forçar a si mesmo a beneficiar o Criador da mesma maneira que o Criador nos beneficia, porque tais inclinações não são encontradas nos seres humanos.

                Não obstante, devemos ter bem claro “a quem” devemos almejar. Quando buscamos a verdade por tras de nosso desejo de nos aproximarmos d’Ele, devemos ter em conta que, ao desejarmos sinceramente o Criador, todos os demais pensamentos e desejos desaparecem, tal como a luz de uma vela é oprimida pela luz de uma tocha.

                Enquanto não percebemos o Criador, sentimo-nos como se estivéssemos sozinhos no mundo. Mas, pelo fato de apenas Ele ser Um e Único e posto que somente Ele é capaz de dar -e de fato, dá a todos no mundo -, e por sermos absolutamente contraries a essa característica de dar, de imediato, ao recebermos a percepção do Criador – apesar de esta ser de forma temporária -, adquirimos Suas características, conforme explicamos antes na analogia da vela e da tocha.

                Se vivermos de acordo com as leis do mundo espiritual, somos capazes de conseguir tudo 0 que precisamos, enquanto permanecemos neste mundo.

                Quando acreditamos que tudo – até o mal que experimentamos foi enviado pelo Criador, permanecemos constantemente apegados a Ele.

                Existe 0 Criador e existe a criatura, 0 ser humano, que não e capaz de perceber o Criador, mas que somente “ere” em Sua existência e unicidade e no fato de que somente Ele existe e mantém o domínio sobre tudo. (A palavra ere aparece entre aspas, porque, no sentido cabalístico, a fe refere-se a percepção do Criador.)

                A única coisa que a pessoa deseja é receber prazer. Tal foi o desígnio do Criador. Tal foi também o objetivo da Criação, a vontade d’Ele. Porém, a pessoa deve experimentar prazer da mesma maneira que Ele. Tudo o que já aconteceu, acontece ou acontecera a cada um de nós, tudo, tanto bom quanto mau, está predestinado e foi nos enviado pelo Criador.

                Ao final da correção ficara perfeitamente claro que tudo o que ocorreu era necessário para nosso benefício. Mas enquanto cada um de n6s permanece no caminho da retificação, este parece se estender ao longo de muitos milhares de anos, parece ser extremamente longo, amargo, sangrento e excepcionalmente doloroso. Não importa quão preparados possamos estar para o golpe seguinte, no momento em que percebemos que uma prova se aproxima, esquecemo-nos que provem de Seu poder singular e do mundo de onde tudo deriva.

                Esquecemos que somos simples instrumentos nas mãos do Criador, e começamos a imaginar que somas unidades que agem de forma independente. Por conseguinte, acreditamos que as circunstancias desagradáveis são causadas por outros seres humanos, em vez de reconhece-las como instrumentos da vontade d’Ele.

                Assim, o conceito mais importante que precisamos entender deve ir além da mera aceitação de que tudo provém do Criador. Isso também deve centrar-se na idéia de que nos é proibido sucumbir aos sentimentos e pensamentos prejudiciais durante nossos momentos mais difíceis.

                Também não deveríamos começar de repente a pensar “independentemente” e cair na crença de que os acontecimentos de nossas vidas, nesse momento, são de alguma maneira causados por outros seres humanos, em vez de originados pelo Criador; nem sequer deveríamos considerar que o resultado de qualquer fenômeno é determinado por outra pessoa ou circunstâncias, senão pelo Criador.

                É possível aprender isso somente por nossas próprias experiências, mas, enquanto estamos aprendendo, tendemos a esquecer por que as coisas acontecem em nossas vidas. Tudo acontece com o fim de desenvolver e incitar nosso crescimento espiritual. Se nos esquecermos disso, poderemos cair na falsa crença de que há falta de supervisão divina e uma ocultação absoluta do Criador.

                Esse processo ocorre da seguinte maneira: o Criador nos dá o conhecimento de que somente Ele governa o mundo, então Ele nos coloca em meio a acontecimentos desafortunados e atemorizantes que trazem várias consequências desagradáveis. As sensações não prazerosas nos agarram tão fortemente que nos esquecemos de quem as enviou e com que propósito esses severos golpes nos foram mandados.

                De vez em quando, durante o curso desse “experimento”, recebemos o entendimento do porquê disso estar acontecendo, mas, quando as ocorrências horrorosas aumentam, nossa compreensão desparece. Mesmo quando nos “lembramos” de repente de quem nos envia tais sofrimentos e por que eles são enviados, somos incapazes de abribuí-los ao Criador e suplicar-Lhe que nos ajude.

                Em vez disso, ao mesmo tempo em que reconhecemos que tudo se origina d’ele, ainda procuramos nos ajudar a nós mesmos. Podemos visualizar esse processo da seguinte maneira:

  1. Em nosso caminho rumo ao Criador, há um pensamento ou força impura, perturbadora, que nos obriga a abrir a passagem a fim de nos aferrarmos a Ele.
  2. Quando estamos perto d’Ele, somos como uma criança sustentada pela mãe, mas os pensamentos (forças) estranhos tentam nos arrancar do Criador, para nos impedir de percebê-Lo e de sentir Seu governo;
  3. Aqui, é como se o Criador nos conferisse algo importante para nos proteger de nosso inimigo. Então, o inimigo ataca e lutamos corajosamente contra ele.
  4. Quando a luta acaba, fica claro que estávamos simplesmente lutando contra obstáculos enviados pelo Criador a fim de que conseguíssemos alcançar entendimento e elevação.

                No final, adquirimos conhecimento de nós mesmos e da administração divina do Criador, assim como cultivamos o amor por Ele, entendendo, por fim, por que Ele nos enviou todos os obstáculos.

                Nossa formação não deve ser tal que nos force ou nos suprima, mas deve nos ajudar a desenvolver as habilidades necessárias para formar uma perspectiva crítica de nossos próprios estados e desejos internos. A formação apropriada deve incluir instruções de como desenvolver as habilidades de pensar e analisar, enquanto a educação tradicional, ao contrário, normalmente tenta nos inculcar ações e reações automáticas das quais podemos fazer uso no futuro.

          Na realidade, a meta global da educação deve visar estabelecer uma pratica habitual para analisar e avaliar constante e independentemente nossas ações individuais. Estas são as ações escolhidas livremente, e não aquelas as quais fomos obrigados por uma forca exterior, nem as influenciadas por nossa formação.

                Como podemos alcançar a verdade, quando o ego percebe a confiança como amargura ou dor? Quem está preparado para sofrer tal prova voluntariamente?

                Recebemos vitalidade e energia da paixão, da honra e da inveja.

                Por exemplo, se estamos vestidos com roupas andrajosas, envergonhamo-nos, porque outros estão mais bem-vestidos. Mas, se os outros também estão mal-vestidos, então ficamos apenas com a metade da sensação desagradável. Por essa razão diz-se que “uma aflição compartilhada e a metade do console”

                Se recebêssemos prazer somente de uma das três fontes, jamais poderíamos avançar em nosso desenvolvimento espiritual. Por exemplo, se só possuíssemos o impulso pelo prazer, mas não pela honra, caminharíamos nus em um clima quente porque não sentiríamos nenhuma vergonha. O anseio pela honra e por uma posição elevada na sociedade pode diminuir, se as pessoas moderarem suas necessidades, como o fazem em tempos de guerras ou de experiências catastróficas.

                Mas, no desejo de receber prazer ou de diminuir nosso sofrimento, temos uma pequena dependência das opiniões dos outros, assim como nossa dor de dentes não diminui porque mais alguém também experimenta uma dor igual. Assim, o trabalho “em favor do Criador” deve se basear no prazer, não na honra; do contrário, a pessoa pode alegrar-se e deter-se na metade do caminho.

                Diz-se que “a inveja dos eruditos aumenta a sabedoria” Mesmo se a pessoa não tiver nenhum desejo de honra, ela se perguntara por que outra pessoa é honrada em vez dela. Por essa razão, as pessoas dedicam grandes esforços à ciência, para garantir que outros não recebam maiores honras que elas.

                Tais esforços realmente ampliam os conhecimentos, e um modelo similar pode ser observado entre os novos estudantes. Um vê que outros se levantam para estudar antes do sol nascer, então se esforça também para se levantar cedo, mesmo se nos mais profundo de seu ser há um forte desejo de não o fazer.

                Mas, se nos conscientizarmos de que cada pensamento na verdade não é próprio, e que vem do exterior, fica mais fácil resistir a eles. A sociedade afeta as pessoas de tal modo que elas aceitam como se fossem próprios todos os pensamentos e desejos jogados por outros sobre ela. Portanto, é crucial que escolhamos um ambiente apropriado para nós, caracterizado por metas e aspirações apropriadas a ele.

                Porém, se desejarmos ser influenciados pelos pensamentos de um círculo particular de pessoas, o método mais seguro para atingir essa meta é situarmo-nos entre eles; e mais, servi-los, posto que o processo de receber ocorre do mais alto para o mais baixo. Assim, em um grupo de estudos, é crucial que se perceba o outro como mais conhecedor que a si próprio.

                Isso é conhecido como “adquirir dos autores”, porque isso se consegue por meio da comunicação com outros. E mais: quando estamos entre outros, no trabalho e em casa, é desejável que, mentalmente, permaneçamos no nível de nossos companheiros. Isso garantirá que nenhum pensamento estranho nos penetre de forma involuntária, fazendo, assim, com que raciocinemos da mesma maneira que nossos vizinhos, cônjuges ou colegas.

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21.1 – O ANSEIO POR QUALIDADES ESPIRITUAIS

                É totalmente impossível para um principiante distinguir um cabalista verdadeiro de um falso, porque cada um advoga pelas mesmas verdades sobre a necessidade de melhorar a si mesmo e de renunciar ao egoísmo.

                Mas essas palavras, como a luz do Criador que dá brilho a tudo, podem ser comparadas com uma luz sem um vaso. Isto é, a pessoa pode exteriorizar a palavra mais profunda, porém, a menos que possua os “kelim” – os vasos para conter o sentido da luz –, pode não compreender o significado interno delas. É muito mais difícil receber idéias e noções dos livros de um escritor cabalista – o processo conhecido como “mi sfarim” (tradução literal, dos livros) – do que adquirir conhecimento diretamente de um Mestre. Isso por que, se a pessoa deseja absorver os pensamentos do autor, deve acreditar que é um grande cabalista.

                Quanto maior for o respeito que a pessoa tiver pelo autor, mais será capaz de absorver sabedoria desses livros. Dos milhares de pessoas que perceberam o Criador, somente aos rabinos Shimon Bar Yohai (Rashbi), Ashkenazi Yietzhak (Ari) e Yehudah Ashlag (Baal Hasulam) foi concedida a permissão de escrever sobre a Cabala em uma linguagem compreensível para os que não haviam adquirido ainda as percepções dos níveis espirituais.

                Outros trabalhos cabalísticos utilizam imagens compreensíveis somente para quem já ingressou nos reinos espirituais e, portanto, não podem ser utilizados pelos principiantes.

               Ao confiar na escolha de seus companheiros e dos livros como fonte do conhecimento, o indivíduo pode gradualmente obter a capacidade de pensar de maneira independente. Antes dessa etapa, o indivíduo permanece no estado comum a todos os seres humanos neste mundo, isto é, no estado de desejar ser independente, mas incapaz de ser.

                Diz-se que a inveja, o prazer e o anseio pela honra levam a pessoa para fora deste mundo. Isto simplesmente significa que esses três desejos humanos induzem a pessoa a agir. Embora não sejam considerados bons desejos, eles motivam a pessoa a mudar, crescer e desejar considerados bons desejos, eles motivam a pessoa a mudar, crescer e desejar conquistar mais e mais, até adquirirem a compreensão de que o benefício verdadeiro é a conquista de tipo espiritual e decidirem deixar este mundo pelo espiritual.

                Assim, diz-se que esses três desejos “tiram” a pessoa deste mundo e a levam para o mundo espiritual vindouro. Como resultado do acúmulo de conhecimentos e inteligência, o indivíduo começa a discernir o que é mais valioso neste mundo e a entender que deveria tentar alcançar essa meta mais valiosa. Desta maneira, afasta-se dos desejos para si mesmos e alcança os desejos em favor do Criador.

                Toda a Criação pode ser vista como o anseio de receber prazer, ou o sofrimento causado pela ausência do prazer que emana do Criador. Há duas condições necessárias para sentir prazer:

  1. O prazer deve aparecer e desaparecer, deixando uma impressão, uma lembrança (“reshimoh de roshem”, uma marca).
  2. A pessoa deve alcançar o conhecimento e a força necessários para penetrar o envoltório externo e, assim, tornar-se merecedor de compartilhar do fruto.

                Há vários tipos de forças impuras, perturbadoras, conhecidas como “klipot” (carapaças, cascas). Seu nome reflete seu propósito. Essas forças: 1) protegem as forças espirituais puras (o fruto dentro da casca) dos elementos que prejudicam o reino espiritual – os não iluminados –, que poderiam prejudicar a si mesmo e a outros, depois de ter alcançado o mundo espiritual; e 2) criam obstáculos para os que verdadeiramente desejam possuir o fruto.

                Por conseguinte, ao lutar contra elas, a pessoa obtém o conhecimento e a força necessários para penetrar o envoltório externo e, assim, tornar-se digna de compartilhar do fruto. Sob nenhuma circunstância a pessoa deve sentir que qualquer pensamento contra o Criador, contra o caminho e contra a fé emana de uma fonte que não seja o Criador.

                Somente o Criador, a força singular que abarca o ser humano, age em toda a Criação; ao ser humano, cabe-lhe o papel de observador ativo.

                Em outras palavras, aos seres humanos resta experimentar toda a gama de forças que sobre eles agem e lutar contra a crença de que elas vieram de uma fonte que não o Criador. Na realidade, a menos que Ele confira esses pensamentos obstrutores que bloqueiam o estudo da Cabala e o auto-melhoramento, a pessoa não conseguirá avançar.

                As “klipot” principais são “Klipat Mitzraim” (Egito), que afasta do desejo de continuar no caminho espiritual, e “Klipat Noga”, que dá a falsa sensação de que tudo esta muito bem tal como está e que não há nenhuma necessidade de seguir adiante. Neste caso, a pessoa sente como se estivesse em um sonho, embora o coração não esteja de acordo com tal condição (“ani yeshenah ve libi er” – eu durmo, mas meu coração está acordado).

                Os autênticos textos cabalísticos, em especial os do rabino Yehuda Ashlag, estão escritos de tal maneira que quem neles mergulha já não consegue obter prazer no falso resplendor da “Klipat Noga”, pois a compreensão de meta da Criação torna-se clara.

                Os poucos escolhidos pelo Criador para ser levados para perto d’Ele recebem o sofrimento do amor (“yisurei ahavah”). É um sofrimento que tem como intenção induzir essas pessoas a superar as dificuldades de sua condição e, então, se aproximarem mais do Criador.

                Esse esforço interno do indivíduo, o qual ele sente como próprio, chama-se a pressão de dentro (“Dajaf Pnimih”). Quando agimos, e considerado revelação, pois está disponível à vista de todos e não pode sujeitar-se a várias interpretações.

                Por outro lado, nossos pensamentos e nossas intenções, são considerados encobertos. Podem diferir em grande medida da maneiro como os outros os percebem e podem até mesmo diferir da própria percepção de nossas intenções. Às vezes, não sabemos o que exatamente nos leva a esta ou aquela ação.

                Com frequência, as verdadeiras intenções internas que nos motivam a agir estão ocultas de nós, assim como dos observadores externos.

                Por essa razão, a Cabala é conhecida como a parte oculta da Bíblia, a sabedoria oculta, posto que nos instrui sobre as intenções e como dirigi-las ao Criador. Esse conhecimento deve estar encoberto de todos, às vezes também do indivíduo que estuda. É imperativo acreditar que tudo acontece neste mundo de acordo com a vontade do Criador, é governado, enviado e controlado por Ele.

                Há quem afirme que nossos sofrimentos não são sofrimentos, mas recompensas.

               Isso é verdade somente com relação às pessoas justas, que podem relacionar todas as circunstâncias e todas as consequências que sobrevêm com o governo do Criador. Somente em tais casos, quando as pessoas puderem viver de acordo com sua fé na justiça do seu governo, apesar das grandes provas e dos sofrimentos, as maldições se transformarão em bênçãos.

                Porém, essas provas que não podemos superar, mesmo indo além das limitações de nossa razão, trazem-nos uma descensão espiritual, mas, mantendo a fé acima da razão, poderemos encontrar apoio. Quando tivermos caído fora da fé e voltado à nossa dependência da razão, devemos esperar ser salvos.

                Por outro lado, aqueles que puderem aguentar as provas ascenderão, pois o sofrimento e as provas aumentam a força da fé. É nesses casos que eles se transformam em bênçãos.

                Uma verdadeira súplica ao Criador deve vir das profundezas do coração, o que significa que o coração todo deve estar de acordo com o que a pessoa deseja dizer ao Criador. A súplica deve ser feita não com palavras, mas com sentimentos, pois só o que ocorre no coração de uma pessoa é ouvido pelo Criador. Ele escuta ainda mais do que preferiríamos, porque entende todas as causas e todos os sentimentos que Ele, por Si mesmo, envia.

                Nem uma única criação pode evitar a meta predestinada de começar a ansiar as qualidades espirituais. Mas o que deveria fazer por uma pessoa que sente a falta de desejo suficiente para se separar dos prazeres deste mundo? Como a pessoa pode lidar com a ideia da separação dos parentes, da família e do mundo inteiro – tão cheio de vida e de pequenos prazeres –, com tudo aquilo que os desejos egoístas pintam tão vividamente em sua mente? O que deveria fazer, se, mesmo ao pedir a ajuda do Criador, não deseja realmente que Ele ouça essa súplica e lhe conceda o que pede?

                Para ajudar e apoia aqueles que estão em tal posição é preciso uma preparação especial e o reconhecimento de quão vital é adquirir as qualidades altruístas. Tal compreensão desenvolve-se gradualmente enquanto a pessoa percebe quão longe está das alegrias espirituais e da paz interna que a atraem de longe.

                Isso pode ser comparado a um anfitrião que tem que apaziguar o apetite de seus hóspedes com aperitivos para que eles desfrutem da comida que os aguarda. Sem que antes sejam preparados para a refeição, os hóspedes jamais experimentarão um deleite verdadeiro, não importa quão delicioso ou abundante seja. Esse enfoque também é efetivo para despertar o apetite por tais deleites artificiais e desconhecidos, por exemplo, receber prazer do altruísmo.

                Nossa necessidade de aproximação do Criador nasce aos poucos em nós sob a influência de nossos esforços, inspirados durante épocas de afastamento extremo da redenção espiritual. Estas incluem épocas de privação e escuridão severas, quando precisamos do Criador para a salvação pessoal, de modo que Ele nos libertasse das situações de desespero nas quais nos colocou.

                Se realmente estivermos necessitados da ajuda d’Ele, então isso poderá ser considerado um sinal de que estamos prontos para recebe-la, pois teremos desenvolvido um “apetite” para aceitar os prazeres por Ele preparados para nós.

                O grau no qual teremos experimentado o sofrimento será paralelo àquele em que seremos capazes de receber prazer. Porém, se tivermos que passar pelo sofrimento e receber a alegria do Divino no mesmo nível em que tenhamos sofrido, então esse é o caminho do sofrimento, não o da Cabala.

                Além disso, surge uma pergunta: há realmente necessidade de pedir ao Criador por qualquer coisa? Talvez a pessoa deva experimentar o sofrimento até o ponto de o corpo desejar a redenção absoluta e clamar ao Criador com tal força que ele a salvará

                A resposta é simples: uma prece, mesmo que não brote das profundezas do coração, prepara o indivíduo para a salvação.

              Em uma oração, prometemos ao Criador que, depois de receber a força espiritual, concentraremos todos os nossos esforços no retorno às aspirações espirituais das quais carecemos no momento. Nisso reside o grande poder da prece.

                O Criador aceita uma súplica desse tipo e, como resultado, avançaremos pelo caminho da Cabala em vez de pelo caminho do sofrimento. Por essa razão, jamais devemos aceitar o caminho do sofrimento, embora tenhamos certeza de que está sendo enviado pelo Criador; e mesmo se nós acreditarmos firmemente que tudo o que é enviado pelo Criador é enviado para nosso benefício.

             O Criador não quer que aceitemos o sofrimento de forma passiva. Pelo contrário, Ele espera que sejamos capazes de preveni-lo, a fim de evitar a condição na qual Ele tenha que nos empurrar para o sofrimento. Ele deseja que nós nos esforcemos por nós mesmos, por meio da fé, e que peçamos essa oportunidade de avançar.

             Mesmo se ainda não possuirmos um desejo verdadeiro de atingir o estado correto, devemos pedir ao Criador que nos confira a fé e o desejo verdadeiro, por meio do poder da oração. Isto é, devemos pedir ao Criador que nos dê o desejo que nos falta nesse momento: de suplicar.

                No momento em que o Criador decidiu como deveriam existir, nossas almas – o eu de cada um de nós – existem em uma condição perfeita, que pode ser descrita como a condição de paz absoluta (posto que cada ação inicia-se pelo desejo de atingir o mais perfeito estado) e como a condição de felicidade absoluta (pois todos os desejos em nós criados por Ele são completamente satisfeitos).

             Para alcançar esse estado, devemos adquirir o desejo de atingi-lo. Isto é, devemos nos propor a transformar nossas aspirações atuais nas perfeitas aspirações altruístas. Não há alternativa. “Assim diz o Criador: ‘Se não escolherdes corretamente por vossa própria vontade, então colocarei cruéis governadores sobre vós, que vos forçarão a voltar-vos para Mim.’”

                Cada indivíduo possui simultaneamente dois estados perfeitos: o presente e o futuro. Em qualquer momento determinado, experimentamos apenas o presente, mas uma transformação ao estado futuro pode ser conseguida em um instante, ao mudarmos nossas naturezas, de egoístas e materialistas para altruístas e espirituais.

                O Criador tem a capacidade de realizar esse milagre em cada um de nós a qualquer momento, pois ambos os estados existem simultaneamente.

                Apesar de nossa existência situar-se em ambos os estados simultaneamente, podemos perceber de imediato apenas um deles, mas não o outro, o estado perfeito, que existe paralelamente ao primeiro. A razão dessa situação pode ser explicada pelo fato de nossas qualidades – desejos – não coincidirem com as do imperceptível estado perfeito. Tal como o Criador declara: “É impossível para Mim e para ti existirmos no mesmo lugar, pois somos opostos em nossos desejos”.

                Por esse motivo, cada um de nós possui duas condições, ou como menciona a Cabala, dois corpos.

                O corpo físico, que ocupamos no momento, é conhecido na Cabala como o envoltório material. Por outro lado, nossos desejos e qualidades, são também considerados corpo, no sentido cabalístico, pois neles se encontram nossas almas, que são parte do Criador. Se, em nosso estado atual, nossos corpos consistem em desejos e pensamentos totalmente egoístas, então somente uma partícula microscópica de nossas almas – as chamadas “Ner Dakik” – pode nos penetrar como uma centelha da luz grandiosa que nos dá vida.

                O segundo corpo, que existe paralelamente ao primeiro, é o corpo espiritual, e ainda não o sentimos. Consiste em nossos desejos e qualidades altruístas futuros, que constituem nossa alma absoluta, isto é, essa parte do Criador a ser revelada no futuro, quando o processo de correção tiver sido completado.

                As qualidades dos corpos egoístas e dos altruístas e suas forças de vida dividem-se em sentimentos e intelecto, os quais percebemos com nossos corações e mentes. O corpo egoísta deseja receber com o coração e captar com a mente, ao passo que o corpo altruísta deseja dar com o coração e acreditar com a mente.

                Somos incapazes de alterar qualquer um desses dois corpos. O espiritual não pode ser mudado, porque é totalmente perfeito; e o atual é completamente imutável, não pode ser corrigido, porque assim foi desenhado pelo Criador.

                Mas existe um terceiro corpo, que serve como vínculo entre os outros dois. O corpo médio, dirigido pelo Divino, consiste de desejos e pensamentos que mudam constantemente, que devemos nos esforçar para corrigi-los em nós mesmos e pedir ao Criador que os corrija. É dessa maneira que conectamos o corpo médio, conhecido como “klipat noga”, com o corpo espiritual.

                Quando formos capazes de vincular todos os desejos e pensamentos que surgem constantemente no corpo espiritual, nosso corpo egoísta partirá e adquiriremos um corpo espiritual. A essa altura, o Criador alterará todas as qualidades do corpo egoísta para que se transformem nas opostas e todo o egoísmo inato se transformará em altruísmo absoluto.

                Em todas as situações que se nos apresentam na vida devemos nos esforçar para ver tudo como vindo diretamente do Criador e ver Seu ponto de vista como se fosse o nosso.

                Devemos afirmar que “é Ele que está parado entre todo o resto e eu; é por meio d’Ele que vejo cada um neste mundo, incluindo a mim mesmo. Tudo o que percebo emana d’Ele e tudo o que emana de mim dirige-se somente a Ele. Por essa razão, tudo o que nos cerca é Ele”. Como se diz: “O Senhor está diante de mim e atrás de mim, e colocou Sua mão sobre mim”.

                “Tudo o que está em mim”, a pessoa deve dizer, “tudo o que penso e sinto vem do Senhor, e é um diálogo com Ele”.

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(…) continuação

                O sentimento mais espantoso é nossa percepção do abismo infinito.

                Isso nos causa um grande impacto, quando um vazio repentino parece abrir-se sob nossos pés; um vazio caracterizado pelo desejo, pelo medo, pela falta de qualquer apoio e pela retirada absoluta da luz circundante que nos havia dado um sentido do futuro, do amanhã, do momento seguinte.

                Todas as variações desse sentimento terrível e negativo provém da maior sensação original e, na realidade, podem ser consideradas aspectos dela. Todas nos são enviadas pela mesma fonte, “Malkut”, a alma vazia que o Criador colocou de modo que cada um de nós a preenchesse de luz.

                Todas as sensações de escuridão que experimentamos emanam dessa alma vazia, e podem ser superadas somente pela fé no Criador, ao percebê-Lo. É por essa razão que todo o sofrimento é enviado pelo Criador.

                O rei David – a encarnação de nossas almas – descreve a condição da alma em cada linha de seus salmos, representando todas as suas impressões quando esta ascende os diversos níveis. É assombroso o quanto devemos aguentar, antes de termos a compreensão, a consciência e o rumo para o caminho correto. Ninguém pode nos dizer qual deveria ser o passo seguinte.

                Somente por necessidade, tendo tropeçado no passo anterior, escolhemos a ação correta. Quanto mais as adversidades nos incitarem, mais rápido poderemos crescer espiritualmente. Portanto, diz-se: “Feliz aquele que é afligido pelo Criador”.

                Não devemos conhecer nosso passo seguinte, nosso futuro; a proibição da adivinhação do futuro na Biblia não deve ser ignorada.

                O crescimento espiritual ocorre somente com o crescimento da fé. Isso se apoia no fato de que tudo o que passamos em determinado momento e tudo o que passaremos depois emanam do Criador e podem ser superados somente com a proximidade d’Ele. Isso ocorre por necessidade, posto que nossa natureza se recusa a admitir que Ele tem domínio sobre nós.

                O conhecimento de nosso estado futuro, ou simplesmente a confiança em nosso conhecimento disso, tira-nos a oportunidade de fechar os olhos, calar e aceitar qualquer manifestação repentina do governo superior como verdadeira e justa. Isso só é possível ao nos aproximarmos mais d’Ele.

                A Biblia descreve, na linguagem diária de nosso mundo, todos os nossos estados progressivos da ascensão espiritual. Como já sabemos, há somente duas qualidades em toda a criação: o altruísmo e o egoísmo, ou seja, a qualidade do Criador e a qualidade de Suas criações.

                A Cabala, por outro lado, descreve as etapas da ascensão espiritual em uma linguagem de sentimentos diretos, como nesta parte do livro, ou na linguagem de “Sefirot”, a descrição físico-matemática dos objetos espirituais. Essa linguagem é universal, compacta e precisa. Sua forma externa é discernível para os principiantes. Também nos ajuda a entender os outros e por eles ser entendidos, pois enfoca os objetos espirituais abstratos e os acontecimentos qu, em certa medida, estão afastados de nós.

                Depois de termos passado pelas etapas espirituais, poderemos utilizar essa língua “cientifica” para descrever nossas próprias ações e sentimentos, porque a luz que já percebemos traz informações sobre a própria ação, seu nome e nível espiritual.

                Porém, um cabalista pode transmitir sentimentos e sensações sobre um nível espiritual específico somente para quem já experimentou o mesmo nível, posto que outra pessoa não entenderá os conceitos. Do mesmo modo, em nosso mundo, um indivíduo que não tenha experimentado determinada sensação, que não a conheça por meio de sensação análoga, não será capaz de entende-la.

                Há duas etapas consecutivas para corrigir o egoísmo. A primeira delas é não o utilizar, mas pensar e agir somente com o desejo de dar, sem nenhum pensamento sobre a possibilidade de qualquer benefício resultante das próprias ações. Quando formos capazes de agir de tal maneira, passaremos à segunda etapa, em que começaremos a empregar nossos egoísmos gradualmente, corrigindo-o, incorporando-o pouco a pouco a nossas ações e a nossos pensamentos altruístas.

                Por exemplo, uma pessoa concede tudo aos outros, sem receber nada em troca; esse é o primeiro passo do desenvolvimento. Se ela realmente for capaz de agir dessa maneira, em todos os casos, então, para ela pode dar ainda mais, quem tiver riqueza lhe dará ainda mais. Assim, os ricos, por meio dessa pessoa, passarão sua riqueza para que seja concedida a outros. A quantidade de riqueza recebida dos outros dependerá da capacidade de a pessoa repartir tudo o que foi recebido sem ser tentada pela abundância. Nesse caso, o egoísmo será empregado para uma causa nobre: quanto mais receber, mais será repartido. Mas uma pessoa pode conceder tudo?

                A quantidade de riqueza transmitida por uma pessoa determina o nível de correção pessoal.

                A primeira etapa de correção do egoísmo é conhecida como a correção da Criação, e a segunda etapa como a meta da Criação, ou a capacidade de um indivíduo utilizar o egoísmo em ações altruístas, para metas altruístas.

                A Cabala centra-se nessas duas etapas do desenvolvimento espiritual. Porém, os desejos e prazeres mencionados nessa sabedoria são bilhões de vezes maiores que todos os prazeres de nosso mundo juntos.

                Esses dois passos também estão em constante conflito, porque o primeiro rejeita totalmente o uso do egoísmo e sua correção, enquanto o segundo o utiliza em pequenas quantidades, determinadas pela força da habilidade da pessoa de resistir a ele para a correção. Assim, as ações nessas duas condições são apostas uma à outra, embora amas tenham um propósito altruísta.

                Mesmo em nosso mundo, a ação de um indivíduo que reparte tudo está em posição oposta em relação a quem recebe, mesmo com o fim de dar. Por essa perspectiva, muitas das contradições e conflitos representados na Bíblia tornam-se mais compreensíveis.

                Por exemplo, o conflito entre Saul e David, as discussões e as contradições entre as escolas de Shamai e Hilel, o conflito entre Mashiach Ben-Yosef (o cabalista Ari) e Mashiack Be-David e outros, quase todos por assuntos litigiosos e de guerra, são interpretados pelos que não estão nos reino espiritual como conflitos entre nações, tribos, famílias e indivíduos egoístas.

                Depois de um período de trabalho intenso sobre nós mesmos, aprendendo e nos esforçando para a percepção espiritual, sentiremos o desejo de ver alguns resultados. Acharemos que, depois de todo o trabalho que realizamos (em especial se comparado com o feito pelos outros, à nossa volta), teremos conquistado o direito de experimentar a revelação do Criador, de ver uma clara manifestação das leis espirituais que estudamos com tanto fervor e de perceber os prazeres dos mundos espirituais.

                Na realidade, porém, todas as coisas parecem ser exatamente contrárias a nossas expectativas: poderíamos sentir que estamos retrocedendo, em vez de progredirmos, se compararmos nossa situação à de outros que não estudam a Cabala. É provável que sintamos que, em vez de perceber no Criador, e em vez de Ele nos escutar atentamente, estamos nos afastando mais e mais d’Ele.

                Além disso, a crescente fissura entre as conquistas espirituais e nossa diminuição das aspirações espirituais parecera o resultado direto de nossos estudos. Por conseguinte, surge um questionamento legítimo: olhando os que estudam a Bíblia de uma maneira simples e comum, podemos ver que eles sentem sua superioridade, enquanto nós, que estudamos a Cabala, ficamos mais descontentes, vendo quanto pioramos em nossos desejos e pensamentos e, principalmente, quanto mais nos distanciamos dos bons desejos espirituais que nos conduziram à Cabala!

                Talvez fosse melhor não nos termos envolvido no estudo da Cabala! Talvez todo o tempo dedicado a esses estudos tenha sido em vão! Por outro lado, talvez já sintamos que somente aqui poderemos encontrar a verdade e as respostas às perguntas dentro de nós.

                Esse sentimento apenas é acrescentado à crescente pressão: não podemos abandonar a Cabala porque é verdade. Mas parece que não temos nada em comum com ela e, assim, nos afastamos mais dela com a percepção de que nossos desejos são muito mais baixos que os de nossos contemporâneos.

                Parece-nos que, se outra pessoa estivesse em nosso lugar, o Criador teria respondido há mais tempo e ateria aproximado d’Ele. Outros não teriam se queixado e se ressentido, porque o Criador os tratara sem consideração ou porque não reagira diante das ações realizadas por eles.

                Porém, em essência, essas emoções são experimentadas somente por quem está no verdadeiro processo do trabalho espiritual consigo; ao contrário daqueles que simplesmente estudam a Bíblia com atenção apenas para aprender seus simples significados e cumprir os mandamentos.

                Isso porque os que aspiram ascender se esforçarão para alcançar um estado espiritual no qual todas as aspirações pessoais, todos os pensamentos e desejos sejam desprovidos de interesses pessoais. Por esse propósito, o mais puro dos pensamentos e a mais pura das motivações verdadeiros de cada um serão revelados pelo Divino.

                Podemos atestar que temos a capacidade de suportar nossa prova, depois de termos passado pelo sofrimento, tendo encontrado em nós mesmos a enormidade de nosso egoísmo e tendo visto a grande distância entre o eu e a mais insignificante qualidade espiritual.

                Seremos dignos de vislumbrar os mundos espirituais, se, apesar de tudo o que aguentamos, silenciarmos o coração e expressarmos amor pelo Criador, sem exigir uma recompensa por nossos esforços e sofrimentos.

                Em geral, ao começarmos a realizar o verdadeiro trabalho conosco, de imediato veremos os obstáculos em nosso caminho em direção à percepção do espiritual.

                 Esses obstáculos aparecem como variados pensamentos e desejos estranhos, como a perda de confiança na certeza de que o caminho escolhido é o correto, como o desalento mediante nossos verdadeiros desejos.

                Todos esses obstáculos nos são enviados pelo Divino para nos pôr à prova. Eles determinarão se realmente estamos sedentos da verdade, sem importar quão contraditória ela seja para nossa própria natureza egoísta, ou quão angustiante seja renunciar a nossas próprias comodidades em favor do Criador.

                Por outro lado, as pessoas comuns não estão sendo provadas e se sentem muito confortáveis com sua forma de vida costumeira, até mesmo pensam que estão garantido um lugar no mundo vindouro porque observam os mandamentos da Bíblia.

                Isto é, o egoísmo daquele que observa os mandamentos aumenta muitas vezes mais em comparação ao de quem não os observa, que não conta com nenhuma recompensa do Criador no reino espiritual.

                Mas o Criador nos põe à prova não para saber onde nos encontramos espiritualmente. Ele sabe, sem nos testar, porque é Ele quem dá uma posição específica a cada pessoa. Ele nos testa, para fazer com que reconheçamos nosso próprio estado espiritual. Ao nos criar o desejo pelos prazeres terrenos, o Criador afasta os indignos, e dá a quem Ele deseja atrair a oportunidade de se aproximar mais das portas do mundo espiritual, superando todos os obstáculos.

                A fim de que o indivíduo escolhido sinta ódio pelo egoísmo, o Criador revela-lhe gradualmente seu verdadeiro inimigo, e mostra o culpado verdadeiro no caminho que o conduz aos reinos espirituais, até que o sentimento de ódio se desenvolva a tal ponto que consiga extirpá-lo por completo.

                Tudo o que existe fora do eu é o próprio Criador, posto que o fundamento da Criação é a percepção do eu por cada um de nós. Essa ilusão do eu pessoal constitui a Criação e é sentida apenas por nós. Mas, fora desse sentido do eu pessoal, existe somente o Criador.

                Desse modo, nossa atitude para com o mundo e para com cada um à nossa volta reflete nossa atitude para com o Criador. Se formos nos acostumando com essa atitude para com tudo, reinstalaremos, assim, uma ligação direta com Ele.

                Mas, se não há ninguém além do Criador, então o que é o si mesmo? O si mesmo é o sentido do eu, o sentido de nosso próprio ser que, na realidade, não existe.

                Porém, de acordo com os desejos do Criador, a alma – que é uma parte d’Ele Mesmo – sente-se dessa maneira porque foi removida do Criador. Ele oculta a Si Mesmo da alma, mas enquanto essa parte do Criador vai se sentido cada vez mais o Criador, o eu começa a sentir cada vez mais que é a parte do Criador, em vez de uma criação independente.

                As etapas de nossa percepção gradual do Criador são conhecidas como os mundos, ou “Sefirot”.

                Em geral, nascemos em nenhum sentido do Criado, e percebemos tudo a nossa volta como “realidade’. Essa condição forma “nosso mundo’.

                 Se o Criador desejar nos aproximar mais d’Ele, começaremos de vez em quando a sentir a vaga existência de uma força superior. Ainda não veremos essa força com nossa visão interna, mas a sentiremos de longe, do exterior, trazendo-nos sentimentos de confiança, de elevação espiritual e de inspiração.

                Mas o Criador pode distanciar-se uma vez mais e tornar-se imperceptível. Nesse caso, sentiremos como um regresso ao nosso estado original, e, de uma forma ou de outra, esqueceremos que, em certo momento, tínhamos certeza da existência do Criador e até mesmo o percebíamos.

                O Criador pode também se distanciar de tal modo que sintamos a partida de uma presença espiritual e, como resultado, fiquemos desanimados. Esse sentimento é por Ele enviado ao que Ele deseja levar ainda mais próximo de Si, porque o anseio pelo maravilhoso sentimento que desapareceu os leva a tentar recuperá-lo.

                Se fizermos um esforço e começarmos a estudar a Cabala, e encontrarmos um verdadeiro Mestre, então o Criador se revelará em um grau maior, por meio de nossa ascensão espiritual, ou se encobrirá, incitando-nos a encontrar uma saída para nosso estado de ocaso.

                Se, ao exercer nossa força de vontade, formos capazes de superar esse desagradável estado de ocultação do Criador, então receberemos ajuda divina em forma de elevação e de inspiração espirituais. Por outro lado, se não tentarmos sair desse estado por nossas próprias forças, talvez o Criador se aproxime ou nos deixe totalmente (depois de termos tentado várias vezes fazer um esforço independente para avançar rumo a Ele), embora nós ainda não O possamos perceber.

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22 – DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL

                Tudo o que desejamos saber sobre nosso mundo pode ser definido como o resultado da Criação e Sua providência, ou, da maneira como os cientistas se referem a isso, como as leis da natureza.

                Com suas invenções, a humanidade procura reproduzir alguns detalhes da Criação e utilizar seu conhecimento das leis da natureza. Isto é, tenta reproduzir as ações do Criador em um nível inferior e com matérias mais baixas.

                A profundidade de compreensão da humanidade sobre a natureza é limitada, embora o limite venha sendo ampliado gradualmente. Ainda, hoje em dia, o corpo de uma pessoa se iguala a seu corpo material. Mas tal perspectiva não estabelece diferenças entre as pessoas, posto que a individualidade de cada uma é determinada por suas forças e qualidades espirituais, não pelas formas de seu corpo.

                Deste modo, pode-se dizer que, sob a perspectiva da Criação, todos os corpos, independentemente de sua multiplicidade, formam um único corpo, pois não há diferença individual entre eles para distinguir um do outro. Sob tal perspectiva, para entender os outros e o mundo inteiro que nos cerca, e para compreender como podemos nos relacionar com o que existe fora de nossos próprios corpos, é suficiente que olhemos para dentro de nós e nos entendamos.

                De fato, é assim que nos comportamos, posto que formos criados para captar o que nos penetra vindo do exterior, isto é, reagir às forças externas. Portanto, se não nos diferenciarmos espiritualmente dos outros, e todas as nossas ações forem padrão e estiverem dentro do quando das diversas qualidades animais de nossos corpos materiais, então é, como se não existíssemos totalmente.

                Sem uma individualidade espiritual distinguível é como se fôssemos parte de um corpo comum que representa todos os nossos corpos. Em outras palavras, a única maneira de nos diferenciarmos de outros é por meio de nossas almas. Portanto, não se pode dizer que existimos individualmente, se não possuirmos uma alma.

                Quanto mais diferenças espirituais possuirmos, mais importantes seremos; mas se tais diferenças não existirem, então nós também não existiremos.

                Assim que, em nós, se forma a primeira pequena distinção espiritual, nesse momento – nesse estado espiritual que se chama nosso nascimento – , pela primeira vez, algo individual nos aparece, algo que nos distingue de todos os outros.

                 Assim, o nascimento da individualidade ocorre mediante nossa separação espiritual individual da massa geral. Assim como em uma semente plantada, dois processos conflituosos ocorrem em sequência: o processo de decomposição e o processo de crescimento.

                Há uma libertação completa da forma anterior. Porém, até que isso ocorra totalmente, até que uma pessoa se despoje por completo da forma física, ela passa por vários estados; ela não consegue passar do corpo físico para uma força espiritual diretamente.

                Enquanto todos esses estados não forem atravessados – chamados a procriação do fruto de Cima para baixo -, a primeira força espiritual de baixo para Cima não poderá nascer em nós, nem continuar crescendo ou atingir o nível e a forma do Uno que nos engendrou.

                Processos similares ocorrem nas naturezas inorgânicas, vegetativas, animais e humanas, embora assuma forma diferentes.

                A Cabala define o nascimento espiritual como a primeira manifestação no individuo da mais baixa qualidade do mundo espiritual inferior – o passo do indivíduo fora dos limites de nosso mundo nos primeiros e mais baixos níveis espirituais.

                Mas, diferente de um recém-nascido neste mundo, o recém-nascido espiritual não morre, mas se desenvolve constantemente. Uma pessoa pode começar a compreender a si mesma somente a partir do momento da autoconsciência, nunca antes.

                Por exemplo, nós não nos lembramos de com éramos em estados passados, como no momento da concepção, do nascimento ou até mesmo de estados anteriores. Podemos captar nosso desenvolvimento; não podemos captar nossas formas passadas.

                Porém a Cabala descreve todos os estados que precederam a Criação, a partir do estado da existência única do Criador até a criação de uma alma geral – um ser espiritual. Depois, continua a descensão gradual dos mundos espirituais, do mais alto nível ao mais baixo, ao último estado do mais baixo reino espiritual.

                A Cabala não descreve todas as etapas posteriores: como um indivíduo de nosso mundo atinge o nível mais baixo do reino espiritual e depois sua ascensão posterior do fundo para cima, rumo a sua meta final: o retorno ao ponto original da Criação. Isso porque a ascensão segue as mesmas leis e níveis que a descensão da alma, e cada um que busca deve entender e experimentar de forma independente cada etapa do nascimento espiritual, até que se complete o nível espiritual definitivo.

                No entanto, no final de seu crescimento, ao atingir o estado absolutamente corrigido de suas qualidades originais, todas as almas retornarão ao Criador e se fundirão com Ele em um estado totalmente indivisível, devido a sua total semelhança.

                Em outras palavras, desde o momento do nascimento espiritual do indivíduo até seu apego total ao Criador, a alma deve ascender pelos mesmo 125 níveis pelos quais descendeu do Criador para nós.

                Na Cabala, o primeiro nível de baixo é conhecido como nascimento; e o final, no topo, é conhecido como a correção final. Na Bíblia, todos os níveis intermediários são designados por nomes de lugares ou de pessoas, por símbolos cabalísticos, nomes das “Sefirot” ou dos mundos.

                Com tudo isso, fica claro que somos incapazes de compreender completamente a Criação e a nós mesmos, sem realizar em sua totalidade a meta da Criação, o ato da Criação e sem passarmos por todas as etapas do desenvolvimento até o fim da correção.

                Devido ao fato de examinarmos o mundo apenas por dentro, só podemos explorar a parte da existência que percebemos. Portanto, não podemos conseguir o conhecimento completo de nós mesmos. E mais: nossa compreensão é limitada, porque, a fim de entender algum objeto, devemos explorar suas qualidades negativas, e somos incapazes de ver nossos próprios defeitos. Apesar de qualquer desejo em contrário, nossa natureza os exclui de forma automática de nossa consciência, porque, se tomarmos consciência deles, sentiremos uma dor tremenda, e nossa natureza evita tais sentimentos também de forma automática.

                Somente os cabalistas, enquanto estão trabalhando na correção de suas naturezas para alcançar as qualidades do Criador, descobrem gradualmente os defeitos de sua própria natureza, na medida em que podem corrigir a si mesmos. Pelo fato de essas características já estarem passando por correção, os atributos não corrigidos são como se não pertencessem mais ao indivíduo. Somente então o intelecto e a natureza do cabalista permitirão o reconhecimento desses defeitos.

                Nossa tendência de, antes de tudo, ver as qualidades negativas nos outros não nos ajuda a analisar a nós mesmos. Pelo fato de a natureza humana evitar as sensações negativas que reconhecemos nos outros. Nossa natureza jamais nos permitirá perceber em nós os mesmos aspectos negativos. Na verdade, somos capazes de detectar qualidades negativas nos outros, porque isso nos dá prazer!

                Portanto, pode-se afirmar com certeza que nem uma única pessoa neste mundo conhece a si mesma.

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(…) continuação

                Um cabalista, por outro lado, capta o completo alcance da natureza de uma pessoa, de sua raiz, compreendendo-a em sua forma primária, que é a alma.

                De acordo com isso, a fim de conseguir uma compreensão verdadeira da Criação, o indivíduo deve analisa-la de cima para baixo, do Criador até nosso mundo, e depois de baixo para cima.

                O caminho de cima para baixo chama-se a descensão gradual da alma para nosso mundo. É a concepção e o desenvolvimento da alma de acordo com a analogia com nosso próprio mundo, o ponto em que o feto é concebido no corpo da mãe com a semente do pai.

                Enquanto não se manifestar em uma pessoa o nível mais baixo, aquele no qual ela está completamente afastada do Criador, como o fruto dos pais, como uma semente que perdeu totalmente a sua forma primária, ela não pode ser um organismo fisicamente independente. Mas, como em nosso mundo, também no reino espiritual a pessoa continua sendo totalmente dependente de sua Fonte até que, com a ajuda Dela, por fim, se torne um ser espiritual independente.

                Tendo nascido espiritualmente, a pessoa chega ao nível espiritual mais distante do Criador e começa a dominar pouco a pouco os níveis de ascensão rumo a Ele.

                O caminho de baixo para cima é conhecido como a compreensão pessoal e a ascensão em etapas de crescimento espiritual de acordo com as leis dos reinos espirituais. É como em nosso mundo, onde um recém-nascido se desenvolve de acordo com as nossas leis.

                As etapas do crescimento da pessoa, de baixo para cima, correspondem exatamente às etapas da descensão da alma do Criador a nosso mundo, de cima para baixo.

                Por essa razão, a Cabala concentra-se na descensão da alma. As etapas da ascensão deve ser aprendidas de maneira independente por cada pessoa, para que possa crescer espiritualmente.

                Portanto, sob nenhuma circunstância, deve-se interferir no crescimento do aluno, nem força-lo a nenhuma ação espiritual – que deve ser ditada por sua própria consciência em relação aos acontecimento circundantes, a fim de explorar e corrigir todas as qualidades que precisam ser corrigidas. Essa é também a razão pela qual proíbe-se aos cabalistas compartilhar informações entre si sobre suas ascensões e descensões pessoais.

                Pelo fato de ambos os caminhos – o de cima para baixo e o de baixo para cima – serem absolutamente idênticos, ao compreender o caminho de baixo para cima, a pessoa pode entender o de cima para baixo. Desse modo, no curso de seu próprio desenvolvimento, ela chega à compreensão de seu estado pré-natal.

                O plano da Criação descende ao nosso mundo de cima para baixo; ou seja, o nível mais alto engendra o mais baixo, por todo o caminho, até criar o nosso mundo, quando nasce dentro de um indivíduo, em um determinado momento, durante uma de suas vidas. A partir desse momento, o processo se reverte, e obriga a pessoa a crescer espiritualmente, até atingir o mais alto nível.

                Mas enquanto cresce, quem evolui espiritualmente deve incorporar seus próprios esforços e acrescentar suas próprias ações pessoais à Criação para seu desenvolvimento e conclusão. Essas ações consistem apenas em uma reconstrução completa do processo da Criação, porque uma pessoa não pode inventar algo que esta ausente da natureza, seja físico seja espiritual. Da mesma maneira, tudo o que fazemos não é nada além de ideias e modelos tirados da natureza. Portanto, todo o caminho do desenvolvimento espiritual consiste somente na aspiração de repetir e reconstruir o reino espiritual que já foi implantado na natureza espiritual pelo Criado.

                Como já foi indicado na primeira parte deste livro, todas as criações deste mundo e tudo o que as cerca foi criado em correspondência perfeita com as condições necessárias para cada uma das espécies. Como em nosso mundo, a natureza preparou um lugar seguro e apropriado para o desenvolvimento dos descendentes, e a chegada do recém-nascido estimula nos pais a necessidade de cuidar dele

                Do mesmo modo, no mundo espiritual, até o nascimento espiritual de um indivíduo, tudo acontece sem seu conhecimento e intervenção.

                Mas, tão logo o indivíduo cresce, aparecem dificuldades e mal-estar, exigindo esforços para continuar sua existência.

                Quando a pessoa amadurece, aparece uma quantidade maior de qualidades negativas.

                No mundo espiritual, com o gradual crescimento, as qualidades negativas de uma pessoa tornam-se mais evidentes. Essa estrutura foi especificamente criada e preparada pelo Criador por meio da natureza, tanto em nosso mundo quanto nos mundos espirituais.

                Isso nos traz ao nível necessário de desenvolvimento, de modo que tomemos consciência, por meio de incessantes privações, de que somente amando ao próximo como a nós mesmo poderemos alcançar a felicidade. Somente então descobriremos de novo a correspondência ente o eu e os atos da natureza de cima para baixo.

                Por conseguinte, a qualquer momento que encontrarmos cálculos errados da natureza ou estados incompletos do Criador, poderemos pegar essa oportunidade para completar nossas próprias naturezas e corrigir nossa atitude no mundo que nos cerca.

                Devemos amar a cada um e a todo o nosso entorno como a nós mesmos, de acordo com o nível de descensão espiritual, de cima para baixo.

                Então, coincidiremos, por completo, com o Criador, e, assim, atingiremos a meta da Criação: o prazer absoluto e o bem. Tudo está a nosso alcance e de jeito nenhum o Criador se desviará de Seu próprio plano, porque Ele o projetou para nós com a vontade de repartirmos o prazer absoluto e o bem.

                Nossa tarefa é simplesmente estudar os níveis da descensão espiritual e obter a compreensão do modo de nos conduzirmos em nossa própria ascensão. O aparente sentimento antinatural do amor a outros parecidos conosco que nos exige o Criador (não aos próximos a nós, porque estes já são profundamente amados por nós, mas àqueles como nós) faz-nos sentir a contração interna do eu, assim como o fará qualquer outro sentimento altruísta ou qualquer outra negação do egoísmo.

                Mas, se pudermos renunciar ou contrair nossos próprios interesses pessoais, então o espaço espiritual desocupado pelo egoísmo poderá ser utilizado para receber a luz superior, que agirá sobre o vazio, preenchendo-o e ampliando-o. a essas duas ações, em conjunto, dá-se o nome de a pulsão da vida, ou alma, que já é capaz de trazer ações adicionais de contração e ampliação.

                Somente dessa maneiro o vaso espiritual de um ser humano pode receber a luz do Criador; e somente tendo ampliado a alma, pode ascender. A contração pode ser causada por uma força externa ou pelas ações das qualidades internas do recipiente. No caso da contração efetuada pela dolorosa pressão de uma força externa, a natureza do vaso o incita a aumentar as forças para resistir à contração. Amplia-se e, desse modo, regressa à sua condição original, retirando-se da pressão externa.

                Se essa contração fosse causada pelo próprio vaso, então esse recipiente seria incapaz de ampliar-se até seu estado original por si mesmo. Mas, se a luz do Criador entrar nesse vaso e o preencher, o recipiente então estará capacitado para ampliar-se até seu estado anterior. E essa luz chama-se vida.

                A própria vida é conquista da sua essência, o que pode ser conseguido somente com as contrações anteriores, posto que a pessoa não pode ultrapassar os limites espirituais dentro dos quais foi criada. A pessoa pode contrair-se pela primeira vez somente sob a influência de uma força externa ou tendo rezado ao Criador para obter ajuda das forças espirituais superiores, porque, enquanto não receber a primeira ajuda – a vida – dentro da alma, será impotente para gera uma ação tão artificial para a alma.

                Enquanto depender da força externa e não for capaz de se contrair sozinho, considera-se que o indivíduo não está vivo, porque a natureza viva é definida como a capacidade de agir de maneira independente.

                Os ensinamentos na Cabala descrevem claramente a Criação completa.

                A Cabala divide tudo na Criação em dois conceitos: a luz (“Ohr”) e o recipiente (“kli”), A luz é o prazer, o vaso é o desejo de receber prazer. Quando o prazer entra no desejo de receber prazer, dá-lhe a urgência especifica de satisfazer-se com ele. Na ausência da luz, o vaso não sabe como o que deseja regozijar-se. Assim, o recipiente em si jamais é independente e somente a luz determina o tipo de prazer que receberão os pensamentos, as aspirações e todas as suas qualidades. Por essa razão, o valor espiritual de um vaso e a sua importância são determinados completamente pela quantidade de luz que o preenche.

                Mais ainda, quanto maior for o desejo do vaso de receber prazer, mais ordinário será, porque dependerá da luz em maior grau, e será menos independente. Por outro lado, quanto mais ordinário for, maior quantidade de prazer poderá receber. O crescimento e o desenvolvimento dependem justamente dos grandes desejos. Esse paradoxo ocorre como resultado das qualidades contrárias da luz e do vaso.

                A recompensa por esforços espirituais é o reconhecimento do Criador, mas é nosso eu que nos oculta o Criador.

                O que determina um indivíduo é o desejo, e não seu corpo fisiológico. Assim, com o aparecimento de cada nova vontade, é como se um novo indivíduo nascesse. Desse modo podemos entender o conceito da circulação das almas, isto é, com cada novo pensamento e desejo, a pessoa nasce de novo, porque o desejo é novo.

                Por exemplo, se o desejo do indivíduo for animalista, então diz-se que sua alma vestiu-se de um animal. Mas, se for elevado, então diz-se que a pessoa se tornou sábia. A circulação das almas deve ser entendida somente dessa maneiro. O indivíduo é capaz de perceber claramente dentro de si quão contraditórios podem ser seus desejos e suas opiniões e em diversas épocas, como se ele não fosse um, mais várias diferentes pessoas.

                Mas, se uma pessoa experimenta desejos fortes, se forem realmente fortes, ela não consegue imaginar que seja provável existir outra condição totalmente oposta à qual se encontra no momento. Isso se deve ao fato de a alma da pessoa ser eterna por ser parte do Criador. Por essa razão, tem a esperança de permanecer em qualquer estado para sempre.

                Mas, do Divino, o Criador altera a alma, o que constitui a circulação das almas. Assim, o estado anterior morre e nasce um novo indivíduo. Do mesmo modo, em nossas ascensões espirituais, inspirações e quedas, em que nossas alegrias e depressões, parece-nos inconcebível que possamos mudar de um estado para outro. Quando permanecemos em um estado de animação espiritual, não podemos imaginar que possa existir qualquer outro interesse além do crescimento espiritual.

                Como os mortos não podem imaginar que exista tal estado de vida, assim também os vivos não pensam sobre a morte. Tudo isso ocorre, devido à existência do Divino e, portanto, da natureza eterna de nossa alma.

                Toda nossa realidade foi criada em especial para distrair nossa percepção dos mundos espirituais. Mil pensamentos distraem-no constantemente de nossa meta, e quanto mais tentamos nos concentrar, maiores são os obstáculos que experimentamos.

                O único remédio contra todos esses obstáculos é o Criador. Esse é o Seu propósito ao cria-los; então, nós voltaremos para Ele na busca do caminho para a salvação pessoal.

                Assim como tentamos distrair as crianças com contos de fadas, enquanto as alimentamos, o Criador, a fim de nos conduzir para o bem, é forçado a encobrir a verdade altruísta com causas egoístas, de modo que desejemos experimentar o espiritual. Depois, tendo-o experimentado, nós mesmos desejaremos o alimento espiritual.

                Todo o caminho de nossa retificação é construído sobre o princípio da união com o Criador, da conexão com objetos espirituais, para deles adquirir suas qualidades espirituais. Somente enquanto estivermos em contato com o espiritual seremos capazes de compartilhá-lo.

                Por essa razão, é muito importante ter um Mestre e colegas de estudo na busca da mesma meta. Em um contato diário, imperceptível a si mesmo e, portanto, sem ser impedido pelo corpo, a pessoa pode adquirir desejos espirituais. Quanto mais ela se esforçar para estar com outras pessoas que tenham metas espirituais elevadas, maior será a possibilidade de ser influenciada pelos pensamentos e desejos delas.

                Pelo fato de ser considerar um verdadeiro esforço aquele realizado contra os desejos do corpo, será mais fácil fazê-lo, se houver algum exemplo estabelecido e muitos o estiverem seguindo, mesmo se isso parecer artificial. (A maioria determina a consciência; onde todos estão nus, como em uma sauna ou em uma sociedade “primitiva”, não é preciso nenhum esforço para se despojar da roupa).

                Mas um grupo de amigos e um Mestre são somente ferramentas úteis. No processo da ascensão espiritual, o Criador garantirá, de qualquer maneira, que a pessoa seja forçada a buscar ajuda somente d’Ele.

                Por que há uma Torah escrita – conjunta das leis espirituais, como a Bíblia – e uma oral? A resposta é simples: a forma escrita nos dá as descrições dos processos espirituais realizados de cima para baixo. Transmite somente esse processo, apesar de empregar a linguagem da narrativa, das crônicas históricas e dos documentos jurídicos, a linguagem da profecia e dos ensinamentos cabalísticos.

                O propósito principal da entrega das leis espirituais é a elevação espiritual de uma pessoa de baixo para cima, para o próprio Criador, e esse é um caminho individual, determinado pelas qualidades e particularidades de cada alma.

                Assim, ao longo dos níveis dos reinos espirituais, cada pessoa compreende a ascensão à sua própria maneira. A revelação ao indivíduo das leis espirituais de baixo para cima chama-se Torah oral; não há necessidade, nem possibilidade, de dar uma única versão dela a cada pessoa. Cada um deve captá-la individualmente, rezando oralmente ao Criador.

                Todos os esforços por nós investidos para estudar e trabalhar no auto melhoramento são necessários somente para que reconheçamos nossa impotência e nos voltemos para o Criador, para pedir-Lhe ajuda. Mas não poderemos avaliar nossas próprias ações e clamar ao Criador por auxílio, enquanto não sentirmos a necessidade da ajuda.

                Quanto mais estudarmos e trabalharmos sobre nós mesmos, maiores serão nossos agravos contra o Criador.

                Embora, em última instância, a ajuda emane do Criador, não a receberemos sem rezar por ela. De modo que quem desejar progredir deve exercer seus esforços em todas as ações possíveis. Quem fica esperando é descrito como um tolo, que permanece sentado de braços cruzados carcomendo a si mesmo.

                Esforço define-se como qualquer coisa que o indivíduo faça contra os desejos do corpo, independente de que ação seja. Por exemplo, se um indivíduo doreme, apesar dos desejos do corpo, isso é um esforço.

                O principal problema, no entanto, está no fato de o indivíduo sempre antever uma recompensa pelos esforços realizados. Para superar o egoísmo, ele deve empenhar-se em fazer um esforço sem ser recompensado por isso. Portanto, deve pedir ao Criador a força necessária para fazê-lo, já que o corpo não consegue trabalhar sem recompensa. Mas, assim como um especialista que ama sua arte pensa somente nela enquanto trabalha, e não na recompensa, quem ama o Criador também deseja a força para suprimir o egoísmo. Desse modo, o indivíduo estará mais perto do Criador, porque Ele o deseja, e não porque, como resultado da proximidade, a pessoa recebe prazer ilimitado.

                Se um indivíduo não se esforçar pela recompensa, será constantemente feliz, pois quanto maiores forem os esforços que fará com a ajuda do Criador, mais felicidade haverá para ambos – para si mesmo e para o Criador. De alguma maneira, então, é como se tal indivíduo fosse constantemente recompensado.

                Por essa razão, se um indivíduo sentir que o auto melhoramento continua sendo muito difícil e que nenhum prazer deriva disso, isso é indicio de que que o egoísmo ainda está presente. O indivíduo ainda não fez a transição das massas da sociedade para aqueles poucos neste mundo que trabalham para o Criador e não para si mesmos.

                Mas aquele que sente quão difícil é fazer o mínimo esforço não por seu próprio bem, mas pelo bem do Criador, já está situado na metade do caminho entre as massas e os cabalistas

                As massas, porém, não podem ser educadas de modo correto, porque são incapazes de aceitar o conceito de trabalhar sem recompensa. A educação das massas é construída sobre o fundamento de recompensar o egoísmo. Por essa razão, não é difícil para essas pessoas observarem os mandamentos no sentido mais estrito e até mesmo buscar dificuldades adicionais.

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(…) continuação

                Porém, a etapa preliminar de ser simplesmente um crente é necessária para cada um. Por conseguinte, o grande cabalista Rambam (século XII) escreveu que, no começo, se ensina a cada um como às crianças. Mostra-se a eles que a observância deve ser cumprida pelos benefícios egoístas, para a recompensa no mundo vindouro. Mais adiante, quando alguns deles crescem, tornam-se mais sábios e aprendem a verdade de um Mestre; eles podem aprender gradualmente a como sair do egoísmo.

                Em geral, aquilo que uma pessoa deseja ver como resultado de suas ações chama-se recompensa, mesmo quando as próprias ações se encontram em diversas áreas. Ela não pode trabalhar sem uma recompensa, mas pode alterá-la, ao substituir o prazer egoísta pelos prazeres altruístas.

                Por exemplo, não há diferença alguma entre o prazer de uma criança com um brinquedo e o de um adulto que o recebe do espiritual. A diferença está somente na forma externa do prazer, em sua vestimenta. Mas, a fim de mudar a forma, assim como em nosso mundo, a pessoa tem que crescer.

                Então, em vez de desejar um brinquedo, ela terá o desejo pelo espiritual; assim, a forma egoísta do desejo será substituída por uma altruísta.

                É, portanto, absolutamente incorreto afirmar que a Cabala ensina a abster-se do prazer. É exatamente o contrário: segundo as leis da Cabala, uma pessoa que nega a si mesma vários tipos de prazeres deve fazer um sacrifício, como um tipo de multa, para expiar o pecado de não ter usado tudo o que o Criador concedeu aos seres humanos.

                A meta da Criação é exatamente deleitar as almas com prazer absoluto, e tal prazer só pode ser encontrado de forma altruísta. A cabala nos é dada, para que, por meio de sua ajuda, possamos nos convencer de que é necessário mudar a forma externa de nosso prazer, de modo que a verdade nos pareça doce, em vez de amarga, como parece atualmente.

                No curso de nossas vidas, somos forçados a alterar a vestimenta externa do prazer, devido a nossa idade que avança, ou por causa de nossa comunidade. Não existe uma palavra em nosso vocabulário para definir o prazer. Por outro lado, há palavras que descrevem a forma, a vestimenta e os objetos dos quais recebemos prazer: do alimento, da natureza, de um brinquedo. Descrevemos nosso esforço para conseguir prazer, segundo seu tipo, como quando dizemos, por exemplo, “gosto de peixe”.

                O prazer preferido dos que estudam a Cabala pode ser determinado pela pergunta: é a Cabala o importante para a pessoa ou é o Uno que proporciona a Cabala? A Cabala é importante porque emana do Criador? O Criador é o mais importante, ou o mais relevante é a observância das leis espirituais e a recompensa resultante de tal observância?

                A complexidade de todo o problema reside no fato de haver um caminho curto e fácil rumo à conquista da condição espiritual, mas nosso egoísmo não nos permite tomá-lo. Via de regra, tendemos a escolher o caminho difícil e tortuoso determinado por nosso egoísmo; voltamos ao ponto inicial, depois de muito sofrimento, e somente então seguimos o caminho correto.

                O caminho curto e fácil é o caminho da fé, o longo e difícil é o caminho do  sofrimento. Mas, assim como é difícil escolher o caminho da fé, é fácil segui-lo, quando escolhido.

                O obstáculo em forma de exigência de nosso próprio intelecto inferior de compreender primeiro e somente depois proceder é chamado de pedra de obstáculo ou uma pedra (“even”). Todos tropeçam nessa pedra.

                A Cabala fala somente de uma alma, a lama de qualquer um de nós, e sobre a ascensão dessa alma rumo à etapa final.

                Esta escrito na Bíblia que, quando os braços (fé) de Moisés (“Moshé”, derivado do verbo “limshoch” – puxar, tirar a si mesmo do egoísmo) se tornaram fracos, ele começou a perder a batalha contra dois inimigos (aqueles que ele pensou serem seus inimigos foram seus próprios pensamentos e desejos egoístas). Então os anciãos (seus pensamentos sábios) sentaram-no (diminuíram seu próprio intelecto) em cima de uma pedra (em cima do egoísmo) e levantaram seus braços (fé) e puseram uma pedra embaixo deles (elevaram a fè acima das demandas do bom senso egoísta), de modo que Israel triunfou (a aspiração pela ascensão espiritual).

                Também se diz que os antepassados eram adoradores de ídolos (as aspirações iniciais de uma pessoa são egoístas e têm como propósito beneficiar seu próprio corpo) e que eram fugitivos (“Sion” deriva de “yetziah”, que nos indica que, mediante as “yetziot” – fuga do egoísmo – recebe-se luz).

                No mundo de um cabalista principiante, há somente dois estados: o do sofrimento ou o da percepção do Criador.

                Porém, enquanto um indivíduo não conseguir corrigir seu egoísmo e dirigir todos os pensamentos e desejos pessoais para o bem d’Ele, o mundo à sua volta será percebido apenas como uma fonte de sofrimento.

                Mas, depois, tendo percebido o Criador, o indivíduo vê que Ele enche o mundo Consigo Mesmo, pois o mundo inteiro consiste em objetos espirituais corrigidos. Esse quadro do mundo aparece somente quando se ganha a visão espiritual. A essa altura, todo o sofrimento anterior começa a parecer necessário e agradável, porque a correção foi recebida no passado.

                Mais importante ainda, o indivíduo deve saber quem é o Mestre do mundo e deve reconhecer que tudo no mundo acontece somente de acordo com Seus desejos, apesar de o corpo, por meio da vontade d’Ele, professar constantemente que tudo neste mundo acontece por acaso.

                Não obstante, apesar do corpo, um indivíduo deve acreditar firmemente que todas as ações neste mundo são seguidas ou por um castigo ou por uma recompensa. Por exemplo, se a pessoa sente de repente um desejo de se elevar espiritualmente, pode parecer que isso seja mero acaso. Depois de pedir a ajuda ao Criador para que ela aja de maneira apropriada, não recebe nenhuma resposta imediata, e, devido a isso, não dá importância suficiente às orações passadas, que já foram esquecidas. Mas o desejo é a recompensa pelas boas ações anteriores; o ato de pedir ajuda ao Criador a agir corretamente.

                OU se a pessoa declara que, na etapa em que se encontra, quando se sente espiritualmente elevada, não tem outras preocupações na vida, exceto as sublimes, deve entender que: 1) esse estado foi enviado pelo Criador como resposta a orações passadas; e 2) por meio de tal afirmação, ela proclama que o eu é capaz de trabalhar de maneira independente.

                Isso significa que a ascensão espiritual do individuo depende das ações pessoais, em vez das do Criador. Mais ainda, se, durante os estudos, a pessoa de repente começar a perceber o objeto de aprendizagem, uma vez mais deve reforças o fato de que isso não é acidental, mas que o Criador a enviou a esse estado.

                Assim, enquanto estudamos, devemos nos colocar na posição de dependência da vontade do Criador, de modo que possamos fortalecer nossa fé na providência superior. Tornando-nos dependentes d’Ele, formamos uma ligação com Ele, o que poderá nos conduzir à união absoluta com Ele.

                Há duas forças contrárias que agem sobre nós: a força altruísta, que professa que, neste mundo, o principal propósito deve ser viver a vontade do Criador e que tudo deve ser em Seu benefício; e a força egoísta, que sustenta que, neste mundo, tudo foi criado para os seres humanos e por causa deles.

                Apesar da força altruísta superior prevalecer de qualquer maneira, existe o longo caminho do sofrimento. Porém, existe também um caminho curto – a Cabala.

                Cada pessoa deve esforçar-se em encurtar o caminho e o tempo para a autocorreção, voluntária e radicalmente; do contrário, será forçada, involuntariamente, a aceitar o caminho do sofrimento para chegar ao mesmo destino. O Criador a forçará, inevitavelmente, a aceitar os meios da Cabala.

                O sentimento mais natural de uma pessoa é o amor por si mesma, que se personifica, em última instância, nos recém-nascidos e nas crianças. Mas não é menos natural  o sentimento de amor por outro ser nascido fruto do amor por si mesmo, o que proporciona incontáveis temas para a arte e a poesia. Não há uma explicação científica para o amor e para os processos que o causam.

                Em nossas vidas, todos já nos encontramos mediante esse fenômeno natural, inerente, do amor mútuo, do seu surgimento e, depois, estranhamente, de seu declive. Justamente no caso do amor mútuo, quanto mais forte for o sentimento, mais rápido passará.

                Inversamente, a sensação de languidez de uma pessoa com frequência estimula uma sensação muito intensa na outra, mas um retorno repentino de emoção pode diminuir o sentimento original do amor. Esse paradoxo pode ser observado nos exemplos de vários tipos de amor: entre os sexos, entre pais e filhos, etc.

                Mais ainda: pode-se dizer que, se uma pessoa demontra um grande amor pou outra, uma não dá à outra a oportunidade de desejá-la e amá-la mais intensamente. Isto é, a demonstração do grande amor não permite à pessoa amada responder de acordo com toda a magnitude de seus sentimentos; ao contrário, transforma gradualmente os sentimentos de amor em ódio. Isso se deve ao fato de que quem é amado já não teme perder quem ama, de quem experimenta amor incondicional eterno.

                Mas, se em nosso mundo alguém raras vezes recebe a oportunidade de amar outra pessoa, mesmo que de forma egoísta, não é surpreendente que o sentimento de amor altruísta seja totalmente estranho e inatingível para nós. Posto que é justamente esse amor o conferido a nós pelo Criador, Ele encobre Seu sentimento até que desenvolvamos as qualidades necessárias para responder a Ele com uma reciprocidade completa e constante.

                Enquanto não sentirmos nenhum amor por nós mesmos, aceitaremos qualquer amor. Mas, assim que recebermos o amor e nos sentirmos saciados com ele, começaremos a ser mais seletivos e a desejar somente os sentimentos de grande intensidade incomum.

                E nisso reside a possibilidade de aspiração constante de aumentar a força do amor pelo Criador. Um amor mútuo, firme e constante, somente será possível, se não depender de nada.

                Por essa razão, o amor do Criador oculta-se de nós e se revela gradualmente na consciência do cabalista, na medida em que este puder livrar-se do egoísmo – a única causa da diminuição do sentimento de amor mútuo em nosso mundo.

                Fomos criador egoístas, a fim de desenvolvermos a capacidade de ampliar os limites de nossos próprios sentimentos ao nos permitir perceber cada vez mais o amor do Criador, que se revela. Somente percebendo o amor do Criador, desejando unir-se a Ele, ansiaremos por ser libertados do egoísmo – o inimigo comum. Pode-se dizer que o egoísmo é o terceiro no triângulo da Criação (o Criador, nós e o egoísmo), sendo nos permitido escolher o Criador.

                Mais ainda, todos os atos do Criador, a meta final da Criação e todas as Suas ações, independentemente da maneira como as vemos, são formadas com base nesse amor constante e absoluto. A luz que emana do Criador – a que construiu todos os mundos e nos criou, uma microdose do que se encontra em nossos corpos e constitui nossa vida – lembra-nos o que serão nossas almas depois da correção. Essa luz é a sensação de Seu amor.

                A razão de nossa Criação é um simples desejo de criar o bem, um desejo de amar e de gratificar, um simples desejo de altruísmo – portanto, incompreensível para nós – o desejo de que nós, objetos de Seu amor, experimentemos este amor em sua totalidade e nisso encontremos satisfação, como também em nossos próprios sentimentos de amor por ele. Somente a sensação simultânea desses dois sentimentos, tão contraditórios em nosso mundo, concede-nos esse prazer absoluto, que é a meta do Criador.

                Toda nossa natureza pode ser descrita com uma única palavra: egoísmo. Uma das mais claras expressões do egoísmo é a percepção do próprio eu do indivíduo. Um indivíduo pode tolerar qualquer coisa, exceto a sensação de humilhação pessoal. Com o propósito de evitá-la, com frequência uma pessoa está disposta a morrer.

                Em todas as circunstâncias, seja pobreza, derrota, seja perda ou traição, sempre procuramos encontrar – e realmente o fazemos – causas e razões estranhas, além de nosso controle, responsáveis por nossa condição. Senão, jamais seríamos capazes de nos exonerarmos a nossos olhos e aos dos outros, o que nossa natureza jamais permitirá.

                Nunca permitirá que nos humilhemos, porque, assim, uma parte da Criação, percebida por nós como eu, será destruída e afastada do mundo.

                Por essa razão, a destruição do egoísmo é impossível e só pode ser conseguida com a ajuda do Criador. Só pode ser substituída de forma voluntária, ao elevarmos, acima de todo o resto, a importância da meta da Criação em nossa perspectiva.

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23 – TRABALHO ESPIRITUAL

                O fato de pedirmos ao Criador as percepções espirituais, mas não Lhe pedirmos que solucione os diversos problemas de nossas vidas diárias indica quão fraca é nossa fé na onipotência e onipresença do Criador. Isso também indica nossa falta de compreensão no fato de que todos os nossos problemas são enviados a nós com um único propósito: para que nós mesmos os tentemos resolver.

                Ao mesmo tempo, devemos pedir-Lhe que nos ajude a resolvê-los, mas acreditando que cada problema nos é enviado para fortalecer nossa fé em sua unicidade. Se realmente acreditamos eu tudo depende do Criador, então devemos nos voltar para Ele, mas não com a esperança de que Ele resolva nossos problemas.

                Em vez disso, devemos utilizar esses problemas como oportunidades para nos tornarmos dependentes do Criador.

                 Para que não nos enganemos com nossos motivos pessoais, devemos ao mesmo tempo lutar sozinhos contra esses problemas, como fazem os outros à nossa volta.

                A descensão espiritual é enviada pelo Divino para facilitar o subsequente crescimento espiritual. Por ser enviado do Alto, chega-nos instantaneamente, revela-se em um vislumbre, e assim, quase sempre nos encontra desprevinidos.

                Mas a saída desse estado, a ascensão espiritual, ocorre lentamente, como a recuperação de uma doença, porque devemos captar por completo a condição de deterioração e por nós mesmos procurar superá-la.

                Se, durante nossa ascensão espiritual, pudermos analisar nossas próprias qualidades negativas, unir a linha esquerda com a direita, então conseguiremos evitar muitas descensões espirituais, saltando por cima delas, por assim dizer. Mas somente aqueles entre nós, capazes de se manter na linha direita, isto é, capazes de justificar as ações do Criador, apesar do sofrimento egoísta, permanecerão em curso e evitarão os declives espirituais.

                Isso guarda semelhança com a regra que se resume na Bíblia sobre a guerra obrigatória (“milhemet mitzvah”) e a guerra voluntária (“milhemet reshut”): a obrigatória é contra o egoísmo; a guerra voluntária acontece, se um indivíduos for capaz e desejar fazer o esforço pessoal.

                Nosso trabalho interno em nós mesmos, na luta por superar o egoísmo, por elevar o Criador acima de todo o resto, por fortalecer nossa fé no Seu domínio, tudo isso deve ser encoberto, assim como os demais estados espirituais que experimentamos.

                Além disso, não se deve aconselhar os outros sobre a maneira de agir. Quando notamos que um indivíduo dá mostras de egoísmo, ele é quem deve interpretar tais sinais, pois não há ninguém no mundo além do Criador. Isso significa que tudo o que a pessoa vê e sente é resultado direto do desejo d’Ele de que esses aspectos sejam vistos e sentidos pela pessoa em questão.

                Tudo o que nos cerca foi criado somente para nos fazer reconhecer que é necessário pensar constantemente no Criador, pedir-Lhe que modifique as condições materiais, físicas, sociais e outras da Criação.

                Cada um de nós possui um número infinito de deficiências, todas provenientes de nosso egoísmo, do desejo de sermos gratificados e de obtermos conforto em qualquer circunstância. A coleção de admoestações (“mussar”) refere-se à maneira como devemos lutar contra cada deficiência e explica cientificamente seus métodos.

                A Cabala, mesmo para os principiantes, introduz-nos no reino das forças espirituais superiores e permite a cada um de nós compreender a diferença entre nós mesmos e os objetos espirituais. Desse modo, por meio de si mesma, a pessoa aprende quem é e no que deve se transformar.

                Assim, a necessidade de uma formação secular desaparece por completo, em especial por que não produz os resultados desejados. Ao presenciar em nós mesmos a luta entre duas forças – a egoísta e a espiritual – gradualmente forçamos o corpo a desejar a substituição de nossa própria natureza por uma espiritual, de nossas próprias qualidades pelas do Criador, sem a pressão externa de nossos mentores.

                Em vez de corrigir cada um de nossos defeitos, como o sistema do “mussar” sugere, a Cabala propõe que corrijamos nossos egoísmos como a fonte de todo o mal.

                 Nós experimentamos o passado, o presente e o futuro no presente. Em nosso mundo, os três são percebidos no presente, mas como três sensações diferentes, que se produzem como resultado de nossas mentes, que ordenam tais noções de acordo com seus próprios quadros internos, produzindo, assim, uma impressão de tempo.

                Na linguagem da Cabala isso se define como a diferença entre os diversos efeitos de luz-prazer. O prazer que se sente em determinado momento é considerado o presente. Se seu impacto interno e direto em nós já hover passado, se o o prazer tiver ido embora, brilhar de longe e o sentirmos como distante, então o percebemos como passado.

                Se houver uma cessação de luz quando o prazer tiver nos deixado, se não o recebermos mais, então nos esqueceremos por completo de sua existência. Mas, se deixar de irradiar luz ao longe, então se transformará no passado esquecido que acabamos de relembrar.

                Se ainda não tivermos experimentado certa luz-prazer e ela de repente aparecer à distância diante de nossos sentidos, esta será percebida por nós como futuro (a luz da confiança).

                Em outras palavras, percebemos o presente como uma aquisição interna, como uma luz, como informação e como prazer, ao passo que percebemos o passado e o futuro como o resultado do resplendor externo e distante do prazer recordado ou previsto. Mas, de qualquer maneira, não vivemos no passado nem no futuro, somente no momento atual, percebendo os diversos tipos de luz, que são interpretados como épocas ou tempos diferentes.

                Se não experimentamos nenhum prazer no present, buscamos a fonte que pode nos dar no futuro; aguardamos o momento seguinte, que trará consigo uma sensação diferente. Nossos esforços no automelhoramento consistem em atrair a luz externa e distante para dentro de nossas percepções presentes.

                Há duas forças que agem sobre nós: o sofrimento, que nos empurra por trás; e os prazeres, que nos tentam e nos puxam para a frente.

                Em geral, uma única força não é suficiente. A simples previsão do prazer futuro não é o bastante para fazer avançar, pois, se tivermos que fazer um esforço para progredir, fatores como a ociosidade ou o medo de perder o que já possuímos podem entrar em jogo.

                Por essa razão, é necessário ter uma força que trabalhe por trás – o sentido do sofrimento no estado atual. Todos os erros provêm de um erro categórico – o desejo de participar do prazer.

                Em geral, aqueles que cometem tais erros não se orgulham do fato de não terem podido resistir à tentação, do fato de terem sido mais fracos que a atração. Somente o prazer da raiva concede-lhes uma sensação de orgulho evidente, porque isso comprova sua retidão. É esse orgulho que os faz decair de imediato. Portanto, a cólera é a mais poderosa expressão do egoísmo.

               Quando experimentamos sofrimento material, corporal ou espiritual, deveremos lamentar o fato de o Criador nos ter concedido tal castigo. Se não o lamentarmos, então não será um castigo, posto que é um sentimento de dor e arrependimento por uma condição que não podemos superar, seja de falta de saúde, seja de necessidades materiais etc. Se não experimentarmos dor por nossa condição, significa que ainda não teremos recebido o castigo enviado pelo Criador. Posto que qualquer castigo é a correção da alma, ao não experimentá-lo, perdemos uma oportunidade de correção. Mas quem experimentar o castigo e for capaz de rogar ao Criador para que lhe alivie o sofrimento experimentará um automelhoramento até maior do que o que seria possível se o sofrimento tivesse sido suportado sem a oração.

                A razão disso pode ser encontrada no fato de que o Criador nos dá o castigo por razões totalmente diferentes das que induzem ao castigo em nosso mundo. O castigo não nos é dado por agirmos de maneira contrária à Sua Vontade, mas para formar um vínculo com Ele, para nos forçar a nos dirigirmos a Ele e nos aproximarmos d’Ele.

                Portanto, se rogarmos ao Criador para que alivie nosso sofrimento, isso não deve ser interpretado como pedir ao Criador que nos alivie do automelhoramento. Oferecer uma prece para formar uma ligação com ele é um passo de progresso incomparavelmente maior do que o conseguido por meio sofrimento.

                “Estás forçado a nascer, forçado a viver e forçado a morrer.” Assim acontece em nosso mundo.

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(…) continuação

                Mas tudo o que ocorre em nosso mundo é o resultado dos acontecimentos que ocorrem nos mundos espirituais. Porém, não existe nenhuma analogia direta, nem semelhança, entre os dois reinos.

                Somos obrigados, contra os desejos do corpo, a nascer espiritualmente a receber as primeiras sensações espirituais (“estás forçado a nascer”), o que implica no começo da separação de nosso próprio eu, a qual o corpo jamais aceita de forma voluntária

                Tendo recebido do Divino os órgãos espirituais de ação e percepção (“kelim”), começamos a levar uma existência espiritual e a atender nosso novo mundo.

                Mas, mesmo nesse estado, seguimos contra o desejo do corpo de participara dos prazeres espirituais (“estás forçado a viver”). Por fim, sermos obrigado a fazer parte de nossa mundana vida diária é por nós percebido como a morte espiritual (“estás forçado a morrer”).

                Em cada geração, os cabalistas, por meio de seus esforços e livros de Cabala, criam melhores condições para alcançar a meta final: aproximar-se do Criador.

                Antes do grande Baal Shem-Tov, somente uns poucos podiam alcançar essa meta. Depois dele, como resultado de seu trabalho, até os simples estudiosos da Cabala também podiam alcançar a meta final.

                Hoje, como resultado do trabalho de Baal HaSulam e do rabino Yehuda Ashlag, toda pessoa, neste mundo, que desejar captar a meta da Criação pode conseguir.

                O caminho da Cabala e o do sofrimento diferenciam-se no fato de que o indivíduo percorre o do sofrimento somente até perceber que é mais rápido e mais fácil seguir o da Cabala.

                O caminho da Cabala é o processo pelo qual recordamos o sofrimento que já experimentamos e que poderia nos acontecer mais uma vez. Assim, não há necessidade de voltar a vive-lo, porque sua lembrança é suficiente para nos conscientizarmos disso e para escolher a forma correta de agir.

                A sabedoria está em analisar tudo o que acontece e em reconhecer que a fonte de todo o nosso sofrimento é o egoísmo.

                 Com o resultado, precisamos agir de modo a evitar entrar no caminho do sofrimento por meio do egoísmo. Tendo rejeitado voluntariamente o egoísmo, devemos aceitar os caminhos da Cabala.

                Os cabalistas sentem que o mundo inteiro foi criado somente para seu uso, a fim de os ajudar a atingir suas metas. Todos os desejos que recebem daqueles que os cercam sevem apenas para que avancem, porque eles rejeitam de imediato a idéia de usa-los para benefício pessoal.

                Quando a pessoa vê o negativo em outros é porque ainda não está livre de deficiências, e, como resultado, percebe a necessidade do melhoramento pessoal. Em vista disso, o mundo inteiro foi criado para facilitar a ascensão dos seres humanos, porque isso lhes permite observar suas próprias deficiências.

                Somente sentindo as profundezas de nossa própria deterioração espiritual, junto ao sentido de distância infinita proveniente do que desejamos ardentemente, poderemos captar o milagre feito pelo Criador quando Ele nos eleva deste mundo para Si Mesmo, para o mundo espiritual.

                Que presente imenso nos deu o Criador! Somente das profundezas de nossa própria condição poderemos apreciar totalmente esse presente e responder com o amor verdadeiro e o desejo de unidade.

                É impossível obtermos qualquer tipo de conhecimento, sem fazer o esforço para obtê-lo. Isso, por sua vez, dá lugar a duas consequências: a conscientização da necessidade de conhecimento, que é proporcional aos esforços empregados para adquiri-lo, e a compreensão de que a responsabilidade de adquiri-lo é nossa.

                Assim, o esforço evidencia duas condições indispensáveis na pessoa: o desejo em nossos corações e os pensamentos ou preparação mental para captar e compreender o novo. Por essa razão, somos incitados a nos esforçarmos; de fato, é essencial.

                Isso é tudo o que realmente depende de nós, porque o conhecimento em si é concedido pelo Divino, e não temos nenhuma influência sobre seu aparecimento. Na aquisição de conhecimento e de percepção espirituais, recebemos do Divino somente o que pedimos e o que estamos preparados internamente para receber.

                Mas, o pedirmos que o Criador nos conceda algo, não estamos usando nossos desejos, nossos próprios egos? Podem tais solicitações serem atendidas por Ele, por meio de nossa elevação espiritual? Mais ainda: como podemos pedir algo que nunca experimentamos?

                Se solicitarmos ser libertados de nossos egos – a fonte de todo sofrimento – ou se pedirmos qualidades espirituais, mesmo sem saber de antemão o que são, o Criador nos concederá a dádiva que desejamos.

                Se a Cabala foca somente o trabalho espiritual que acontece em nossas mentes e corações, afirmando que nosso progresso espiritual depende exclusivamente desse fatores, então qual é a relação entre nossa observância dos rituais religiosos e a meta da Criação?

                Devido ao fato de todos os mandamentos da Bíblia serem realmente descrições das ações espirituais de um cabalista enquanto se encontra nos reinos superiores, então observando-os fisicamente em nosso mundo – embora não tenha nenhum impacto nos mundos espirituais -, estamos realizando fisicamente a vontade do Criador.

                Sem dúvida, o desejo do Criador é elevar Suas criações espiritualmente até o Seu próprio nível. Mas a transmissão dos ensinamentos de geração a geração, o cultivo do solo do qual alguns grandes e prezados seres surgirão, só é possível quando as massas realizam certas tarefas.

                O que foi dito antes é um reflexo de nosso próprio mundo. A fim de que um grande erudito prospere, é necessário que todos os demais também o façam. A transmissão da sabedoria de geração em geração requer que certas condições sejam estabelecidas. Isso inclui a fundação de instituições acadêmicas nas quais o ser grandioso do futuro possa ser criado e educado. Assim, cada um participará das conquistas desse erudito, e depois poderá desfrutar do fruto de seu trabalho.

               O cabalista, tendo sido formado, junto com seus colegas, em um ambiente no qual a observância dos mandamentos é mecânica e a fé no Criador é simples, continua crescendo espiritualmente, ao passo que seus colegas permanecem nos níveis iniciais do desenvolvimento espiritual. Não obstante, eles, como o restante da humanidade, participam inconscientemente do trabalho do cabalista e, portanto, sem perceber, fazem parte de uma porção de qualquer conquista espiritual que ele tenha realizado

                Mais ainda, as partes inconscientes de suas qualidades espirituais também são corrigidas inconscientemente, permitindo, assim, que, em várias gerações, os próprios colegas sejam capazes de ascender espiritualmente de uma forma consciente.

                Até dos estudantes que chegaram a estudar a Cabala (alguns por cultura geral, outros para ascensão espiritual), diz-se: “mil entram na escola, mas somente um sai para ensinar”. Porém, todos participam do êxito dessa pessoa e todos recebem sua própria porção de correção, devido sua participação.

                Tendo entrado no reino espiritual e tendo corrigido suas próprias qualidades egoístas, o cabalista experimenta de novo a necessidade dos outros. Vivendo em nosso mundo, ele recolhe os desejos egoístas de outros e os corrige, ajudando-os, assim, em algum momento no futuro, a conquistar a capacidade de envolver-se no trabalho espiritual de forma consciente.

                Se uma pessoa comum puder ajudar de alguma maneira um cabalista, até mesmo por meio da realização de tarefas puramente mecânicas, o cabalista poderá incluir os desejos pessoais dela na correção que realiza.

                Portanto, diz o Talmud que “servir a um sábio é mais útil para um discípulo que aprender com ele”.

                 O processo de aprendizagem traz consigo o egoísmo e usa nossa razão terrena, ao passo que o serviço a um sábio origina-se na fé na grandeza do sábio – sensação que o estudante não pode perceber. Portanto, o serviço do discípulo é muito mais próximo, em essência, das qualidades espirituais, e, como consequência, é preferível para o estudante.

                Como resultado, quem esteve mais perto de um Mestre e melhor o serviu conquistou uma maior oportunidade para a ascensão espiritual. Com relação a isso, dizem os cabalistas que o caminho da Cabala não é herdado, mas transmitido de Mestre a discípulo. Assim foi em todas as gerações, até a atual.

                Porém, a geração atual caiu tão baixo espiritualmente que até seus líderes transmitem – pela via da linhagem familiar – seu conhecimento, posto que todo ele está em um nível corporal. Por outro lado, os que formaram uma ligação espiritual com o Criador e com os discípulos transmitem seu legado somente aos que podem recebe-lo, isto é, a seus discípulos mais próximos.

                Quando experimentarmos obstáculos em nosso avanço rumo ao Criador, deveremos pedir-Lhe:

                1 – Que retire todos os obstáculos que Ele Mesmo via, de modo que possamos superá-los por nossos próprios meios e que não precisemos de maiores forças espirituais do que as que possuímos no momento.

                2 – Que nos conceda um desejo maior pela compreensão espiritual e nos comunique a importância da ascensão espiritual. Então, os obstáculos não poderão nos deter no caminho rumo ao Criador.

                Nós, como indivíduos, estamos dispostos a renunciar a tudo no mundo por nossas vidas, se elas nos forem valiosas. Por essa razão, devemos pedir-Lhe que nos conceda o gosto pela vida espiritual, para que nenhum obstáculo possa nos dissuadir.

                Um desejo espiritual implica um desejo de dar e utiliza o desejo somente para o prazer dos outros. O desejo de satisfazer a si mesmo está ausente no reino espiritual. O mundo material é diametralmente oposto ao mundo espiritual.

                Mas, se não existe um denominador comum ou qualidades comuns entre o espiritual (o altruísmo) e o material (o egoísmo), como a pessoa pode corrigir o egoísmo? A luz espiritual, capaz de transformar o egoísmo em altruísmo, não pode penetrar um desejo egoísta.

                A razão pela qual o mundo não percebe o Criador é porque a Sua luz penetra os objetos somente na medida em que as qualidades destes correspondem às qualidades da luz.

                Somente a luz do Criador pode transformar um recipiente egoísta em um espiritual, penetrando-o. Não há outra maneira. Portanto, ele criou os seres humanos, primeiro, para que, sob a influência das forças egoístas, existam e recebam tais qualidades delas, as quais os separariam do reino espiritual; depois, sob a influência das forças espirituais, chegariam ao nível espiritual.

                Por fim, enquanto trabalham com seu próprio centro espiritual no coração, com a ajuda da Cabala, deve corrigir os desejos que receberam das forças do ego.

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24 – FÉ

                Conta a Bíblia que Abrão declarou que Sara era sua irmã, e não sua esposa, porque temia que o matassem e para que, assim, ela ficasse disponível para outros

                Pelo fato de a Cabala igualar o mundo inteiro a uma só pessoa, pois a alma foi dividida em 600 mil partes simplesmente com a finalidade de simplificar a conquista da meta final, Abrão personifica a em nós.

                Uma esposa é permitida somente ao marido, ao contrário de uma irmã, que é proibida somente ao irmão, mas não para outros. Abrão viu que ele mesmo (a fé) era o único (a única qualidade dos seres humanos) capaz de transformar Sara na base da vida.

                Ele também percebeu que outros homens (outras qualidades da pessoa) poderiam prejudica-lo (à fé), porque tinham sido cativados pela beleza de Sara e desejavam possuí-la eternamente para o bem de seu próprio ego. Por essa razão, Abrão declarou Sara (a meta da Criação) como sua irmã, de modo que não fosse proibida para outros homens (as qualidades de uma pessoa). Como consequência, enquanto a correção de uma pessoa não for concluída, a Cabala poderá ser empregada somente para benefício próprio.

                A diferença entre todos os reinos espirituais e o nosso mundo é que tudo o que pertence aos reinos espirituais é parte do Criador e assumiu a forma de uma escada espiritual para tornar fácil a ascensão dos seres humanos. O nosso mundo egoísta, por outro lado, jamais foi parte do Criador, mas gerado da inexistência, e desaparecerá depois da ascensão da última alma para o interior do reino espiritual. Por essa razão, todo tipo de atividade humana transmitida de geração em geração, assim como tudo o que é produzido materiais deste mundo, está destinado a desaparecer.

                Pergunta: a primeira criação recebeu toda a luz e a rejeitou, para não se sentir envergonhada; como tal estado pode ser considerado próximo do Criador, se se supõe que uma sensação desagradável significa o distanciamento d’Ele?

                Resposta: em tal estado espiritual, o passado, o presente e o futuro fundem-se em uma totalidade. A criação não experimentou o sentimento de vergonha porque decidiu atingir a unidade com o Criador por seus próprios desejos e, desse modo, experimentou ao mesmo tempo a decisão e suas consequências.

                A confiança e a sensação de falta de perigo resultam do efeito da luz circundante (“Ohr Makif”) e da percepção do Criador no presente. Mas, devido ao fato de o indivíduo ainda não ter gerado as qualidades corrigidas apropriadas, o Criador não é sentido como a luz interna (“Ohr Pnimi”), mas como a luz circundante

                A confiança e a fé são conceitos similares. A fé é a disposição psicológica para sofrer por uma meta.

                 Não há obstáculos para os desejos de uma pessoa, salvo a fadiga e a falta de paciência para desenvolver o esforço necessário. Assim, uma pessoa forte é a que possui a confiança, a paciência e a força para sofrer. A pessoa fraca é a que sente falta de tolerância com o sofrimento e se dá por vencida assim que sente a pressão do sofrimento.

                Para poder perceber o Criador, são necessários o intelecto e a força. Sabe-se que, para conseguir algo altamente valioso, a pessoa precisa empregar grande esforço e experimentar enormes sofrimentos. A quantidade de esforço que investimos determina, de acordo com nosso ponto de vista, o valor do objeto que tentamos alcançar.

                O grau de nossa paciência significa nossa força na vida. Até os 40 anos de idade, estamos no topo de nossa força de vida, ao passo que, depois disso, esta força diminui junto com nossa capacidade de acreditar em nós mesmos, até que nossa confiança em nós mesmos e a fé desaparecem totalmente no momento de nossa saída desta vida.

                Pelo fato de a Cabala ser a sabedoria mais elevada e uma aquisição eterna de conhecimento, em contraste com as demais aquisições deste mundo, temporárias e transitórias, naturalmente ela exige os maiores esforços de nós, porque “nos compra” o mundo. Tendo captado a Cabala, poderemos captar a fonte de todas as ciências em seu verdadeiro estado e totalmente revelado. Em si, isso demonstra que tipo de esforço é necessário, pois sabemos o quanto é preciso para captar uma única ciência, mesmo no mais ínfimo contexto no qual a entendamos.

                Recebemos as verdadeiras forças sobrenaturais requeridas para captar a Cabala do Divino, e assim somos capazes de suportar o sofrimento no caminho rumo à conquista dessa sabedoria. Nesse momento, receberemos a confiança em nós mesmos e a força de vida necessária para compreende-la por nós próprios.

                Mas não podemos superar todos os obstáculos sem a clara ajuda do Criador (a Sua ajuda obscurecida é evidente pelo fato de Ele sustentar a vida de cada criação). A fé é a força que determina o quão pronto estamos para agir.

                No começo de nossos caminhos, carecemos da capacidade de perceber o Criador, pois não temos nenhuma qualidade altruísta. Não obstante, começamos a sentir a existência de uma força suprema e onipotente, que governa o mundo, e dirigimo-nos para ela em momentos de absoluto desespero. Por instinto, assim fazemos.

                O Criador nos dá essa qualidade especial, para que, mesmo com uma formação e perspectiva anti-religiosa, possamos começar a descobri-lo, ainda que a partir do estado de absoluta ocultação.

                Observamos gerações de cientistas revelando os mistérios da natureza, e, se empreendêssemos um esforço similar para descobrir o Criador, Ele se revelaria a nós na mesma pedida em que tais mistérios da natureza são descobertos. De fato, todos os caminhos da busca da humanidade conduzem-nos por meio da revelação dos mistérios da natureza.

                Mas onde estão os cientistas que pesquisam a meta da Criação? Em geral, são exatamente os cientistas que negam a existência do domínio superior. A razão de sua negação está no fato de o Criador ter-lhes concedido somente a capacidade de raciocinar e de dedicar-se exclusivamente à pesquisa e inovação material. Mas, então, justamente por essa razão, e apesar de todas as ciências, o Criador coloca-nos uma fé instintiva. A natureza e o universo parecem negar a existência do domínio superior; assim, os cientistas não possuem o poder natural da fé.

                Além disso, a sociedade espera resultados materiais dos trabalhos dos cientistas, os quais obedecem instintivamente a tal expectativa. Pelo fato de as coisas mais preciosas deste mundo existirem em quantidade mínimas e serem encontradas somente por meio de grande esforço, e sendo a revelação do Criador a mais difícil de todas as descobertas, é natural que um cientista procure evitar falhas e não empreenda a tarefa do O revelar.

                Por conseguinte, a única maneira de nos aproximarmos para percebê-Lo é cultivar a fé em nós, independente da opinião das multidões. O poder da fé não é maior que os demais poderes inerentes à natureza humana – todos eles são resultado da luz do Criador. A qualidade específica que diferencia o poder da fé de todos os demais é que ele tem o potencial de nos levar ao contato com o Criador.

                O processo de perceber o Criador é comparável ao processo de conquistar conhecimentos.

                 No início, aprendemos e compreendemos. Depois, começamos a aplicar o que estudamos.

                Como sempre, é difícil no começo, mas os frutos são obtidos apenas por quem atinge o objetivo final: a entrada no mundo espiritual. A essa altura, conquistamos o ilimitado prazer de perceber o Criador e, por conseguinte, adquirimos o conhecimento absoluto de todos os mundos e de quem os habita, assim como a circulação das almas em todos os tempos e estados, desde o princípio da Criação até seu fim.

Algumas observações de trechos

“(…) a pessoa precisa empregar grande esforço e experimentar enormes sofrimentos em nós(…)”

O sofrimento só é causado pela persistência nos prazeres materiais, assim desta forma a pessoa só estará liberta quando abrir mão destas coisas como coisas fundamentais. Pois estando-se em unidade com o TODO, todas estas coisas materiais lhe serão dadas em abundância e na quantidade devida. Por tanto para os que são donos de sua “Fé” ilimitada, tal sofrimento não existe, pois mesmo passando certa privacidade de coisas, sua fé os sustentam, de forma que não padecem de forma alguma.

“(…) e a fé desaparecem totalmente no momento de nossa saída desta vida(…)”

Se a pessoa é um caminhante da fé, e tem esclarecido em si todos os Princípios, partirá desta vida em plenitude, tal como, foi o caso de Abraão

“(…)A natureza e o universo parecem negar a existência do domínio superior(…)”

Na verdade, a Natureza em si mesma já é uma demonstração do próprio Criador. Tanto em sua grandeza como em toda sua perfeição. Assim como o vasto e desconhecido universo, são uma pequena fração da enormidade do Criador

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25 – O PROCESSO DE SE ACOPLAR AO CRIADOR

                A Criação, uma ação altruísta, é a saída do egoísmo. Consiste em estabelecer um limite, ou uma tela (“masach”), ao prazer que chega na forma de uma luz espiritual. Essa tela reflete o prazer de volta à Fonte. Ao fazê-lo, limitamos voluntariamente nosso potencial para o prazer, e definimos, assim, o porquê de aceitarmos o prazer não para nós mesmos, mas sim para a meta da Criação.

                O Criador deseja dar-nos prazer; portanto, deleitando-nos com ele, em troca agradamos ao Criador. E essa é a única razão pela qual nos damos o gosto desse prazer. Decidimos, por nós mesmo, que o prazer recebido deve depender de beneficiarmos o Criador, e portanto, de termos a força de vontade para resistir à sua direta recepção.

                Nesse caso, nossas ações e forma das ações do Criador coincidem, e, além do prazer original, também experimentamos outro grande prazer, produto da fusão de nossas qualidade com as do Criador: Sua grandeza, Sua força, Seu poder, Seu conhecimento absoluto e Sua ilimitada existência.

                O nível de nossa maturidade espiritual é determinado pelo tamanho da tela que podemos construir no caminho do prazer egoísta: quanto maior for nosso poder de ir contra os interesses pessoais, mais alto será o nível alcançado e maior será a luz que receberemos em favor do Criador.

                Todos os nossos órgãos de percepção são construídos ao entrarem em contato com a informação que nos chega por meio da audição, da visão, do olfato, etc., quando, então, podemos interpretá-la. Enquanto o sinal não estabelecer contato com essas barreiras, não podemos sentir nem interpretar a informação. Todos os nossos instrumentos de medida funcionam segundo essa lei fundamental.

                As leis de nosso mundo são simplesmente consequências das leis espirituais. Assim, novos fenômenos são revelados em nosso mundo e, portanto, também nossa primeira revelação do Criador e, depois, cada subsequente percepção Dele dependem exclusivamente do tamanho do limite que somos capazes de erguer.

                No reino espiritual, esse limite é conhecido como vaso (‘kli”). O que realmente percebemos não é a luz em si, mas sua interação com o limite no caminho de sua difusão, que deriva da influência dessa luz sobre o “kli” espiritual de um ser humano. Similarmente, em nosso próprio mundo, não percebemos o fenômeno em si, mas apenas o resultado de sua interação com nossos órgãos de percepção ou com nossos instrumentos.

                O Criador dotou certa parte de Si mesmo com um desejo egoísta de prazer, o desejo que Ele Mesmo criou. Em consequência disso, essa parte deixou de percebê-Lo e sente somente a si mesma, seu próprio estado, seu próprio desejo. Essa parte chama-se alma.

                Essa parte egoísta é também uma parte do Criador, posto que somente Ele existe e não há espaço que não seja preenchido por Ele. Porém, devido ao fato de o egoísmo sentir somente seus próprios desejos, não percebe o Criador.

                A meta da Criação é fazer com que essa parte escolha retornar ao Criador por sua própria vontade e sua própria decisão, para que, assim, volte a ser igual a Ele em suas qualidades.

                O Criador controla totalmente o processo de levar a parte egoísta a se unir com Ele. Esse controle do externo, no entanto, é imperceptível. O desejo do Criador manifesta-se no desejo que emana das profundezas da parte egoísta de se fundir com Ele, e com Sua própria ajuda oculta.

                A fim de simplificar esse problema, o Criador dividiu o egoísmo em 600.000 partes. Cada uma dessas partes resolve o problema de rejeitar o egoísmo gradualmente, chegando lentamente a percebê-lo como malévolo, por meio do processo repetitivo de adquirir qualidades egoístas e por causa delas sofrer.

                Cada uma dessas 600 mil partes da alma é conhecida com a alma de um ser humano. O período de fusão com o egoísmo é conhecido como a vida de um ser humano. Uma ruptura temporária da conexão com o egoísmo é conhecida como a existência nos reinos espirituais superiores. O momento em que a alma adquire qualidades egoístas é conhecido como o nascimento de um ser humano em nosso mundo.

                Cada uma das 600 mil partes da alma coletiva deve, depois de uma série de fusões com o egoísmo, optar por se unir ao Criador e rejeitar o egoísmo, apesar de o egoísmo ainda estar na alma, enquanto esta permanece (vestida0 em um corpo humano.

                O processo gradual de se ajustar ao Criador em qualidades; a aproximação sistemática das qualidades da alma ás do Criador é conhecida como ascensão espiritual. Esta ocorre ao longo dos níveis ou degraus conhecidos como “Sefiro“.

                No total, desde o primeiro passo da fusão com o Criador até o último, a escada espiritual consiste em 125 degraus, ou “Sefirot”. 25 “Sefirot” constituem uma etapa completa, conhecida como um mundo ou um reino. Além de nosso próprio estado – nosso mundo –, há mais cinco mundos.

                A meta da parte egoísta, neste mundo, é alcançar as qualidades do Criador, ainda que o egoísmo exista em nós. Desse modo, perceber o Criador em tudo o que nos cerca e dentro de nós é nosso objetivo, apesar do egoísmo.

                O desejo de unidade é um desejo natural em todos nós. É um desejo que não é influenciado por qualquer requisito prévio ou deduções, mas que é um conhecimento profundo da necessidade de unir-se ao Criador.

                No Criador, esse desejo existe como um desejo livre; na criação, funciona como uma lei natural fixa. Por Ele ter criado a natureza de acordo com Seu próprio plano, cada lei natural representa Seu desejo de ver cada ordem assumindo o seu lugar. Assim, todos os nossos instintos e desejos naturais emanam diretamente d’Ele, ao passo que as deduções que requerem cálculos e conhecimentos prévios são frutos de nossas próprias ações.

                Se desejarmos alcançar a unidade absoluta com o Criador, deveremos levar esse desejo ao nível do conhecimento instintivo, como se houvesse sido recebido do Criador junto com nossa própria natureza.

                As leis dos desejos espirituais são tais que não há lugar para os desejos incompletos ou parciais, aqueles que deixam espaço para dúvidas ou desejos não relacionados. Por essa razão, o Criador presta atenção apenas à suplica que emana de nossas próprias profundezas e que corresponde ao desejo completo do vaso espiritual, no nível em que existimos.

                No entanto, o processo de nascimento desse desejo em nossos corações ocorre lentamente e, para nós, vai se acumulando de maneira desconhecida em um nível superior ao que pode ser captado pelo mero intelecto humano.

                O Criador consolida todas as pequenas preces que fazemos em uma só; depois de receber a súplica definitiva de assistência, feita na intensidade necessária, Ele nos ajuda.

                Do mesmo modo, quando entramos na esfera de ação da luz do Criador, recebemos tudo de uma vez, porque o Provedor Supremo é eterno e não faz cálculos com base no tempo ou na circulação das vidas. Por essa razão, até o mais baixo dos níveis espirituais gera um sentido completo do eterno.

                Mas, devido ao fato de continuarmos experimentando uma série de ascensões e descensões espirituais, mesmo depois de termos alcançado o nível espiritual inicial, ainda existimos nas condições do mundo, do ano e da alma.

                A alma ativa, aquela que ainda não terminou sua própria correção, requer um espaço para se mover, que é conhecido como o mundo. A soma de todos os movimentos da alma é percebida com tempo e é conhecida como um ano.

                Até o mais baixo nível espiritual gera a sensação de completa perfeição, é em tal grau que, apenas por meio da fé acima da razão, o indivíduo entende que se elevar a um novo estado não é mais que superar a negação espiritual de um nível superior. Somente captando esse conceito, a pessoa pode ascender ainda mais até o nível espiritual que acreditou existir e que elevou acima de seu próprio sentido de perfeição.

                Nossos corpos funcionam automaticamente segundo as egoístas leis de sua própria natureza e de hábito. Se constantemente repetirmos a nós mesmos que desejamos somente a ascensão espiritual, então, no fim, a desejaremos. O corpo, em virtude desses exercícios incessantes, aceitará esse desejo como algo natural. Diz-se com frequência que um hábito transforma-se em uma segunda natureza.

                No estado de descensão espiritual, devemos nos aferra à crença de que “quando Israel esta no exílio, o Criador está com eles”.

                Quando estamos em um estado de apatia e desespero, nem mesmo o mundo espiritual nos interessa, porque tudo parece existir no nível no qual nos encontramos no momento.

                Portanto, devemos acreditar que esse sentimento não é mais que nossa consciência pessoal, pois, no momento, nos encontramos em um estado de exílio espiritual e, portanto, não temos consciência do Criador, que também está exilado de nossa percepção.

                A luz que emana do Criador passa por quatro etapas antes da Criação do egoísmo. Somente na quinta e última etapa (“Malhut”) – chamada de Criação -, é que se percebe os próprios desejos egoístas de se deleitar na luz do Criador.

                Assim, as primeiras quatro etapas são todas qualidades da luz em si, por meio da qual Ele nos cria. Aceitamos a mais alta qualidade, a da primeira etapa, ou o desejo de deleitar uma futura Criação como a qualidade do próprio Criador. No final do espectro, encontra-se a quinta etapa do desenvolvimento, ou a Criação egoísta, que deseja combater sua própria natureza e vir a ser igual à primeira etapa. Apesar das tentativas, é apenas parcialmente bem-sucedida nesse esforço.

                A primeira etapa do egoísmo, a que pode combater a si mesma totalmente, é conhecida como o mundo “Olam Adam Kadmon”.

                A segunda é o mundo “olam Atzilut”.

                A terceira, que é parte da quinta etapa e já não pode ser comparada nem com a primeira nem com a segunda etapas, é o mundo “Olam Beriah”.

                A quarta etapa do egoísmo, que também é uma parte da quinta, não tem força para manter a si mesma, se comparada com as primeiras, segunda e terceira etapas, mas pode ser parecida com a quarta etapa do desenvolvimento da Luz. É conhecida como o mundo “Olam Yetzirah”.

                A parte restante da quinta etapa não tem força alguma para desejar ser como qualquer uma das etapas anteriores. Pode resistir ao egoísmo somente passivamente, evitando receber prazer (a ação contrária à quinta etapa). É conhecida como o mundo “Olam Assyah”.

                Cada mundo tem cinco subetapas, que se chamam “Partzufim”: Kéter, Johma, Bina, Zeir Anpin e Mahjut.

                Zeir Anpin consiste em seis “sub-sefirot: Jesed, gevura, Tifferet, Netzach, Hod e Yesod.

                Depois da criação dos cinco mundos foi criado o reino abaixo do mundo de “Assiyah”, e nele foi criado o ser humano.

                O ser humano foi dotado com uma pequena porção das qualidades egoístas da quinta etapa. Quando ascendem no processo de desenvolvimento espiritual dentro dos mundos espirituais, então a parte do egoísmo que está nos seres humanos e, ainda, todas as partes dos mundos que utilizaram para sua ascensão assemelham-se à primeira etapa, à qualidade do criador.

                Quando toda a quinta etapa elevar-se ao nível da primeira, todos os mundos chegarão ao propósito da Criação.

                A causa espiritual do tempo e do espaço é a ausência de luz na alma coletiva. Em nosso mundo, as ascensões e as descensões espirituais dão origem à sensação de tempo e o lugar da futura presença da luz do Criador dá a impressão de espaço.

                Nosso mundo é afetado por forças espirituais que nos dão a sensação do tempo causada pelas mudanças em suas influências. Pelo fato de dois objetos espirituais com qualidades diferentes não poderem ser como um único objeto espiritual, eles exercem sua influência um após o outro, primeiro o mais alto e depois o inferior, e assim sucessivamente. Em nosso mundo, isso produz uma sensação de tempo.

                Somo dotados de três instrumentos para a tarefa de corrigir, com sucesso, nosso egoísmo: sentimentos, intelecto e imaginação. Com relação à matéria e à forma espirituais, a matéria é representada pelo egoísmo, e sua forma é determinada pelas forças contrárias, correspondentes a nosso próprio mundo.

                Definimos os prazeres e o sofrimento com o bem e o mal, respectivamente. Mas o sofrimento espiritual serve como a única fonte de desenvolvimento e progresso da humanidade. A redenção espiritual é a perfeição, recebida com base em fortes sensações negativas, que são recebidas como agradáveis.

                Pelo fato de a linha esquerda retornar para a direita, as desgraças, o sofrimento e as pressões transformam-se em felicidade, prazer e liberdade espiritual.

                A razão disso é que, em cada objeto, existem duas forças opostas: o egoísmo e o altruísmo, experimentados como distância ou proximidade do Criador.

                Há muitos exemplos na Biblia: os sacrifícios – de Isaac, no Templo, entre outros. Em hebraico, “korbanot” (sacrifícios) deriva de “karov” (aproximar-se de algo).                 A linha direita representa a essência do objeto espiritual, ao passo que a esquerda é, na realidade, apenas a parte do egoísmo que pode ser empregada ao acoplá-la ás intenções altruístas da pessoa.

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26 – O CONHECIMENTO DO MUNDO ESPIRITUAL

                Muito papel foi desperdiçado pelos filósofos discutindo a impossibilidade de compreender o Criador. O judaísmo, como uma doutrina fundamentada na experimentação pessoal dos cabalistas, responde à seguinte pergunta: como podemos falar sobre a possibilidade ou não de perceber o Criador, antes de poder percebê-Lo?

                Qualquer declaração definitiva implica certa medida de percepção. Portanto, primeiro é necessário definir a que se refere quando se diz que é “impossível perceber o Criador ou a infinitude”. Com base em que podemos argumentar que entendemos essas noções?

                É evidente que, quando falamos em compreender o Criador, isso significa que tal compreensão seria alcançada por nossos órgãos sensoriais e por nosso intelecto, assim como se faz ao investigar qualquer coisa em nosso mundo. Mais ainda, todos os conceitos devem ser compreensíveis a cada um em nosso mundo, assim como qualquer outro conceito que estiver sendo pesquisado. Desse modo, as ideias devem incorporar algo tangível e real, algo que possa ser discernido por nossos órgãos sensoriais.

                O limite mais próximo de percepção encontra-se nos órgãos da sensação tátil, quando estabelecemos contato direto com o limite externo do objeto. Quanto à utilização de nossa audição, já não estamos mais em contato direto com o objeto em si, mas, em vez disso, estabelecemos contato com algo intermediário que nos transmite o objeto (como o ar), que teve contato com o limite externo do objeto (como as cordas vocais de um ser humano ou a superfície oscilante que emite uma onda de som).

                Do mesmo modo, utilizamos nosso órgão espiritual de percepção para perceber o Criador. A sensação de contato com o limite externo do ser criado é conhecida como visão profética (assim como o sentido da audição) é conhecido como audiência profética.

                A visão profética é considerada a mais óbvia divulgação (assim como em nosso mundo, desejamos ver um objeto e consideramos isso como a mais completa percepção do objeto), porque entramos em contato direto com a luz que emana do próprio Criador.

                Já a audiência profética (a voz do Criador) é definida pelos cabalistas como incompreensível, diferentemente da visão profética. É igual a nossa capacidade de ouvir ondas acústicas, posto que o que realmente detectamos são os sinais do objeto espiritual intermediário que emanam do contato desse objeto com o limite externo do Criador. Interpretamos essas ondas, assim como no caso da visão profética, como ondas acústicas.

                Os cabalistas que conseguiram a compreensão profética do Criador primeiro o perceberam por meio de suas contrapartes espirituais de visão ou audição. Mais adiante, interpretaram o que perceberam. A compreensão dos fenômenos lhes deu a completa cognição, posto que é impossível compreender a natureza de um fenômeno puramente auditivo.

                Mas, assim como em nosso mundo, simplesmente ouvir é suficiente para captar as qualidades de um objeto estudado (até uma pessoa cega de nascença detecta muitas qualidades no que está a seu redor), de modo que o conhecimento espiritual derivado de ouvir é também suficiente. Isso porque, com a audição espiritual, a informação que chega contém em si todas as demais qualidades ocultas.

                O mandamento de compreender o Criador reduz-se essencialmente à percepção d’Ele por meio da visão e da audição espirituais até o ponto de termos absoluta certeza de estarmos conscientes de um contato visual e audível absoluto com Ele, que é chamado cara a cara.

                A Criação e o governo dos seres criados ocorrem mediante dois fenômenos contrários –a ocultação da onipotência do Criador e a revelação gradual de Sua onipotência -, de modo que as criações possa percebê-Lo, por meio de suas qualidades corrigidas.

                Por essa razão, um dos nomes do Criador, em hebraico, é “Maatzil”, derivado de “tzel”, sombra. Há também outro nome: “Boreh”, derivado de “bo”, venha, e “reeh”, veja. Dessas palavras derivam-se os nomes dos dois mundos: “Atzilut” e “Beriah”.

                Somos incapazes de compreender o verdadeiro estado da Criação, exceto o que nossos sentidos podem perceber, seja material ou espiritualmente.

                Nosso sentido divide tudo o que existe no mundo em vazio ou suficiência. Assim é, embora “pessoas doutas” insistam em afirmar que, na realidade, não existe o conceito de falta absoluta de tudo, ou vazio.

                Esse conceito está além de nossa compreensão, porque só podemos entender o que falta por meio de nossos sentidos. Mas somos capazes de sentir uma ausência, ou um vazio, se compararmos o que existe neste mundo com nossa situação depois de nossa morte.

                Porém, mesmo enquanto vivemos neste mundo, sentimos com se tudo o que está fora de nossos corpos estivesse de alguma maneira ausente, e realmente não existisse em absoluto. O contrário, no entanto, é justamente a verdade: o que existe fora de nós é eterno e existente; nós mesmos somos nada e desaparecemos no nada.

                Esses dois conceitos são totalmente inadequados, porque nossas sensações nos levam a acreditar que tudo o que existe esta conectado a nós, e somente assim existe, ao passo que tudo fora de nós não tem nenhum valor. Mas a razão mostra o contrário: somos nós os insignificantes, e tudo fora de nós é eterno.

26.1 – CAPTANDO NÍVEIS ESPIRITUAIS SUPERIORES

                A porção infinitamente pequena de luz superior que existe em todos os objetos, tanto animados quanto inanimados, e que determina sua existência é conhecida como a luz pequena (“Nehiro Dakik”).

                A proibição da revelação dos segredos da Cabala provém da preocupação de que possa surgir o desdém por essa sabedoria. O desconhecido produz respeito e é percebido como valioso. Essa é a natureza dos seres humanos: um pobre valoriza um centavo, mas, ao possuir um milhão, não valoriza mais o milhão e quer dois, e assim por diante.

                O mesmo padrão pode ser observado na ciência: o desconhecido gera respeito e é considerado valioso, mas, ao ser conhecido e compreendido, já não é valorizado. E, então, novos objetos desconhecidos tomam o lugar dos anteriores e se tornam objetivos a serem perseguidos.

                Por essa razão, os segredos da Cabala não podem ser revelados às massas, porque, assim que forem captados por elas, serão vistos com desdém. Porém, podem ser revelados aos cabalistas porque estes procuram ampliar seu conhecimento, assim como fazem os cientistas deste mundo.

                Por não valorizarem seu conhecimento, esse fato em si os incita a tentar entender o que continua sendo desconhecido. Portanto, o mundo inteiro foi criado para quem procura captar os mistérios do Criador. Não obstante, aqueles que detectam e alcançam a luz superior da vida que emana do Criador (“Ohr Hohmah”) não conseguem captá-Lo, nem Sua essência, no processo.

                Mas isso não é verdadeiro para os que alcançam níveis espirituais superiores. Aqueles que os percebem e a luz específica deles percebem não somente a Luz, mas também captam o Criador.

                Em nosso mundo, entendemos nossos amigos por meio de suas ações para conosco e para com os outros. Depois de nos familiarizarmos com várias de suas qualidades, tais como amabilidade, inveja, cólera, vontade de compromisso, etc., podemos afirmar que os “conhecemos”.

                Do mesmo modo, depois que um cabalista capta todas as ações e a manifestação divina nessas ações, o Criador revela-se por meio da Luz, de uma maneira totalmente compreensível.

                Se os níveis espirituais e a luz que deles emana não levam consigo a possibilidade d perceber a Ele Mesmo, então são considerados impuros. (Ele Mesmo significa, como em nosso mundo, que obtivemos a impressão de alguém por suas ações, e que não sentimos o impulso de descobrir mais nada. Afinal, aquilo que não podemos absolutamente perceber não nos causa o interesse ou a necessidade de percebê-lo.)

                As forças impuras, como “klipah” e “Sitra Ahra”, são as que nos dominam, impedindo-nos de nos deleitarmos com qualquer prazer que se nos apresente para que nos satisfaçamos com o pouco que experimentamos. Isto é, essas forças incitam-nos a ficarmos satisfeitos com o conhecimento que já possuímos e a ficarmos contentes com a casca (“klipah”), enquanto deixamos o fruto em si de lado.

                Assim, nosso intelecto não pode entender o propósito de trabalhar em favor do Criador, pois a interferência causada pelas forças impuras não nos permite compreender o significado oculta da Cabala.

                Em um objeto espiritual, a luz que preenche sua metade superior, da cabeça (“Rosh”) ao umbigo (“Tabur), chama-se passado, e a luz que preenche sua metade inferior chama-se presente. A luz circundante que ainda não penetrou no objeto, mas ainda está esperando sua vez para ser revelada, chama-se futuro.

                Se um indivíduo decai espiritualmente e seus desejos egoístas aumenta, então, do ponto de vista desse indivíduo, a importância do espiritual diminui.

                Mas a descensão espiritual é enviada pelo Divino com o propósito: oferecer ao indivíduo a compreensão de que ainda está em exílio espiritual. Isso, por sua vez, deveria incitá-lo a rezar para alcançar a redenção.

                Mas não encontraremos serenidade verdadeira, enquanto não elevarmos nosso propósito predeterminado: nossa própria libertação espiritual e a de toda a humanidade acima de todo o resto. O exílio é um conceito espiritual.

                “Galut” não é a escravidão física experimentada por todas as nações em algum momento de suas histórias. “Galut” é a escravidão de cada um de nós por nosso pior inimigo: o

Egoísmo. Mais ainda, é uma escravidão tão sofisticada, que não temos consciência de estarmos constantemente trabalhando para este amo – o egoísmo -, essa força externa que nos possui e que nos impõe seus próprios desejos.

                Nós, como pessoas insensatas, não percebemos isso e realizamos todos os nossos esforços para levar a cabo todas as exigências do ego. Na realidade, nosso estado pode ser comparado ao dos doentes mentais, que percebem as vozes imaginárias como ordens, ou, pior ainda, como desejos pessoais verdadeiros, atendendo-os.

                Nossa “galut’ é nosso exílio do mundo espiritual, nossa inabilidade de estar em contato com o Criador e de trabalhar somente para Ele. Reconhecer nossa existência nesse estado é uma condição prévia e vital par dela nos libertarmos.

                No início, o ego inclina-se ao estudo da Cabala e à aplicação dos esforços necessários para entender o mundo espiritual, pois vê certos benefícios em possuir tais conhecimentos. Porém, quando começamos a perceber tudo o que implica o verdadeiro trabalho em favor do Criador e quando somos forçados a pedir nossa libertação, então rejeitamos a redenção, convencendo-nos de que é impossível ter sucesso nesse trabalho.

                Então, uma vez mais, tornamo-nos escravos de nossa própria razão; isto é, voltamos aos ideais da vida material. Nosso resgate desse estado só pode acontecer ao agirmos de acordo com a fé acima da razão.

                Uma descensão espiritual não implica na perda de fé.

                Ao nos revelar mais sobre nosso egoísmo, o Criador concede-nos a possiblidade de realizar um esforço adicional, e, ao fazê-lo, concede-nos também a possibilidade de aumentar nossa fé. Nosso nível anterior de fé não será perdido, mas, ao contemplarmos o trabalho a ser feito, o experimentaremos como uma descensão espiritual.

                Nosso mundo é criado à semelhança do espiritual, com a diferença de que é formado de matéria egoísta. Não podemos adquirir um conhecimento significativo do mundo circundante, sobre as qualidades dos objetos espirituais – ao menos sobre as suas inter-relações -, se não for comparando-as com nosso mundo.

                O mundo espiritual também contém conceitos como mundo, deserto, países, assentamento, etc. Todas os mandamentos, ou ações espirituais, podem ser sustentados em qualquer nível, exceto os do amor e do temor. Esses mandamentos são revelados somente aos que atingiram o nível espiritual da Terra de Israel (Eretz Israel”).

                No nível de “Eretz Israel” existe um subnível conhecido como Jerusalém (“Yerushalayim’, derivado de “yir ah”, temor, e “shalem”, completo): o desejo de experimentar o temor diante do Criador, que ajuda a nos liberarmos do egoísmo.

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